quinta-feira, fevereiro 21, 2008

a sinagoga de tomar

Pensa-se que já havia uma comunidade judaica em Tomar nos primeiros anos do século XIV. Contudo, a sua Sinagoga só foi construída entre os anos 1430 e 1460. Estavam longe de pensar todos aqueles que a planearam e mandaram construir que ela iria estar breves anos ao serviço do seu culto.

Nada fazia prever que o Rei D. Manuel I, em Dezembro de 1496, mandasse publicar um édito em que dava um prazo aos judeus para se converterem ao Cristianismo ou seriam expulsos de Portugal. Esse prazo foi fixado até Outubro de 1497.

Tudo indica que o rei teria sido pressionado pela sua noiva ou, não o tendo sido, tenha querido mostrar agrado às ideias que ela e seus pais tinham em relação aos judeus. Falo de D. Isabel, filha dos Reis Católicos e viúva do príncipe herdeiro do trono de Portugal, D. Afonso, com quem casara em Novembro de 1490. Em Julho de 1491, D. Afonso teve um acidente a cavalo e morreu em Almeirim.

D. Isabel, casou mais tarde, em segundas núpcias com D. Manuel I, em Outubro de 1497 e viria a morrer poucos meses depois (Agosto de 1498), durante o parto de seu filho D. Miguel da Paz, herdeiro jurado das coroas de Portugal, Castela e Aragão, que, ao morrer dois anos depois, viria acabar com a possibilidade da união dinástica ibérica sob a hegemonia de um rei português.

D. Manuel I viria a casar mais duas vezes – com D. Maria, irmã de Isabel, que lhe deu nove filhos e viria a morrer também de parto, e D. Leonor, filha de Joana a Louca e irmã de Carlos V.

Por força do édito de 1496, foi encerrada ao culto a Sinagoga. Foi então comprada por um particular desconhecendo-se quem a vendeu (a comunidade judaica? o Rei?). Voltou a ser vendida em 1516 para nela ser instalada a Cadeia Municipal, que deixava de estar no Castelo.

Fico a pensar no que se terá passado na cabeça do Rei quando informado da nova localização da cadeia se viu obrigado a publicar uma interessante Carta de excepcionais privilégios que determinava que os cristãos novos não podiam ser presos naquela cadeia. Depois da argúcia e manobra política de inventar os cristãos novos, para impedir que todas as fortunas na mão dos judeus saíssem do país, teve então de fazer nova manobra com esta Carta de privilégios, pois seria afronta demasiada prender judeus no seu local de culto, a Sinagoga.

Em 1542, a Sinagoga foi ocupada pela Câmara e ali permaneceu até 1550. Há registos posteriores de ali ter funcionado uma ‘Ermida de São Bartolomeu’ na qual se celebravam casamentos em 1613.

Segundo o Prof. Santos Simões, a profanação da Sinagoga teria sucedido no século XIX. Em 1 de Junho de 1885 era apenas uma casa térrea, servindo de palheiro. A 10 de Junho de 1920, segundo dados da própria Sinagoga, aquando da visita de um grupo de Arqueólogos Portugueses, havia ali uma adega e armazém de mercearias.

Por decreto de 29 de Junho de 1921 foi o edifício classificado como Monumento Nacional. Apesar desta classificação, o abandono e degradação em que se encontrava, levou Samuel Schwarz a comprar o edifício em 5 de Maio de 1923, que acabou por doar ao Estado em 29 de Março de 1939, com a condição expressa de ali ser instalado um Museu Luso-Hebraico, nome que foi homologado pelo Despacho ministerial de 27 de Julho.

Hoje em dia o Museu Luso-Hebraico Abrahan Zacuto pode ser visitado no n.º 73 da Rua da Judearia, antiga Rua Nova.

É uma visita que se recomenda a quem visite Tomar. Embora exteriormente o edifício não se encontre nas melhores condições, interiormente está bem conservado e as suas colunas e abóbadas merecem e despertam olhar atento e demorado.

Olhando as suas paredes e vendo as suas janelas tapadas, entende-se logo que elas foram fechadas porque da antiga Sinagoga resulta apenas esta sala de culto, tendo desaparecido grande parte do edifício inicial, hoje habitações particulares.

Quase de uma forma constante há uma pergunta que se ouve entre os visitantes – para que serve ou porque está ali na parede aquele vaso de barro voltado para baixo? A explicação não demora – se repararem, em todas as paredes e à mesma altura encontram-se buracos circulares e dentro da parede encontra-se em cada um deles um destes vasos de barro. Eles serviam como amplificadores dos sons e assim os transmitiam para galerias de outros espaços, onde se encontravam as mulheres e que, ouvindo através daquele sistema acústico, podiam acompanhar o culto a que só os homens podiam assistir.

A beleza do espaço não é acompanhada pela dos objectos ali expostos, com raras excepções. Mas vale a visita, mesmo que seja só uma parte da Sinagoga que ali está desde 1460.


quarta-feira, fevereiro 13, 2008

revisitando os monty python

Confesso que não tinha posto grande esperança neste espectáculo de revisitação de alguns sketches dos Monty Phython, embora tivesse confiança na equipa que se propusera fazê-lo. A tradução e adaptação de Nuno Markl dava alguma garantia e a interpretação de António Feio (também encenador), Bruno Nogueira, Jorge Mourato, José Pedro Gomes e Miguel Guilherme, sossegavam-me bastante quanto ao sucesso desta aventura.

Estava, contudo, longe de imaginar de que iria gostar tanto e, sobretudo, de que iria rir-me tanto. Por mais que se possa pensar que o riso é contagiante e que ninguém pode ficar indiferente ou imune a uma plateia que ri, o certo é que eu sei que ri, não por isso, mas porque o texto e a representação me proporcionaram essa boa e insuperável receita profilática de acidentes cardíacos, depressões e vida breve, que é o riso.
O espectáculo tem ritmo, está equilibrado, nunca cai em zona negativa e tem momentos ou picos de grande gargalhada (é quase impensável que se possa rir à gargalhada com um humor tão fino, tão marcado culturalmente, com tantas referências).
Parece sempre deselegante destacar-se um ou outro momento, um ou outro actor, em espectáculo tão homogéneo e perfeito. Mas, seja deselegante ou não, não posso deixar de salientar dois sketches particularmente - aquele em que o Papa (José Pedro Gomes) conversa e repreende o pintor Miguel Ângelo (Miguel Guilherme) por não ter pintado «A Última Ceia» de forma correcta e como lha tinha encomendado e aquele outro em que um humorista resolve escrever uma piada mortal, a que ninguém possa resistir, tal o riso que despertará. As mortes em série de todos aqueles que a liam levam à sua utilização como arma de guerra ....
Espectáculo conseguido, com inteira adesão do público que enchia totalmente o teatro.
Dá gosto ver estas duas coisas - um espectáculo conseguido e uma sala de teatro cheia.

sábado, fevereiro 09, 2008

no quarto centenário do nascimento do padre antónio vieira

Com um atraso de três dias, o que nada significa em 400 anos, associo-me às comemorações do nascimento do Padre António Vieira. E faço-o de forma diferente de todos os meus posts.

Não me sinto capaz de sobre ele escrever na medida em que a minha escrita nada é ao pé da sua. A melhor forma que encontrei para lhe prestar homenagem é transcrever uma parte do Sermão aos Peixes que ele fez em São Luíz do Maranhão em 1654. Quase quatrocentos anos depois, reparem na actualidade deste texto.

(…) A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. (…) Olhai, peixes, lá do mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá: para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas; vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer.
Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e comê-lo. Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros, comem-no os legatários, comem-no os credores; comem-no os oficiais dos órfãos e os dos defuntos e ausentes; come-o o médico, que o curou ou ajudou a morrer; come-o o sangrador que lhe tirou o sangue; come-o a mesma mulher, que de má vontade lhe dá para mortalha o lençol mais velho da casa, come-o o que lhe abre a cova, o que lhe tange os sinos, e os que cantando o levam a enterrar; enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra. Já se os homens se comeram somente depois de mortos, parece que era menos horror e menos matéria de sentimento. Mas para que conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim como vós. (…) Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.
(…) A diferença que há entre o pão e os outros comeres, é que para a carne há dias de carne, e para o peixe dias de peixe, e para as frutas diferentes meses no ano; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come: e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes; e assim como o pão se come com tudo, assim com tudo e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem… Parece-vos bem isto, peixes? Representa -se -me que com o movimento das cabeças estais todos dizendo que não, e com olhardes uns para os outros, vos estais admirando e pasmando de que entre os homens haja tal injustiça e maldade! Pois isto mesmo é o que vós fazeis. Os maiores comeis os pequenos; e os muito grandes não só os comem um por um, senão os cardumes inteiros, e isto continuamente sem diferença de tempos, não só de dia, senão também de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens. Se cuidais, porventura, que estas injustiças entre vós se toleram e passam sem castigo, enganais-vos. Assim como Deus as castiga nos homens, assim também por seu modo as castiga em vós. Os mais velhos, que me ouvis e estais presentes, bem vistes neste Estado, e quando menos ouviríeis murmurar aos passageiros nas canoas, e muito mais lamentar aos miseráveis remeiros delas, que os maiores que cá foram mandados, em vez de governar e aumentar o mesmo Estado, o destruíram; porque toda a fome que de lá traziam, a fartavam em comer e devorar os pequenos. Assim foi; mas se entre vós se acham acaso alguns dos que, seguindo a esteira dos navios, vão com eles a Portugal e tornam para os mares pátrios, bem ouviriam estes lá no Tejo que esses mesmos maiores que cá comiam os pequenos, quando lá chegam, acham outros maiores que os comam também a eles. (…)

Extracto do Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira, pregado em S. Luís do Maranhão em 1654.

Imagem superior copiada do livro Padre António Vieira, O Imperador da Língua Portuguesa, editado pelo Correio da Manhã, com capa de Virgílio Beatriz

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

scope


E que território de mal-entendido mais universal existirá que o do amor? Assim pergunta Rui Horta quando explica a sua nova criação «Scope», viagem entre o «como és» e o «quem és», o «como» e o «quem», o «vai-vem» entre a razão e a emoção, entre o «que vemos» e o «que queremos ver».

Magnificamente interpretado por Romeu Runa e Elisabeth Lambeck, com conceito, espaço cénico, textos, cenografia, desenho de luz e multimédia de Rui Horta.

Espectáculo diferente, com envolvimento de bailarinos e espectadores. Todo o desenvolvimento de Scope se faz no palco para onde os espectadores são conduzidos no início do espectáculo. Pulseiras de cor são colocadas, à entrada, nos pulsos de cada espectador, com cor diferente para cada sexo.

O espectáculo começa com os bailarinos, cada um em seu palco elevado, dançando em ambiente de discoteca e a pouco e pouco transfigurando os seus corpos, colocando músculos onde os não havia, nádegas e mamas onde fariam falta. Começando a mentira.

Só bastante depois as pulseiras se explicam – quando os espectadores são convidados a colocarem-se num quadrado de chão com a sua cor e a segui-lo para onde ele o levar. Começa a participação do público no espectáculo e a sua integração. Com o jogo dos quadrados duas plateias se formam, no palco. E começa o bailado, o jogo do amor e da verdade. Aprofundar o olhar sobre a comunicação e as inevitáveis fronteiras que entre nós colocamos.

E como diz Rui Horta - E que território de mal-entendido mais universal existirá que o do amor?

É bom ver-se uma nova dimensão do bailarino, dançando, representando, falando. Gostei muito e aconselho.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

das marchen

No dia 25 de Janeiro de 2008, sentei-me na plateia do Teatro Virgínia, em Torres Novas, para assistir em directo, via satélite, à estreia absoluta da ópera em um prólogo e dois actos «Das Marchen», de Emmanuel Nunes. Obra encomendada pelo Teatro Nacional de São Carlos, Casa da Música e Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian. Direcção musical de Peter Rundel e encenação de Karoline Gruber. Orquestra Sinfónica Portuguesa, Coro do Teatro Nacional de São Carlos e Remix Ensemble. Esta ópera é baseada no conto «Conversas de Exilados Alemães» de Johann Wolfgang von Goethe.

A história remete-nos para um universo maravilhoso assente numa teia de alegorias e símbolos esotéricos. Uma serpente que se reveste de diversos significados, encontra a sua sublimação na forma de uma ponte que liga as margens do rio e todos os pontos antagónicos, proporcionando um estado de serenidade, sabedoria e felicidade, segundo o catálogo

Emmanuel Nunes (e cito do catálogo) iniciou os seus estudos em Harmonia, Contraponto e Fuga em 1959 com Francine Benoit na Academia de Música de Lisboa. Daí em diante foi todo um percurso recheado de grandes mestres, como Lopes Graça, Henri Pousseur, Stockhausen, Boulez e mais uma dezena deles.

Ensinou e ensina em várias Universidades e Escolas Superiores de Música e é Doutor Honoris Causae pela Universidade de Paris VIII. Prémio CIM-UNESCO em 1999 e Prémio Pessoa em 2000.

Que dizer de Das Marchen? Gostei, mas achei-a muito longa. O que, partindo do princípio que este tipo de música ainda não se impregnou na nossa pele e nos nossos sentidos, pode ser perigoso para uma total adesão e para a conquista de mais público.

Aplaudo a ideia da transmissão directa para 14 teatros de Portugal. Uma boa forma de difundir a cultura e ajudar à educação musical de um povo.

gravuras de dali na fundação eugénio de almeida


Aproveitei a estadia em Évora para visitar a exposição de gravuras de Salvador Dali que está patente na Fundação Eugénio de Almeida.

Estas gravuras foram feitas em 1951, especialmente para ilustrarem a edição da Divina Comédia, comemorativa dos 700 anos do nascimento de Dante Alighieri, a pedido do Governo de Itália.

Conheço bem a obra de Dali e visito-a com alguma frequência no seu Teatro-Museu em Figueres, perto de Barcelona. Ainda há cerca de um ano visitei outra exposição de gravuras na Casa do Brasil, em Santarém. Tenho a sorte de poder olhar e manusear «Os 10 mandamentos» e «Os sete dias da Criação», duas colecções de medalhas em boa hora editadas pela ourivesaria Soller Cabot de Barcelona, vão lá mais de 25 anos.

Pode não se gostar de Dali Homem, mas não se pode ignorar o artista, um pouco de génio, um pouco de louco, muito de provocador, que trabalhou incansavelmente e nos deixou um legado enorme da sua arte única e pessoal.

A exposição apresenta 100 gravuras, de estilo e beleza desigual. Destaco Centauro, o tentador de donzelas e Cérbero, o guardião do reino dos mortos.

Muita gente a visitar a exposição, de todas as idades.

o teatro garcia de resende

Tinha lido na Agenda Cultural que hoje havia teatro no Garcia de Resende. A peça dava pelo nome de «Cabaré de Ofélia», da autoria de Armando Nascimento Rosa, anunciada como, e sirvo-me da Agenda, obra inédita, cómica e dramática, poética e musical, que revisita teatralmente o universo do modernismo português, da geração de «Orpheu».

Com tempo, dirigi-me à bilheteira do Teatro Garcia de Resende para comprar, com antecedência, bilhete para essa noite. Com tristeza recebi a notícia de que não haveria espectáculo por um dos artistas ter sofrido um acidente. Tristeza tripla – porque a causa tinha sido um acidente, por não ver o espectáculo e por não revisitar o Garcia de Resende depois das obras havidas.

Quando manifestei esta tripla tristeza, prontamente uma das integrantes do CENDREV se prontificou a acompanhar-me numa visita ao teatro. Foi uma visita guiada magnífica, em que tive oportunidade de rever os primitivos Bonecos de S. Aleixo que ainda ali se encontram em bom estado de conservação. No palco vi várias pessoas que faziam parte de um grupo de teatro que proximamente ali quer apresentar uma peça e previamente verificavam as condições cénicas do teatro. Confirmei que havia colaboração e disponibilidade. No salão nobre havia uma reunião de trabalho sobre programação e calendário de trabalho. Confirmei que havia trabalho e planeamento.

Soube também da parceria existente com outros teatros, nomeadamente com o Teatro da Trindade, o que me vai permitir assistir em Lisboa à peça que hoje me foi impossível ver em Évora.

E, brevemente, fins de Fevereiro, princípio de Março, a Companhia de Évora apresentará Goldoni no Teatro Nacional D. Maria II.

Apesar das escassas verbas da Cultura e do apoio ao Teatro, podemos ver que algo mexe e que, para que isso suceda, mais do que as verbas e os apoios, conta a vontade, dedicação e amor de quem ama o Teatro e o dá a ver.


terça-feira, fevereiro 05, 2008

o museu de arte contemporânea de elvas e a colecção antónio cachola

Hoje resolvi dedicar a manhã a visitar o novíssimo Museu de Arte Contemporânea de Elvas.

Estacionado o carro no parque subterrâneo do centro histórico daquela cidade, facilmente localizei o museu que ali me levava. Instalado no edifício do antigo Hospital, apresenta-se este bem recuperado, conservando a beleza da sua traça inicial.

A Colecção António Cachola é constituída por obras de 72 autores portugueses, dispostas em várias e amplas salas de dois pisos, com uma circulação fácil e bem definida, dispondo de sinalética apropriada e apoio permanente de gentis, bonitas e agradáveis funcionárias.

Não vou aqui falar de todas as peças ali expostas, mas apenas de 3 ou 4 que mais me impressionaram, por uma ou outras razões, minhas, que poderão ou não ser coincidentes com as de outros visitantes.

Falar aqui desta Colecção e deste Museu tem por finalidade dar-vos a minha opinião, pese embora não ma terem pedido, e tentar aliciar-vos para uma visita a este novo museu.

Quase logo à entrada encontra-se uma peça interessantíssima da autoria de Miguel Ângelo Rocha, intitulada «Maqueta para Paisagem», de 1997.

Logo a seguir e quase bloqueando a porta que dá acesso à sala seguinte, propositadamente, está uma peça muito representativa do estilo pessoal da artista Joana Vasconcelos, intitulada «Wash and Go», que parte da ideia de aproveitar dois rolos de lavagem automática de carros e transfigurá-los substituindo as escovas por centenas de meias de senhora de várias cores. Não sabia na altura em que a vi que ela me iria compensar da ausência temporária (por se encontrar exposta em Londres) de «A Noiva», da mesma autora, que era a peça que eu mais gostaria de ter visto nesta visita.

Um destaque para uma peça monumental, ocupando a quase totalidade de uma das amplas salas do museu, da autoria de João Pedro Vale, intitulada «A Culpa não é Minha», de 2003, tronco gigante de árvore derrubada, feita em arame e corda.

Um acrílico sem título, de 1999, de Ilda David, brilha numa das paredes de outra sala.

De repente, a um canto de uma das salas maiores, vejo uma porta entreaberta que dá acesso a uma pequena sala, transformada em auditório intimista, onde corre um vídeo de João Onofre que é um dos documentos mais fortes, violentos e vivos que me tem sido dado ver, sobre a indiferença e a solidão humana. Não é possível traduzir em palavras todo o impacto que provoca. Há que ver e ouvir. De qualquer modo, imaginem até o poder ver, um homem alto, elegante, de grande vitalidade, com a cabeça envolvida numa máscara gigantesca e horrível, arrepiante, quase gigantone, e cuja visão não pode passar desapercebida a quem a veja, mesmo de soslaio. Agora, continuem a imaginar e a juntar a essa imagem uns sapatos de sapateado e o som metálico que produzem. Coloquem o homem dentro de autocarro da Carris, saindo no Rossio, caminhando pela rua do Ouro, subindo depois a do Crucifixo, entrando na estação do Metro Baixa-Chiado, descendo as escadas rolantes até à plataforma onde vai esperar a próxima composição do Metro, onde entrará. Imaginem agora a caminhada deste homem, sempre sapateando, algumas vezes dançando, tendo sempre por fundo a música metálica do sapateado e na outra extremidade a cabeça arrepiante já descrita.

Pois é. Uma ou duas mãos chegariam para contar as pessoas que olharam para ele e o viram. À volta dele, caminhando e esperando com ele, um deserto humano, passando por ele, em passo acelerado ou lento, todos mergulhados nos seus pensamentos, preocupações, tragédias, maquinações, alheios a todo o resto. Ninguém verdadeiramente parou, ninguém lhe dirigiu a palavra, ninguém questionou coisa alguma, mesmo aqueles que iam acompanhados.

Impressionante.

O museu dispõe de uma magnífica cafetaria no último piso (o 5.º), com um amplo terraço com vista privilegiada sobre Elvas. Bom atendimento, boa qualidade da oferta e bons preços. Tem também uma loja de vendas.

Um senão que me custa registar, mas já registando (como dizem os brasileiros) – ao longo deste percurso fui perguntando a várias funcionárias quem era o homem que dá nome à Colecção que ali se mostra. António Cachola. Por incrível que pareça nenhuma delas me soube dizer quem ele era, se novo, se velho, o que fazia, onde nascera, … Apenas uma me adiantou, mas com duvidosa certeza, a terra onde vivia!

Como é possível trabalhar numa instituição que tem um nome e não se saber de quem é esse nome? Culpa das funcionárias ou de quem as devia ensinar? Falta de curiosidade, apenas?

São estes apenas que fazem de nós o povo que somos.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

a minha inesperada ida a évora


A verdade é que não podemos dizer - vou fazer isto ou aquilo - com o grau de certeza com que normalmente o fazemos. Cada dia me parece mais evidente que cada vez há menos certezas, apesar da ciência e a investigação todos os dias nos dizerem e mostrarem, o contrário do que agora acabei de afirmar.

Vem isto a propósito dum facto recente, aparentemente sem importância, mas que para mim teve pelo menos a de me levar a escrever este post.

Não tinham passado vinte e quatro horas de eu ter feito a reserva do hotel em Madrid para cinco noites e de ter anulado vários compromissos que tinha assumido anteriormente e eis que me encontrei inesperadamente a cancelar a reserva do hotel, a colocar o saco de viagem no carro, mas não para seguir para Madrid como supunha, mas para Évora, em que até aí nem pensara.

As razões para esta súbita e inesperada mudança não são para aqui chamadas, nem trariam qualquer ajuda à defesa da proposição atrás enunciada. O que aqui verdadeiramente interessa, é a realidade sucedida que nada teve a ver com planeamento ou necessidade. Das cidades pequenas de que gosto, Évora é um must. Estou sempre pronto a ir até lá, independentemente de razões, épocas ou estações. Mas nunca me tinha sucedido meter-me a caminho desta forma inesperada e sem motivo.

Não sei se por isso, se por qualquer outra coisa, também a estadia teve algumas coisas inesperadas.

Dei comigo a entrar no Turismo e a pedir a Agenda Cultural. Logo três sugestões me chamaram a atenção e imediatamente decidi que iriam fazer parte da minha estadia. Logo nessa noite desloquei-me à Sociedade Harmonia Eborense para assistir a uma peça teatral chamada «Vou a Marte para sempre», uma criação do PIM Teatro, interpretada pelos actores Diogo Duro, João Sérgio Palma e Sandra Horta.

Este grupo de teatro sediado naquela cidade fazia teatro para crianças, tendo feito agora esta peça para adultos, não sei se apenas como experiência, ou apenas porque sim, se por mudança de rumo. Seja pelo que tenha sido, conseguiu vencer esta aposta. Com uma estrutura e carpintaria cénicas extremamente simplificadas, com diálogos de autoria dos actores, conseguem dar uma imagem bastante real do desacerto da maioria dos casais de hoje.

Extremamente divertido, mas ao mesmo tempo sério, é um espectáculo cheio de ritmo e eficácia no envio da mensagem.

O título da peça assenta num facto que trespassa toda a peça que é a impossibilidade do diálogo, o significado dúbio das palavras, a instabilidade emocional. O «Vou a Marte para sempre» que ele diz é completamente diferente do «Vou amar-te para sempre» que ela pensa ouvir.

Uma palavra de tristeza pelo grau de degradação das instalações da Sociedade Harmonia Eborense que bem merecia ajuda autárquica ou de um qualquer mecenas disponível e a precisar de benefícios fiscais.

Uma palavra de satisfação por ver um público jovem, interessado e participativo.

Fui-me deitar satisfeito e um pouco menos céptico.