quinta-feira, dezembro 24, 2009

litania para este natal

Recebi do meu colega e amigo José Dias Egipto esta magnífica Litania para este Natal. Porque gostava muito que ela chegasse a todos, aqui a deixo aos que habitualmente consultam este blog. Que este post seja o início de uma maior divulgação.



Litania para este Natal


A todas as vozes que se calam, mesmo por vergonha ou preconceito, das preces de Natal, mas sentem um impulso de compaixão,

porque vivem o essencial e desprezam a aparência …


A todas as novas e velhas solidões, encandeadas pelas luzes de um progresso que não tem vergonha de as cegar assim,

porque é das trevas que nascerá de novo a luz da solidariedade…


A todos os amordaçados por delitos de opinião, nas prisões deste “novo” mundo, para que as feridas dos seus silêncios sangrem nos sonhos de todos os poderosos,

porque o remorso pode dar frutos abrindo os corações…


A todos os que estenderam braços em abraços, sem preconceitos de raça ou condição social,

porque deles será o futuro, por mais longínquo que pareça…


A todos os que ousaram rir perante a hipocrisia reinante, dando a resposta mais subtil às índoles empedernidas dos donos dos “saberes” e das “verdades”,

porque a felicidade há-de vir vestida de palhaço pobre…


A todas os que nasceram neste ano e que vão sofrer as convulsões dos afectos e das novas desigualdades,

porque carregam em cima dos ombros a tarefa Hercúlea de construir um mundo novo…


A todas as expressões de arte que surgiram nestes tempos baços, frutos dos desalgemados do mundo,

porque só elas podem colorir as almas e os corações desencantados…


A todas as vítimas dos abutres de colarinho branco ou vermelho, que provocaram a crise financeira para poderem comer o resto da carne dos fracos, no banquete do liberalismo económico,

porque será do seu desnecessário sacrifício que poderá nascer uma nova ordem económica …


A todos aqueles que combateram e combatem os velhos preconceitos sem caírem no relativismo radical do laicismo,

porque será nesse meio-termo do bom senso que se poderão criar novos valores…,


A todos os que souberam dar Amor nestes tempos de guerra psicológica e desamparo afectivo,

porque será sempre esse o lugar do encontro fraterno e da salvação da própria Humanidade…

José Dias Egipto

terça-feira, dezembro 22, 2009

música da ibéria em dia de solstício

Hoje encontrei esta pérola visual e acústica, um refrescar de imagens e sons que guardo na minha memória, sem ter feito qualquer esforço para isso. Nasci a norte a meia dúzia de quilómetros da Galiza. Nasci numa cidade, mas o que mais ficou foram as raízes. Das referências que encontrei no Youtube, sei apenas que a 'canção' (oração, ritual, cântico, celebração?) se chama "Noite de Solsticio" e é gravada por Sangre Cavallum do álbum Veleno de Teixo. Fiquem com o canto, regalem o olho, soltem a memória e as emoções.

Não resisto a deixar um curto texto (poema) que escrevi há muitos anos e que penso ter a ver com tudo isto:


Só as caras do povo me impressionam.
Só nelas rugas e marcas são marcas e rugas. E a dor é dor.
Cara do povo, cara de gente.
Gosto de caras, a preto e branco. Preto no branco.




Hoje é dia de solstício (de inverno)

segunda-feira, dezembro 21, 2009

a cinderela de rossini/bartoli

São 3 minutos e 12 segundos de alegria, prazer, divertimento, admiração, aqueles com que vos deixo nesta magnífica interpretação de Cecília Bartoli da área do fim do 2.º acto - Non piu mesta accanto al fuoco, da Cenerentola ou La bontá in trionfo (Cinderela ou o triunfo da bondade) de Gioachino Rossini , no MET (encenação de 1997).
Esta mezzo-soprano não pára de nos cativar com a sua magnífica voz e interpretações singulares, pese embora não me agradar o posicionamento do corpo e as expressões faciais dispensáveis. Tirando isso, é uma grande voz em todo o mundo e o MET sabe disso.
A Cinderela é uma ópera cómica (bufa) em 2 actos, com libreto de Jacopo Ferreti, sobre o conto de fadas homónimo de Charles Perrault e foi estreada em 1817. Consta que Rossini terá composto a ópera em apenas 24 dias e que Ferreti terá escrito o libreto em apenas 22 dias.

sexta-feira, dezembro 18, 2009

pedro barroso - 40 anos de música e palavras


No passado dia 12 de Dezembro tive a sorte de ter assistido e participado (quase um happening) no magnífico e inesquecível concerto comemorativo dos 40 anos de música e palavras de Pedro Barroso que, naquele exacto dia, comemorava os 40 anos de sua estreia no Zip Zip de nossa memória.
Durante este ano, Pedro Barroso apresentou este espectáculo em vários locais do país, desde o Minho aos Açores, terminando em Lisboa e guardou a comemoração exacta dos 40 anos para o Teatro Virgínia de Torres Novas, a escassos quilómetros de sua terra - Riachos.
Espectáculo cuidado, com bom acompanhamento musical de Miguel Carreira (acordeão e viola), David Zagalo (teclados e piano), Luís Sá Pessoa (violoncelo), Luís Petisca (guitarra portuguesa e viola), Carlos Dâmaso (viola, bandolim, baixo, flauta e percussões) e as vozes de apoio de Teresa Santos e Marta Jacinta.
O teatro estava cheio e participativo e foi bom de ver e ouvir a forma como o público colaborou com o homenageado trauteando as suas canções e as de todos aqueles cantores de Abril que ele quis homenagear, dizendo o nome de mortos e vivos e cantando pequenos trechos de cada um, pequenos na duração, longos nas emoções. Talvez tenha sido este o concerto em que mais me emcionei depois do último do Zeca.
Pedro Barroso é uma personalidade, não é só um cantor. É uma personalidade multiforme, estendendo o seu génio pela palavra, pela música, pela pintura, pela intervenção cívica, pelo seu apego à terra e aos valores em que acredita.
Pedro Barroso não é um cantor de plástico, formatado. É de carne e osso. Autêntico.


terça-feira, dezembro 15, 2009

cecilia bartoli e os castrati - sacrificium



Em Outubro passado foi apresentado o novo CD de Cecilia Bartoli intitulado Sacrificium e que é uma homenagem aos famosos castrati, dezenas de milhares de jovens sacrificados pela castração a perderem algumas características de homem e adquirirem algumas de mulher, especialmente a sua capacidade de fonação que lhes permitia autênticas acrobacias vocais, com características de soprano, mezzo soprano ou contralto.
Parece que a origem dos castrati terá estado na Igreja, para se obterem vozes com características únicas para enquadrarem os coros das igrejas. A beleza vocal era tal que o movimento se alargou às cortes e aos grandes teatros. Parece provado que os primeiros castrati terão aparecido ainda no século XV e, embora em 1870 a Itália tenha proibido tal prática, ainda há notícias de alguns no início do século XX. Em Itália o movimento teve um grande desenvolvimento, especialmente na região de Nápoles. Era frequente haver nas barbearias cartazes dizendo «Qui si castrano ragazzi», o que não nos espanta se nos lembrarmos que estávamos em tempos em que a cirurgia era feita por barbeiros cirurgiões.
O mais famoso de todos os castrati foi Carlo Broschi, conhecido como Farinelli (representado ao centro do quadro pintado por Jacopo Amigoni que se representou a si próprio à esquerda de Farinelli, não esquecendo a Igreja e a aristocracia).
Em Portugal também houve castrati, a partir do reinado de D. João V, italianos como Floriano Flori (que chegou a Lisboa em 1719), Giziello, Cafarelli ou Carlo Reina e portugueses oriundos de várias regiões do país, mas que nunca terão tido grande notoriedade.
Deliciem-se com a magnífica voz de Cecilia Bartoli, cantando a ária «Cadró, ma qual si mira» de Francesco Araia, acompanhada pelo «Il Giardino Armonico» e ainda em uma curta mostra do Concerto em Caserta.



olhem mais para o país e menos para os vossos umbigos


Ao ler há dias o editorial de André Macedo no jornal i, achei que ele tinha tocado bem no sismo que assola o país nesta legislatura, caracterizado por um acerto de contas entre partidos e figuras de proa, em que esta proa de alguns visa mais o afundamento do navio Portugal, do que ajudar a levá-lo (como se pede e devem fazer) a bom porto. Resolvi pois, transcrever aqui a parte final desse Editorial, por me parecer ser bem ilustrativo da situação. Só agora o transcrevo porque tive a esperança que nestes dias que passaram houvesse sinais de mudança. Enganei-me. Por isso, aqui vai hoje.
«Forçar leis e modificações com impacto social e orçamental à margem do que pretende o primeiro-ministro é não apenas batota, é um risco enorme para o país. Se em Portugal os governos já são acometidos de vários ataques de esquizofrenia - defendem tudo e o seu contrário -, se lhe juntarmos o coro de vozes dos deputados e a suas influenciáveis e pueris vontades, não teremos governo nenhum, mas um desgoverno ainda mais perigoso, lunático e analfabeto.

Chumbar as leis propostas pelo governo se forem consideradas negativas, sim, esse é um dever da oposição. Mas serão todas as leis más, como parece hoje? Todas erradas e estúpidas? Passámos de um país absolutamente centrado nos humores e vontades do ego do primeiro-ministro, para outro onde o centro do poder tresmalhou-se pelos corredores lustrosos da Assembleia da República. O poder não caiu na rua, caiu nas bancadas parlamentares, onde, apesar da aparência, a vontade de reformar o país passa demasiadas vezes para último plano, muito atrás das vinganças e das estratégias para substituir o poder logo ao virar da esquina. Há muitos anos que não se via tremenda irresponsabilidade política. Sócrates talvez mereça O país, não merece. Cavaco Silva, onde andas?»

domingo, dezembro 13, 2009

como eu vi berlim no tempo do muro



Conheci Berlim em Outubro/Novembro de 1968. Encontrava-me em Hamburgo onde tinha ido acompanhar militares amputados na guerra colonial, para construção e adaptação de próteses e reeducação da funcionalidade, no Hospital Militar de Hamburgo.
Já naquele tempo os alemães tinham tido a ideia sensata de construir hospitais militares unificados onde trabalhassem médicos dos três ramos das Forças Armadas e fossem tratados todos os militares, solução que qualquer pessoa sensata considerará a mais indicada, por permitir melhor atendimento, menores gastos e melhor aproveitamento do sofisticado e caríssimo equipamento hospitalar. No «rectângulo» e apesar da guerra colonial, continuávamos a dar-nos ao luxo de sustentar três hospitais, cada Ramo com sua quinta, o que só se podia compreender por sermos o país rico que sempre fomos e somos (!), pois ainda hoje e apesar de já ter sido aprovada pela Defesa, a unificação não passou ainda do papel e quando se fizer (veremos), vai começar apenas com o serviço de urgência.
Mas é sobre Berlim que eu vou escrever, pelo que regresso rapidamente a Hamburgo para contar que após a entrega dos militares deficientes no Hospital devíamos apresentar-nos no Consulado de Portugal, entidade que providenciaria o nosso regresso.
Este processava-se normalmente no primeiro avião Nord Atlas da Luftwaffe a voar com destino a Alverca, para aqui fazer a revisão ou manutenção.
Era nesse tempo Cônsul em Hamburgo FGV, com quem fiz amizade e que, quase de forma natural, conseguia que eu regressasse apenas no segundo voo a haver o que, em termos práticos, se traduzia numa estadia de cerca de quinze dias em vez dos habituais cinco ou seis. Este natural atraso no regresso, permitiu-me viajar um pouco pela Alemanha, Dinamarca, França, Inglaterra e Suécia, que me lembre.
Numa dessas minhas estadias prolongadas, conheci um funcionário (casado com uma alemã) do Consulado em Berlim, onde o cônsul era honorário e alemão. Durante a nossa conversa perguntou-me - conhece Berlim? Não, não conheço. Quer vir amanhã comigo e minha mulher? Vai connosco de carro, fica em nossa casa os dias que quiser e depois regressa a Hamburgo de avião. Respondi prontamente que sim, com a rapidez com que diria «arrematado» num leilão. Tão prontamente que, só depois do sim, proferi palavras de agradecimento e manifestei a vontade de não lhes causar trabalho nem transtorno. Era o fogo da ainda juventude a falar!
E no dia 3 de Novembro de 1968 iniciamos a viagem a caminho de Berlim, atravessando parte da DDR (Deutsche Democratische Republik), com controlo em Marienborn. Este controlo era fortemente apertado e demorado, salvo para pessoal diplomático e estrangeiros, o que nos facilitaria, pensava eu, a passagem rápida. Puro engano. O facto do M. ser casado com uma alemã, atirou-nos inexoravelmente para as filas de grande fiscalização.
Não me lembro a esta distância, mesmo com uma capacidade mnésica razoável, de quanto tempo – ia a escrever quantas horas – por ali permanecemos. Mas se não me lembro do tempo, lembro-me bem das torres de observação, dos cães, das armas, do ar sisudo, fechado e intimidativo dos guardas, sem qualquer sinal de simpatia ou compreensão pelos tristes seres que apenas queriam continuar viagem e nada mais. Esmiuçados (quais gato fedorento) os passaportes, fotografias, datas, viatura, criando a sensação de que iria aparecer qualquer impedimento de prosseguir ou de detenção para averiguações. A bagagem era impiedosamente aberta e vistoriada. Quando finalmente nos foi ordenada a partida (mais do que permitida), só respirámos fundo e falámos quando já não se via o check point, nem nenhum carro militar, nem as imaginárias balas, atrás de nós. Posso ter sentido tudo isto de uma forma exagerada, mas é do que me lembro.
Todo o percurso através da DDR, foi de grande tristeza, apesar da beleza da paisagem alemã. O que entristecia era o peso que se sentia duma mão invisível que nos rodeava, de um olho oculto que não deixava de nos vigiar. A sensação de tristeza era tal que quase nos embotava os sentidos e ficávamos incapazes de apreciar o belo. Não me lembro de termos falado muito nesse longo trajecto. E agora, não quero lembrar-me mais disso. Prossigo.
Dizer-vos da alegria e espanto que senti quando entrámos em Berlim ocidental, é semelhante ao que provavelmente sentiria se me abrissem a porta da cadeia em que, sem saber porquê, tinha estado preso. O que via de belo pareceu-me várias vezes mais belo do que realmente seria.
Descobri novamente a tranquilidade, o sorriso na cara das pessoas, as ruas cheias de gente apressada ou não, os miúdos a correr nos jardins, vigiados por mães felizes. E com grande espanto meu, via-se muita juventude. Juventude que vim a saber, tal como agora, ali acorre vindo de todas as partes da Alemanha e do mundo.
Recordo com saudade os passeios na Kurfurstendamm, os longos e vários momentos passados na pista de patinagem no gelo do Europa Center, onde permanentemente entravam e saiam patinadores – solitários, casais, pais e filhos, namorados, idosos de ar tranquilo e sonhador (pensando, recordando, exorcizando o passado, festejando o presente, desejando ainda um futuro melhor).
Recordo com saudade e ainda espanto, os Dan Club, frequentados por estudantes, de estrutura simples e um palco central. Ali, espontaneamente, em total liberdade, todo aquele que desejasse dizer poesia (na sua própria língua), cantar, tocar um instrumento ou integrando uma banda, montar uma cena de teatro ou magia, fosse o que fosse, limitava-se a subir ao palco depois do anterior sair e … «ouçam-me, vejam-me ou ignorem-me». Foi lá que eu ouvi (ou senti como tal) a canção mais linda que ouvi até hoje, na voz de uma universitária israelita. Naqueles clubes a gestão e serviços era feita por estudantes em regime de voluntariado. Não me perguntem como tudo batia certo numa organização assim. Só sei que fui lá várias vezes e nunca vi falhas ou desacatos.
Não esqueci nunca a imagem de um casal já idoso a entrar numa sex shop a menos de trinta metros das ruínas da Gedächtniskirche (hoje, memorial), pegar numa cesta de compras e tranquilamente, sempre conversando, abastecerem-se daquilo que lhes interessava. Nunca assisti a melhor representação duma sexualidade assumida tão naturalmente, num tempo em que tudo era tão limitado e condicionado (apesar do Maio desse ano).


Assim estou eu agora, condicionado pela barreira dos cinco mil caracteres, que me impede de verter aqui outras recordações e outras particularidades da Berlim de então.
Esta crónica foi escrita porque se comemoraram no passado dia 9 de Novembro os 20 anos da queda dessa vergonha que se chamava Muro de Berlim e os alemães chamavam de «mauer». Foram precisos 27 anos de vergonha, 200 mortes e muita mudança política, para o muro ser destruído. Em 1989, quando a notícia chegou a mim era já noite. Telefonei para Koblenz para o colega e amigo Bardua a dar-lhe o abraço que não podia, mas gostaria, de lhe dar pessoalmente. Apanhei-o de saída para se juntar aos amigos e à multidão junto à confluência dos rios, festejando e chorando de alegria. Telefonou-me muito tarde quando regressou a casa a contar-me da festa e durante algum tempo as nossas lágrimas de alegria e emoção encontraram-se.
Do muro restam alguns blocos pintados, para que a memória se mantenha, o checkpoint Charlie e em Friedrichstrasse o Museum Haus am Checkpoint Charlie.
A unificação da Alemanha ainda esperou quase um ano, mas fez-se. A liberdade mais uma vez venceu, apesar de alguns alemães ainda não se terem unificado totalmente nas suas cabeças.
E chegou o dia de regressar a Hamburgo que era um dos terminais aéreos dos corredores que ligavam Berlim à Alemanha Ocidental. O aeroporto de Tempelhof (inaugurado em 1923) e que salvou Berlim de morrer à fome quando do bloqueio soviético, fez-me lembrar a arquitectura portuguesa dos anos 40. Funcionou quase até agora (Outubro de 2008) tendo sido desactivado. Mantêm-se o Tegel e o Schönefeld, que serão substituídos a partir de 2011 pelo moderníssimo Berlin-Brandenburg que aproveita as pistas do Schonefeld e que será suficiente para o tráfego aéreo de Berlim do futuro.
Pode dizer-se que Tempelhof cumpriu a sua missão, como no dia em que nele embarquei me permitiu cumprir a minha de regressar a Hamburgo a tempo de apanhar o Nord Atlas para Alverca.
Já não a cumpri agora, pois acabei por transgredir o limite imposto e quase nada disse sobre o «Mauer».
Pode ser que volte a falar um dia da Alemanha desse tempo.


Crónica a publicar no próximo número da Revista do ACMP

quarta-feira, dezembro 09, 2009

feliz natal

Feliz Natal para todos. E o desejo que o espírito de Natal não se perca e comece a recuperar daquilo em que o consumismo o tem vindo a transformar.
Agradeço aos alunos da cadeira de Projecto II, do curso de Design da Universidade de Aveiro o terem concebido este Postal electrónico de Natal e que tão bem atinge o objectivo pretendido.

domingo, dezembro 06, 2009

o vinho e o mosto - um exercício de intertextualidade 26


92.
(…) Nunca pretendi ser senão um sonhador. A quem me falou de viver nunca prestei atenção. Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser. Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar. À vida nunca pedi senão que passasse por mim sem que eu a sentisse. Do amor apenas exigi que nunca deixasse de ser um sonho longínquo (…)

Bernardo Soares, Livro do Desassossego



Em muito deste texto me revejo ou me enquadro. Mas na parte dele em que mais sinto que eu estou descrito é em pedir à vida que passe sem eu a sentir. A diferença estará na interpretação que Bernardo Soares deu a este passar sem se sentir e aquela que eu realmente peço, que me parece ser distinta. O que eu peço para não sentir é o sofrimento que ela nos traz vezes a mais que as desejáveis, pelo menos por mim; mas a outra, aquela em que me creio ou tento crer feliz, essa quero senti-la bem, estar nela e não fora dela.
Contudo se prestar atenção e quiser ser sincero comigo próprio tenho que concordar que é tal a vontade de viver uma vida cheia que caio de uma forma quase natural na superficialidade dela que, por ser superficial é mais rápida e sendo mais rápida aleija menos.
Aleija menos, escrevi. Mas não é verdade porque embora ela passe, ficam os sinais dela, mordendo, desgastando, consumindo, apertando o cerco para a dor final.
Escrevi uma vez que me sinto um estrangeiro em qualquer lugar. Teria significado o mesmo se tivesse escrito – pertenci sempre ao que não está onde estou e ao que nunca pude ser, como escreveu Bernardo Soares.
Ele sentia assim, sofria assim, mas tinha a grandeza da sua poesia, a imortalidade da sua obra.
Eu tenho o sofrimento que tento seja fugaz e aquilo que desejei, não alcancei.

CVR

quinta-feira, dezembro 03, 2009

uma das cinco canções de Rückert / Mahler

Recebi hoje do meu amigo e colega Di Cavalcanti (grande poeta que Portugal merecia conhecer), o endereço de um vídeo em que o barítono José Vam Dam canta magistralmente esta belíssima canção de Gustav Mahler sobre poema de Friedrich Ruckert. Para além do endereço do vídeo, o Di faz o favor de mandar uma tradução livre da canção triste e bela que deixo aqui para vosso consolo.

Ich bin der Welt abhanden gekommen,
Mit der ich sonst viele Zeit verdorben,
Sie hat so lange nichts von mir vernommen,
Sie mag wohl glauben, ich sei gestorben!

Es ist mir auch gar nichts daran gelegen,
Ob sie mich für gestorben hält,
Ich kann auch gar nichts sagen dagegen,
Denn wirklich bin ich gestorben der Welt.

Ich bin gestorben dem Weltgetümmel,
Und ruh' in einem stillen Gebiet!
Ich leb' allein in meinem Himmel,
In meinem Lieben, in meinem Lied!

Tradução livre:

Eu estou morto para o mundo
com o qual eu costumava perder tanto tempo,
Há muito ele nada ouve de mim
podendo até pensar que eu esteja morto!

A mim não importa que ele
me acredite morto;
eu não o posso negar,
pois estou realmente morto para o mundo.

Eu estou morto para o tumulto do mundo,
e descanso num quieto refúgio!
Eu vivo só em meu paraíso,
em meu amor e em minha canção!
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terça-feira, dezembro 01, 2009

a excelência mesmo que em cima de duas rodas é sempre excelência

A excelência mesmo que em cima de duas rodas é sempre excelência, mas nalguns casos, como este, serve para quê? Para satisfação e vaidade do próprio que lutou por ela, é evidente que o objectivo foi cumprido. A nós, satisfaz e causa espanto durante escassos minutos e talvez reste a memória do espectáculo, no sótão dos arrumos que ainda não se deitaram fora. E além disto, para que ou a quem serviu, tanto esforço, tanto treino, tanta excelência?
Mas escreveria eu o mesmo se falasse de algum poeta bissexto que tivesse escrito um poema de tal modo excelente que nos permitisse dizer que com ele se tinha cumprido?
É tão difícil saber o que é importante, o que conta, o que marca, o que resta!
Afinal a excelência sobre duas rodas serviu também para filosofar...