quarta-feira, novembro 24, 2010

o abraço do cristo redentor

A técnica está imparável a criar novas possibilidades, como a criar ilusões mais perfeitas. No dia 19 do passado mês de Outubro, Fernando Salis e equipa, empenhados na Campanha Carinho de Verdade, mostraram a quem pôde ver directamente e a todos nós que podemos ver o vídeo,o abraço do Cristo Redentor ao mundo. Bom seria que voltasse a abraçar o Rio de Janeiro agora que parece ter acabado a ocupação militar do complexo do Alemão e se anunciou o princípio do fim do narcotráfico (outra ilusão?).

segunda-feira, novembro 22, 2010

a austeridade pode ser perigosa

No mundo confuso em que vivemos, mergulhados na crise que nos envolve, são muitas as teorias e as vozes que se levantam mostrando o erro ou a salvação. É tanta a informação e a contra informação que começa a ser difícil orientar-mo-nos neste mar de palavras, mesmo quando nos reclamamos algo esclarecidos ou bem informados. Quando hoje vi este vídeo em que o Professor Mark Blyth que ensina Política Económica Internacional no Instituto Watson da Universidade Brown nos fala sobre os perigos da austeridade económica, pareceu-me ser interessante colocá-lo aqui à vossa disposição, para informação e comentário. Um pouco rápido de mais na apresentação e argumentos, tem, apesar disso, algum mérito.

segunda-feira, novembro 15, 2010

acerca dos mercados


Já algumas vezes tenho recorrido ao humor para tentar explicar ou esclarecer determinadas situações técnicas. Agora que cada vez mais se fala em «mercados», pensei que seria bom deixar aqui esta pequena lição, servida com humor, inteligência e eficácia. O riso é garantido, a eficácia (embora limitada) também.

Uma jovem mulher enviou um e-mail para o jornal a pedir dicas sobre “como arranjar um marido rico”. Um dos editores do jornal, respondeu-lhe.

MARIDO RICO (no Financial Times)

Contudo, mais inacreditável que o “pedido” da rapariga, foi a resposta do editor do jornal que, muito inspirado, respondeu à mensagem, de forma muito bem fundamentada.


“Sou uma rapariga linda (maravilhosamente linda) de 25 anos. Sou bem articulada e tenho classe. Quero casar-me com alguém que ganhe no mínimo meio milhão de dólares por ano.

Há algum homem que ganhe 500 mil ou mais neste jornal, ou alguma mulher casada com alguém que ganhe isso e que possa me dar algumas dicas?

Já namorei homens que ganham por volta de 200 a 250 mil, mas não consigo passar disso. E 250 mil por ano não me vão permitir morar em Central Park West.

Conheço uma mulher (do meu grupo de ioga) que casou com um banqueiro e vive em Tribeca! E ela não é tão bonita quanto eu, nem inteligente. Então, o que é que ela fez que eu não fiz? Qual a estratégia correcta? Como chego ao nível dela?”

(Raphaella S.)

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Resposta do editor do jornal:

“Li a sua consulta com grande interesse, pensei cuidadosamente no seu caso e fiz uma análise da situação.

Primeiramente, eu ganho mais de 500 mil por ano. Portanto, não estou a tomar o seu tempo à toa...

Posto isto, considero os factos da seguinte forma:

Visto da perspectiva de um homem como eu (que tenho os requisitos que procura), o que oferece é simplesmente um péssimo negócio.

Eis o porquê: deixando o convencionalismo de lado, o que sugere é uma negociação simples, proposta clara, sem entrelinhas: Você entra com a beleza física e eu entro com o dinheiro.

Mas há um problema. Com toda a certeza, com o tempo a sua beleza vai diminuir e um dia acabar, ao contrário do meu dinheiro que, com o tempo, continuará a aumentar. Assim, em termos económicos, você é um activo que sofre depreciação e eu sou um activo que rende dividendos. Você não somente sofre depreciação, mas sofre uma depreciação progressiva, ou seja, sempre a aumentar!

Explicando, você tem 25 anos hoje e deve continuar linda pelos próximos 5 ou 10 anos, mas sempre um pouco menos a cada ano. E no futuro, quando se comparar com uma fotografia de hoje, verá que se transformou num caco. Isto é, hoje você está em ‘alta’, na época ideal de ser vendida, mas não de ser comprada.

Usando a terminologia de Wall Street, quem a tiver hoje deve mantê-la como ‘trading position’ (posição para comercializar) e não como ‘buy and hold’ (comprar e manter), que é para o que você se oferece...

Portanto, ainda em termos comerciais, casar (que é um ‘buy and hold’) consigo não é um bom negócio a médio/longo prazo! Mas alugá-la, sim!

Assim, em termos sociais, um negócio razoável a ponderar é, namorar. Sem ponderar... Mas, já a ponderar e, para me certificar do quão ‘articulada, com classe e maravilhosamente linda’ você é, eu, na condição de provável futuro locatário dessa ’máquina’, quero tão-somente o que é de praxe: fazer um ‘test drive’ antes de fechar o negócio...

podemos marcar?”

Philip Stephens, associate editor of the Financial Times - USA

sexta-feira, novembro 12, 2010

um aviso à navegação europeia

Com um ar de alguma satisfação e vingança final, o Venerável Professor Kuing Yamang, esclarece de forma clara, e de forma implacável anuncia, a bancarrota próxima do modelo europeu. E com um ar de cinismo educado constata que ao mesmo tempo que a Europa se afunda, floresce o oriente e a sua sabedoria milenária. Claro que na sua exposição ignora por completo que o seu modelo de trabalho e a ordem laboral em que baseia o seu modelo tem pouco de aconselhável sobre o ponto de vista de liberdades e garantias ... Vale a pena ouvi-lo até ao fim. E depois pensar sobre o que ele diz com tanta limpidez.



Agora que já viram e leram, devo esclarecer que o vídeo não é mais do que uma paródia e uma montagem, em que foram introduzidas legendas sobre imagens que nada têm a ver com o que se diz na entrevista.
Esclarecido isto, ainda pergunto - isto não dá que pensar?

quinta-feira, novembro 11, 2010

momentos

Há muita coisa boa no cinema português. Pena é que sejam poucos os portugueses que disso de apercebem ou tomam conhecimento. Sobretudo no domínio das curtas metragens a produção portuguesa é de qualidade. Só hoje vi uma recente produção de Nuno Rocha, chamada Momentos, que gostava de partilhar convosco. Aqui fica a «curta». Espero que gostem.

a nau portugal 1

A crónica publicada pelo Comendador Marques de Correia na sua coluna Cartas Abertas, na Revista Única do passado dia 6 de Novembro e intitulada «Se não fossem os dois velhotes, o país ficava sem massa para mandar cantar um invisual», refere um acontecimento recente da Nau Portugal que ficará para sempre registado na memória dos portugueses. Não vale a pena referir-me a ele, uma vez que o ilustre Comendador o faz de forma magistral. Aconselho-vos a sua leitura e agradeço ao Expresso, ao autor e ao ilustrador que não se zanguem por esta publicação no blog.



Agora que todo o país viu a fotografia dos dois velhotes a assinar a papelada e que se espera sinceramente não haver mais problemas, posso revelar que fui eu quem tirou a fotografia. Podem perguntar: que raio estava um Comendador já muito entrado de idade a fazer em casa de Eduardo Catroga quando este discutia o futuro do país com Teixeira dos Santos? A minha resposta é simples: Não têm nada a ver com isso!
A coisa foi assim. O Teixeira telefonou ao Catroga e este convidou-o a beber um chá de tília lá em casa. Aceite o convite, o Teixeira entrou e disse:
- Boa tarde! Trago aqui uma proposta nova ...
- E corta na despesa?
- Sei lá, eu já não percebo nada disto, achas que eu me entendo com estes números todos?
- Eu também não, mas se pudermos dizer que corta na despesa eu digo ao miúdo e ele fica todo contente.
- Mas eu não posso dizer ao meu que corta na despesa. Dá-lhe uma birra que ainda me parte a cabeça!
- A Merkel não lhe falou?

- Deve ter falado! Falou com o teu?
- Falou, no PPE...
- Hummm ... Então dizemos que corta na despesa ...
- E as deduçõezinhas?
- Vai a meias. Quantas queres?
- Só o sexto e o sétimo escalão. O miúdo não queria nenhuma, mas eu convenço-o. E no que cedes mais?
- Não me venhas com cedências que o Sócrates não gosta ...
- Mas isto é só para chatear o Sócrates, ou achas que estou aqui a fazer o quê? A tornar melhor uma porcaria de OE que não tem pés nem cabeça?
- Olha que não é assim tão mau ...
- Bebe o chá, anda. Dá-me lá uma cedência ... Já me deixaste a secar quatro horas ainda me zango contigo!
- Só se tu me deres outra. Convence lá o Passos ...
- Ok, cedemos os dois. Achas bem?
- Acho, assina aí!
- Assino o quê?
- Um papel qualquer, para o Comendador tirar uma fotografia que amanhã podes mostrar aos jornalistas.
- Mas fizeste as contas?
- Ah...
- Pois...eu também não!
- Para quê? Eu por mim tinha fechado isto há mais de um mês!
- Também eu, mas eles lá sabem ...
- Pronto, já assinei, toma lá a caneta.
- Venha ela ... Ah ... espera aí um bocado, não sais daqui sem acabar o Conselho de Estado.
- Vamos ver televisão, está a dar o Porto.
- Não vês futebol nenhum cá em casa. Ficas à espera que o Passos telefone e eu lhe conte ...
- Vá lá, deixa-me ver o Porto!
- Queres negociar isso, também?
- Se me deixares ver o Porto dou-te mais uns pós.
- Tipo quê?
- Sei lá, mantém-se o leite achocolatado a 6%.
- Vê lá o Porto, mas olha que esta parte é secreta.
- E na especialidade abstêm-se, ouviste?
- Claro. Bem, podes ir embora. Vemo-nos amanhã ...
- Adeus, Eduardo, ainda vamos ter saudades disto.
E, separaram-se com a sensação do dever cumprido. Tinham feito mais um serviço à Pátria. Doravante, sempre que pensardes no país, pensai nos velhotes que, salvando-o da bancarrota, vos meteram a vós nela.

Comendador Marques de Correia

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quarta-feira, novembro 10, 2010

a nau portugal

Em 1940 foi assim. Esperemos que agora não seja pior.

segunda-feira, novembro 08, 2010

mais do mesmo


Daniel de Oliveira escreveu no dia 26 de Outubro passado, na sua coluna «Antes pelo contrário», no Expresso on line, um artigo que intitulou «Os cinco Cavacos» que me parece ser um bom complemento ao meu post anterior. Por isso, aqui o deixo para vossa leitura e opinião.

Os cinco Cavacos

Sem contar com a sua breve passagem pela pasta das Finanças, conhecemos cinco cavacos. Mas todos os cavacos vão dar ao mesmo.

O primeiro Cavaco foi primeiro-ministro. Esbanjou dinheiro como se não houvesse amanhã. Desperdiçou uma das maiores oportunidades de deste País no século passado. Escolheu e determinou um modelo de desenvolvimento que deixou obra mas não preparou a nossa economia para a produção e a exportação. O Cavaco dos patos bravos e do dinheiro fácil. Dos fundos europeus a desaparecerem e dos cursos de formação fantasmas. O Cavaco do Dias Loureiro e do Oliveira e Costa num governo da Nação. Era também o Cavaco que perante qualquer pergunta complicada escolhia o silêncio do bolo rei. Qualquer debate difícil não estava presente, fosse na televisão, em campanhas, fosse no Parlamento, a governar. Era o Cavaco que perante a contestação de estudantes, trabalhadores, polícias ou utentes da ponte sobre o Tejo respondia com o cassetete. O primeiro Cavaco foi autoritário.

O segundo Cavaco alimentou um tabu: não se sabia se ficava, se partia ou se queria ir para Belém. E não hesitou em deixar o seu partido soçobrar ao seu tabu pessoal. Até só haver Fernando Nogueira para concorrer à sua sucessão e ser humilhado nas urnas. A agenda de Cavaco sempre foi apenas Cavaco. Foi a votos nas presidenciais porque estava plenamente convencido que elas estavam no papo. Perdeu. O País ainda se lembrava bem dos últimos e deprimentes anos do seu governo, recheados de escândalos de corrupção. É que este ambiente de suspeita que vivemos com Sócrates é apenas um remake de um filme que conhecemos. O segundo Cavaco foi egoísta.

O terceiro Cavaco regressou vindo do silêncio. Concorreu de novo às presidenciais. Quase não falou na campanha. Passeou-se sempre protegido dos imprevistos. Porque Cavaco sabe que Cavaco é um bluff. Não tem pensamento político, tem apenas um repertório de frases feitas muito consensuais. Esse Cavaco paira sobre a política, como se a política não fosse o seu ofício de quase sempre. Porque tem nojo da política. Não do pior que ela tem: os amigos nos negócios, as redes de interesses, da demagogia vazia, os truques palacianos. Mas do mais nobre que ela representa: o confronto de ideias, a exposição à critica impiedosa, a coragem de correr riscos, a generosidade de pôr o cargo que ocupa acima dele próprio. Venceu, porque todos estes cavacos representam o nosso atraso. Cavaco é a metáfora viva da periferia cultural, económica e politica que somos na Europa. O terceiro Cavaco é vazio.

O quarto Cavaco foi Presidente. Teve três momentos que escolheu como fundamentais para se dirigir ao País: esse assunto que aquecia tanto a Nação, que era o Estatuto dos Açores; umas escutas que nunca existiram a não ser na sua cabeça sempre cheia de paranóicas perseguições; e a crítica à lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo que, apesar de desfazer por palavras, não teve a coragem de vetar. O quarto Cavaco tem a mesma falta de coragem e a mesma ausência de capacidade de distinguir o que é prioritário de todos os outros.

Apesar de gostar de pensar em si próprio como um não político, todo ele é cálculo e todo o cálculo tem ele próprio como centro de interesse. Este foi o Cavaco que tentou passar para a imprensa a acusação de que andaria a ser vigiado pelo governo, coisa que numa democracia normal só poderia acabar numa investigação criminal ou numa acção política exemplar. Era falso, todos sabemos. Mas Cavaco fechou o assunto com uma comunicação ao País surrealista, onde tudo ficou baralhado para nada se perceber. Este foi o Cavaco que achou que não devia estar nas cerimónias fúnebres do único prémio Nobel da literatura porque tinha um velho diferendo com ele. Porque Cavaco nunca percebeu que os cargos que ocupa estão acima dele próprio e não são um assunto privado. Este foi o Cavaco que protegeu, até ao limite do imaginável, o seu velho amigo Dias Loureiro, chegando quase a transformar-se em seu porta-voz. Mais uma vez e como sempre, ele próprio acima da instituição que representa. O quarto Cavaco não é um estadista.

E agora cá está o quinto Cavaco. Quando chegou a crise começou a sua campanha. Como sempre, nunca assumida. Até o anúncio da sua candidatura foi feito por interposta pessoa. Em campanha disfarçada, dá conselhos económicos ao País. Por coincidência, quase todos contrários aos que praticou quando foi o primeiro Cavaco. Finge que modera enquanto se dedica a minar o caminho do líder que o seu próprio partido, crime dos crimes, elegeu à sua revelia. Sobre a crise e as ruínas de um governo no qual ninguém acredita, espera garantir a sua reeleição. Mas o quinto Cavaco, ganhe ou perca, já não se livra de uma coisa: foi o Presidente da República que chegou ao fim do seu primeiro mandato com um dos baixos índices de popularidade da nossa democracia e pode ser um dos que será reeleito com menor margem. O quinto Cavaco não tem chama.

Quando Cavaco chegou ao primeiro governo em que participou eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. Quando saiu eu já tinha 26. Quando foi eleito Presidente eu tinha 36. Se for reeleito, terei 46 quando ele finalmente abandonar a vida política. Que este homem, que foi o politico profissional com mais tempo no activo para a minha geração, continue a fingir que nada tem a ver com o estado em que estamos e se continue a apresentar com alguém que está acima da politica é coisa que não deixa de me espantar. Ele é a política em tudo que ela falhou. É o símbolo mais evidente de tantos anos perdidos.

quarta-feira, novembro 03, 2010

sobre a manha e as ideias


Nunca foi pessoa de que eu gostasse, apoiasse ou aceitasse como amigo. Além disso, sempre que o via na televisão, um natural e instantâneo impulso me levava a desligá-la. Ainda hoje não sei porquê houve um período após a sua eleição como presidente, em que passei a suportá-lo, a quase acreditar que os meus anteriores juízos estavam errados. Um amigo meu que o conhece bem e desde sempre, alertava-me e dizia-me - ele sempre foi um manhoso! Os anos passaram e o desconforto voltou. Por isso, quando li estas sensatas palavras que Miguel Sousa Tavares escreveu no último Expresso, senti necessidade de aqui as colocar, por me parecerem uma boa análise e um bom aviso à navegação. Aqui ficam para quem as não tenha lido ainda. Recomendo ainda as que Alfredo Barroso escreveu no jornal i.

Mais cinco anos para quê?

Acho que raras vezes assisti a um discurso político tão vazio de ideias, tão pouco mobilizador e tão destituído de alguma forma de grandeza como aquele com que Cavaco Silva anunciou ao país o que o país já sabia desde sempre: que quer mais cinco anos em Belém. Se a ocasião era para explicar as razões dessa vontade, a única coisa que ficou clara foi o desejo pessoal de continuar onde está. Mas isso já eu sabia desde o dia inaugural de Cavaco Silva como Presidente, quando Rui Ochôa fez aquela inesquecível fotografia de toda a família Cavaco Silva subindo a rampa do palácio para tomar posse dele: era o instantâneo de uma ambição longamente perseguida e, enfim, satisfeita.
Não vem mal ao mundo que os políticos gostem de exercer o poder para que foram eleitos: piores são os que dizem que não gostam. Mas também deviam, por pudor democrático, explicar ao que vêm e porque hão-de os eleitores igualmente ficar contentes ou esperançados quando eles são eleitos. Quando Cavaco Silva diz que se candidata em nome do futuro e da esperança, convém parar para pensar no assunto. Nos últimos vinte e cinco anos, desde 1986, ele ocupou por quinze anos o cume do poder, apenas tendo de se submeter a um interregno de dez anos, esperando que Jorge Sampaio terminasse os seus dois mandatos - pois que, desde 1926, não há memória de Presidente algum ter deixado de cobiçar e obter tantos mandatos consecutivos quantos Salazar ou a Constituição de 76 lhes permitiram.
Nesses longos quinze anos de poder que já leva, Cavaco Silva passou dez como primeiro-ministro e dispôs de condições únicas e irrepetíveis: maiorias absolutas, paz social, dinheiros europeus a perder de vista. Não vou agora fazer o diagnóstico desses anos, limitando-me a recordar que, quando ele saiu, disse e escreveu que tinha feito todas as "reformas da década" e do futuro: da justiça, da educação, do fisco, da saúde, do financiamento da segurança social, da habitação, das Forças Armadas, das empresas públicas, da flexibilização do mercado de trabalho e das finanças públicas. Palavra de honra que é verdade: ele garantiu que tinha feito tudo isto. E, como bem sabemos, nada disso estava e está feito - e por isso é que chegámos à beira do precipício.
Nestes cinco anos que leva de mandato presidencial, Cavaco Silva recebeu um país com problemas sérios e entrega ao julgamento dos eleitores um país à beira da falência, e não apenas financeira: também económica, social, educacional, jurisdicional, moral. Ficou quieto e calado quando o primeiro governo de Sócrates (o único a que se pode chamar governo), teve de impor a sua reforma do financiamento da Segurança Social aos sindicatos (a única reforma de Sócrates conseguida); falhou com a solidariedade devida quando Sócrates tentou tímidos passos, logo derrotados, para um princípio de reformas no ensino, na saúde ou na justiça. Quando Cavaco tomou posse, a justiça, por exemplo, era governada pelas respectivas corporações de magistrados: hoje, é governada pelos sindicatos representativos delas e o procurador-geral da República, cuja nomeação pertence ao Presidente, compara-se a si próprio à rainha de Inglaterra e é enxovalhado publicamente pelos subordinados que é-suposto dirigir. Alguém escutou alguma palavra sobre isso a Cavaco Silva?
Invoca a sua autoridade de professor de Finanças para dominar bem esses assuntos, mas de que serviu ao país, nestes cinco anos, o seu doutoramento acerca das consequências da dívida pública? Diz que avisou o país e é mais ou menos verdade. Mas fê-lo muito depois de muita outra gente, demasiado tarde e sem coragem para dizer o que era necessário ser dito. Ficou igualmente calado quando viu o Governo enfiar-se no buraco do BPN (onde estavam tantos amigos seus) - e que já custou ao país, até agora, exactamente o mesmo que vamos ter de cortar no défice para o ano que vem; falou elipticamente sobre o desvario dos TGV, pontes, aeroportos e auto-estradas para ninguém, mas não dei por que se preocupasse em nada com a conta acumulada do desastre das parcerias público-privadas, onerando as finanças públicas das gerações que se seguem; deixou que o Governo escondesse a dimensão da derrapagem das contas de 2009 para não perder as eleições e agora, para não perturbar a sua própria campanha eleitoral, ficou calado e quieto até isso se tornar insustentável aos olhos de todos, na esperança de que Passos Coelho acabasse por lhe fazer o favor de aprovar o orçamento - um qualquer, que lhe permita entrar em campanha tranquilamente. Infelizmente, desde o primeiro dia até hoje, a mim, pelo menos, Cavaco Silva deixou-me sempre a sensação de estar a trabalhar diariamente para a reeleição. Exemplo extremo disso foi a lei do casamento homossexual, que ele promulgou para conquistar votos à esquerda, não se importando, para tal, de trair o seu eleitorado, as suas próprias ideias e até o sentido político da eleição do Presidente por sufrágio universal. E eu, que até defendi a lei, fiquei estarrecido com o despudor da pífia justificação que deu para a promulgar - um texto que devia ser estudado nas escolas, como exemplo de tudo aquilo que a política não deve ser.
Disse agora o candidato Cavaco Silva que só após "profunda reflexão" é que decidiu recandidatar-se. Todos sabemos que não é verdade e a prova disso é que ele nem se deu ao trabalho de adiantar uma só razão capaz de levar as pessoas a acreditar que os seus próximos cinco anos serão diferentes dos cinco anos passados. Diz que, depois da "magistratura de influência", vai ter uma "activa" (coisa que não se percebe o que seja ao certo, mas que parece fácil de anunciar agora). Escutando o seu discurso com muita atenção, cheguei à.conclusão de que, segundo o próprio, só há duas razões para Cavaco pedir e justificar um segundo mandato: a primeira é porque, ao contrário do que eu sempre imaginei, o cargo é "particularmente exigente"; e a segunda, é porque ele é um homem notável.
O cargo é particularmente exigente, por exemplo, porque já lhe exigiu visitar 200 concelhos; porque o obriga a "uma grande capacidade para acompanhar os assuntos complexos das F A (para os quais jura estar bem preparado pela tropa feita em Moçambique, há cinquenta anos); porque tem de analisar e assinar os diplomas do Governo, "uma tarefa de grande responsabilidade, que exige um conhecimento profundo dos assuntos e uma grande disponibilidade de trabalho" (os tais jipes de diplomas que ele se queixa de ter de levar para férias); porque é preciso, como ele, "conhecer muito bem a situação económica" e ser, como ele, "uma personalidade respeitável e credível".
E quem, se não ele, poderia hoje estar em condições de assumir tão difícil tarefa? Quem, como ele, tem tão grande "visão de futuro", tão "elevado grau de exigência ética", quem é "tão avesso a intrigas políticas e partidárias", quem tem igual "honestidade, rectidão, e respeito à palavra dada", quem não permitiria, como ele, que "a função presidencial seja instrumentalizada por quem quer que seja" (e a inventona das escutas de S. Bento a Belém, congeminada entre o seu assessor de imprensa e o "Público"?)?
O seu grande trunfo eleitoral são, pois, os auto-elogios que tão generosamente dedicou a si próprio. Nada mais: não teve uma palavra sobre o país, sobre os tempos que se vivem, sobre o que terá de ser feito e o que não pode continuar a fazer-se. Não expôs uma ideia, um pensamento, um simples desejo político - aos costumes disse absolutamente nada. É nisto, então, que temos de acreditar: que o cargo é terrível, mas, felizmente, o homem ao leme é excepcional. Assim como temos de acreditar que, embora tudo tenha andado para trás e com a sua bênção, as coisas estariam bem piores não fossem a sua (mal aproveitada) "magistratura de influência" e os seus "discretos esforços" - tão discretos que ninguém deu por eles.
O problema com o candidato Cavaco Silva é que ele nem sequer pode, no limite, usar o argumento do candidato Tiririca, no Brasil: "vote em mim, pior do que está não fica". É que estamos bem piores agora do que estávamos há cinco anos. E, por isso, não podendo vangloriar-se do passado, ele anuncia-se candidato "em nome do futuro". Agora, ele vai ser "activo". Mas, agora, como escreveu Cesare Pavese, talvez estejamos já mortos e não o saibamos.

segunda-feira, novembro 01, 2010

tom and jerry in concert

Dá gosto ver algo que nos divertiu há 63 anos e continua a divertir e a maravilhar-nos hoje. Para que isso possa suceder é preciso génio, trabalho e imaginação, exactamente o que não faltava então ao produtor Fred Quimby, ao músico Scott Bradley e à capacidade imaginativa e técnica dos animadores Kenneth Muse, Ed Barge e Irven Spence que em 26 de Abril de 1946 assinaram a realização deste Tom e Jerry, que mereceu nesse ano o prémio da Academia em Cartoons.
Não perca este magnífico vídeo, tenha a idade que tiver. Há coisas que são eternas.