domingo, julho 31, 2011

sorriam, já que rir não podem

Estamos em férias de Verão. Na silly season. Claro que a crise continua o que quer dizer que cada dia se agrava mais. Mas não parece. Os múltiplos festivais de música do norte ao sul estão completamente cheios com jovens que pagaram (Quer dizer, que alguém pagou por eles) bilhetes que chegam aos 70 euros. Crise? Neste momento em que escrevo passa na televisão a festa de Verão da família TVI com várias locutoras entrevistando as estrelas ou as famosas e famosos que a ela vão assistir. Quem diabo se terá lembrado de lançar esta moda dos chamados famosos! Famosos de quê? Famosos por quê? Deixem-se disso, senhores. Parem um pouco para pensar. Desçam à terra, que bem precisam. Tratem de tentar ser gente.
Crise. Crise. Será? Garanto-vos que para a grande maioria dos portugueses é a crise, verdadeira e grave. mas não parece, sobretudo àqueles que não sabem o que é isso.
Para aqueles que dela sabem e se ainda conseguirem sorrir, que rir já não acredito, deliciem-se com este magnífico sketch da montagem feita por Bruno Nogueira há já bastante tempo no seu programa de então o Lado B.

terça-feira, julho 26, 2011

privatizações

Em 9 de Outubro de 1998, enderecei a José Saramago uma carta de felicitações por lhe ter sido concedido o Prémio Nobel da Literatura desse ano, em meu nome pessoal e das Sociedades a que então presidia a SOPEAM (Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos) e a UMEAL (Uníão dos Médicos Escritores e Artistas Lusófonos).
Entre várias coisas referia-me ao premiado como o homem raro, íntegro, coerente e frontal e ao escritor ímpar da literatura contemporânea, burilador e alquimista da palavra portuguesa (...,) e terminava escrevendo - Obrigado, José Saramago, por ter elevado a nossa língua ao local que ela merece e a tenha levado ao conhecimento dos muitos que teimam em nos ignorar.

Este intróito para melhor entenderem a razão porque hoje resolvi deixar aqui uma pequena transcrição da página 148 do Diário III dos Cadernos de Lanzarote, em que são bem patentes algumas das características que ali apontava e ainda pela oportunidade do tema nestes conturbados tempos que ora passamos.
Sei que nem todos amavam Saramago e que muitos o odiavam. Não sei, no entanto, de ninguém a quem ele fosse indiferente. E poucos como ele sabiam tão bem chamar os bois pelos nomes.

«Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

terça-feira, julho 19, 2011

um concentrado de beleza e paz



Cada vez mais a vida agitada de alguns, os problemas de todos, a crise que por aí anda e, mesmo sem o querermos (mas já o crermos), começamos a sentir de forma ameaçadora, tudo isto e mais uma mão cheia de outras coisas, leva-nos a andarmos cada vez mais irritados ou deprimidos ou agressivos ou profundamente tristes, de tal modo que se torna insistentemente necessário podermos socorrer-nos, de quando em quando, de qualquer coisa que nos faça sentir que o mundo não é todo assim, que há coisas boas na vida, que há coisas que são bálsamo para as nossas queixas.
Foi por isto que, embora receie que já alguma vez tenha cedido ao desejo de a colocar aqui (mas esperando que seja realmente pela primeira vez), a deixo aqui hoje para consolo de todos, mesmo daqueles que possam ter alguma dureza de ouvido ...
Ninguém que ouça esta canção de Francesco Sartori e Lucio Quarentotto, chamada «Con te partiró», interpretada magistralmente por Andrea Bocelli e Sarah Brightman, pode ficar indiferente ou insensível à sua beleza.
Ouçam, voltem a ouvir e deixem o amor e a paz invadir-vos. Ganhem fôlego para a crise.

Deixo também a letra da canção em italiano e português.

Quando sono solo
Sogno all'orizzonte
E mancan le parole
Si lo so che non c'è luce
In una stanza quando manca il sole
Se non ci sei tu con me, con me

Su le finestre
Mostra a tutti il mio cuore
Che hai acceso
Chiudi dentro me
La luce che
Hai incontrato per strada

Con te partirò
Paesi che non ho mai
Veduto e vissuto con te
Adesso si li vivrò
Con te partirò
Su navi per mari
Che io lo so
No no non esistono più
Con te io li vivrò

Quando sei lontana
Sogna all'orizzonte
E mancan le parole
E io si lo so
Che sei con me, con me
Tu mia luna tu sei qui con me
Mio sole tu sei qui con me, con me
Con me, con me...

Con te partirò
Paesi che non ho mai
Veduto e vissuto con te
Adesso sì le vivrò
Con te partirò
Su navi per mari
Che io lo so
No no non esistono più
Con te io li rivivrò
Con te partirò
Su navi per mari
Che io lo so
No no non esistono più
Con te io li rivivrò
Con te partirò
Io con te


Quando estou só
sonho no horizonte
e faltam as palavras
Sim, eu sei que não há luz
em um quarto quando falta o sol
Se você não está comigo, comigo

Erga as janelas,
mostre a todos o meu coração
que você acendeu
Feche dentro de mim
a luz que
você encontrou pelas ruas

Com você partirei
Países que nunca
vi e vivi com você
Agora sim os viverei
Com você partirei
Em navios por mares
que, eu sei,
não, não existem mais
Com você eu os viverei

Quando você está distante
sonha no horizonte
e faltam as palavras
E eu, sim, sei
que você está comigo, comigo
Você, minha lua, você está aqui comigo
Meu sol, você está aqui comigo, comigo,
comigo, comigo

Com você partirei
Países que nunca
vi e vivi com você
Agora sim os viverei
Com você partirei
Em navios por mares
que, eu sei,
não, não existem mais
Com você eu os reviverei
Com você partirei
Em navios por mares
que, eu sei,
não, não existem mais
Com você eu os reviverei
Com você partirei
Eu com você

o que há de escandaloso no escândalo


Ce qu'il y a de scandaleux dans le scandale, c'est qu'on s'y habitue.
[Simone de Beauvoir]

Não sei porque razão (ou sei-o bem demais) me veio hoje à cabeça esta afirmação de Simone de Beauvoir, feita há mais de 60 anos. Estas palavras e esta ideia nasceram no tempo em que ela preparava e escrevia a sua magnífica obra «Le Deuxième Sexe», livro que se tornou uma referência mundial do movimento feminista, onde analisou as desigualdades entre os dois sexos, no que se referia a consideração social, direitos de trabalho, liberdades (assim mesmo, no plural). O homem, cabeça do casal, chefe do clã, a mulher escrava do lar, do marido e dos filhos. Não sabia e continuo sem o saber, porque aparentemente não havia qualquer link (deixem-me usar esta palavra porque exprime melhor que qualquer outra o que agora queria dizer) a esta época, a este tema, a esta escritora. Pelo menos era o que eu pensava antes, tenho continuado a pensar enquanto venho alinhando estas palavras e, não fosse esta estranha sensação que comecei a sentir, ainda agora sentiria.
Mas, falando verdade - em tempo e tema, começo a sentir que no fundo, bem lá no fundo do registo mnésico que ainda vou tendo, estas lembranças se quiseram associar a outras actuais, aparentemente não relacionadas, mas cada vez mais inequivocamente ligadas.
E, pouco a pouco , comecei a reparar que esta associação se faz não a problemas de sexo, seja ele primeiro ou segundo ou terceiro, mas a temas que se prendem mais com a palavra escândalo, seja qual for a sua origem ou o justificativo do nome. Poderia pensar-se, dada a actualidade do tema, que me refiro a escândalo sexual, grau 1 do link que se estabeleceu. De facto, um escândalo sexual aparentemente semelhante a umas centenas ou milhares deles que se praticam diariamente, tomou proporções globais, planetárias, por nele estar envolvido alguém que exercia uma posição chave a nível político e económico mundial – DSK, o senhor FMI, abusou de alguém, tratando-a como segundo sexo, como ser descartável, objecto de prazer ocasional, aparentemente de forma não consentida. Poderei dizer que se tratou de um verdadeiro escândalo e escandaloso. Poderei dizer ainda que se tratou de uma relação de poder (e imenso) sobre quem não tinha nenhum. O facto de este escândalo se ter passado nos EUA e, ainda por cima em Nova Iorque, veio criar-nos a ilusão de que, afinal, o poder tem limites, os fracos e oprimidos têm voz e força e, para que não restassem dúvidas todo o mundo assistiu às imagens filmadas e insistentemente repetidas do senhor DSK sair algemado do avião onde supostamente iria a fugir e conduzido pela polícia para o tribunal e para a prisão, sem direito a caução, mesmo que milionária.
Foi isso que todos vimos, ouvimos e lemos – e como no poema e na canção, não podemos ignorar.
Só que o mundo não pára, o tempo também não e os poderes políticos e económicos, muito menos.
Por isso, com a rapidez do poder, assistimos a um filme com vários cenários e vários realizadores, que nos mostraram o nascimento e fim de uma cabala política por causa económica, em que o predador passa a vítima indefesa daqueles a quem ele iria prejudicar na sua pretensa campanha de justiceiro económico.
Outro realizador e outro cenário centrava a acção num golpe político da direita francesa contra o presumido candidato de esquerda â presidência da França.
Outros ainda vieram mostrar e, parece, que até demonstrar que a vítima sexual tinha pouco de vítima e muito de golpista e especuladora e chantagista e, crime dos crimes, ainda por cima era negra e de um país quase inexistente, por desconhecido, que se chama Guiné Equatorial. E, atenção, e, parece haver registo telefónico de uma conversa da vítima com o seu namorado preso numa prisão de alta segurança, em que ambos discutem sobre o lucro que poderão obter com a denúncia da suposta violação.
Embora se aguarde ainda o final destes filmes ou de um novo que anunciará, por certo - eis aqui a verdadeira verdade (!) - já assistimos ao pagamento de uma caução multimilionária, dita anteriormente não permitida, ao tirar das algemas e sua exibição pública e à saída do predador em liberdade, com termo de residência e sem passaporte. Mas com o dinheiro da caução de volta ao seu bolso e , mais do que tudo, vimos e ouvimos o procurador público a correr toda a escala da linguagem acusatória, até ao canto dúbio da surpresa de a prova acusatória passar a frágil e a admitir que vai ser difícil manter a acusação.
O predador, a mulher, a quase totalidade da esquerda francesa embandeira em arco com a possibilidade eventual de poder manter o seu candidato presidencial, enquanto a direita fica preocupada e resolve avançar um peão no tabuleiro deste combate de galos, que sete ou oito anos depois vem acusar o dito DSK de tentativa de violação…
É evidente que este romance não é para rir e só pode ser para chorar.
Mas será que alguém ainda chora com este escândalo?
Será que Simone de Beauvoir tinha razão quando pensou e escreveu o que está na epígrafe? Será que já todos nos habituámos ao escândalo, por mais escandaloso que seja?
Penso que sim, que ela teve razão quando escreveu que o que é escandaloso no escândalo é nós habituarmo-nos a ele. Só pode ser isso. Se assim não fosse, como aceitarmos de uma forma amorfa, quase indiferente, que os escândalos estoirem regularmente por todo o lado, envolvendo pessoas supostamente respeitáveis até aí, que nalguns casos continuemos a considerá-los assim mesmo depois de tomarmos conhecimento dos seus escândalos, a que já nem sequer chamamos assim, mas simplesmente apelidamos de notícias.
Como continuarmos mudos e quedos ao assistirmos aos BPN (está certo ter escrito «aos», pois eles são muitos e com vários graus de responsabilidade, de fraude e de lucro), aos BPP, às EP tornadas coutadas de filhos dos respeitáveis, cobrindo com esses actos magnânimos os seus próprios abusos pessoais de se atribuírem ordenados, benesses, mordomias, imorais e afrontosas para todos aqueles que vêem o seu trabalho ser pago nos valores mínimos.
Como ficar mudo e quedo perante tanta hipocrisia política daqueles que hoje apontam uma solução e um caminho para a crise que é exactamente o contrário do que eles próprios fizeram e seguiram quando deram o seu contributo para que ela mais tarde aparecesse.
Como ficar mudo e quedo quando assistimos a desmandos vários, a baixas irregulares, a subsídios de desemprego dados a quem está a trabalhar noutro local ou recusa emprego, a reformas de políticos com regras muito próprias, a milhares de processos pendentes por parte de uma classe que sendo poder independente exige sindicatos próprios, a um número não esclarecido de chicos espertos que se vangloriam de não pagar impostos e ainda são por vezes felicitados pelas suas «habilidades», como ficar mudo e ainda vibrar com algumas das suas vitórias, cós as irregularidades desportivas, os gastos e ordenados sumptuosos, os gastos vergonhosos com programas de televisão que nada fazem pela educação dos portugueses, mas antes pelos seus defeitos e vícios.
Só pode ser isso. Ou então estamos todos anestesiados. Mergulhados em escândalos e nada nos toca. Tens razão, Simone – habituámo-nos.

domingo, julho 17, 2011

já nada me espanta



Já nada me espanta é o título que Tiken Jah Fakoly deu a mais esta canção, das muitas que se encontram nos vários álbuns já editados e que têm despertado grande interesse por parte dos seus fãs e muitos ódios por parte daqueles que ele critica, pelos seus abusos de poder, os seus regimes ditatoriais, a discriminação, a exploração do homem pelo homem, especialmente nos países da África ocidental subsahariana.
Estes ódios são tais que fazem com que Doumbia Moussa Fakoly, verdadeiro nome do cantor e músico de reggae Tiken Jah Fakoly, nascido na Costa do Marfim se encontre a viver em Bamako, no Mali, após ter sofrido várias tentativas de assassinato e perseguições várias.
No Senegal, foi declarado persona non grata e proibido de regressar aquele pais, em virtude das acusações políticas que faz durante os seus espectáculos.
Já actuou em Portugal, onde foi bem recebido e aplaudido.
Tem músicas talvez mais interessantes do que esta que aqui vos deixo, mas esta tem a vantagem de estar traduzida e poder chegar a mais gente. Música e texto linear mas eficaz, dizendo o que quer dizer e precisa ser dito e duma forma que quem escuta, além de ouvir, não deixe de reflectir e interrogar-se.