segunda-feira, dezembro 24, 2012

sábado, dezembro 22, 2012

professores

Aproveito o magnífico texto publicado no Jornal de Letras de 19 de Setembro de 2012, pelo escritor e músico de igual qualidade Valter Hugo Mãe, para desejar a todos os professores um Bom e Feliz Natal. Já não posso ser tão afirmativo no meu desejo de um feliz ano de 2013, pois nada aponta nesse sentido e o Gaspar seguramente não vai deixar. A menos que, como escreveu José Gil, seja tempo de tomarmos em mãos o nosso destino e a nossa felicidade.


Os professores



«Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade. A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito.
Ver mais de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria de mundo em que o mundo se tem vindo a tornar. Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe. Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesse crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo. Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes. Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se estivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível. Dá -me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos. É como pedir que abdiquem de melhorar os nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias. Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto. As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se».
 

 

sexta-feira, dezembro 21, 2012

espantalhos


Peço especial atenção para o texto que o prestigiado filósofo português José Gil publicou na Visão, na sua coluna Radar e que intitulou «O roubo do presente».
E uma análise muito importante e muito pensada e amadurecida da triste situação em que nos encontramos e da única forma que temos para dela sair. A ler e pensar. Reproduzo o texto completo, com sublinhados e destaques finais meus.
 
O roubo do presente

«Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspetivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.

O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu.


O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho.

O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stresse, depressões, patologias border-/ine enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens).

O presente não é uma dimensão abstrata do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público.

Atualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais. O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade efetiva não chega para retecer o laço social perdido. O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil.

 Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espetral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.

Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português. Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria­-nos do nosso poder de ação. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país».

 

In Radar, Visão de 20 de Dezembro de 2012, José Gil

 

quinta-feira, dezembro 20, 2012

semicavaco


Acabei de ler esta nova crónica de Ricardo Araújo Pereira, intitulada «O semicavaco, um conceito ignorado pela ciência política», publicada na sua coluna Boca do Inferno da Revista Visão de hoje, dia 20 de Dezembro de 2012 e entendi, dada a coincidência da decisão esperada para hoje sobre o OE 2013,deixá-la aqui para que aqueles que não tenham a referida revista a possam ler.

 
O semicavaco, um conceito ignorado pela ciência política
 

«Quando se diz , que o sistema político português é semi­presidencialista, o aspecto fundamental a reter é aque­le «semi». Neste momento, o nosso semipresiden­cialismo deve-se ao facto de termos um semipresidente - particularidade teórica que Maurice Duverger não teve imagina­ção para antecipar. O actual Presidente da República transformaria qualquer sistema presidencialista num semipre­sidencialismo, dada a sua semitendência para ser constantemente semi. Cavaco sempre foi um semipolítico. Por um lado, sempre disse que não era político, dando a entender uma certa repugnância por essa actividade; por outro, rodeou-se de Oli­veira e Costa, Dias Loureiro, Duarte Lima e de todos aqueles senhores que foram aparecendo semanalmente na primeira página d' O Independente. Neste momento, é um semirreformado: por um lado, traba­lha; por outro, optou por recusar o salário e recebe uma reforma.

Quanto ao orçamento de Estado, Cavaco é semicontra. De acordo com o Expresso, o Presidente tem muitas dúvidas relativamente à constitucionalidade do documento. Porisso, vai promulgá-lo.

O País precisa de um orçamento, sob pena de se gerar um impasse. Por isso, Cavaco vai enviar o orçamento para o Tribunal Constitucional, para fiscalização sucessi­va, o que gerará vários impasses. Vetar um orçamento que a generalidade dos consti­tucionalistas dizem ser inconstitucional seria a forma de o Presidente da Repú­blica exercer uma das suas funções mais importantes: assegurar o cumprimento da Constituição. Promulgar o orçamento seria uma forma de o Presidente sugerir que tempos especiais requerem medidas especiais, e alguma flexibilidade. Cavaco terá ponderado tomar uma destas duas atitudes, e optou por tomar uma semiati­tude: promulga o orçamento mas envia-o para o Tribunal Constitucional. Trata-se de uma espécie de passa-a-outro-e-não­-ao-mesmo político. Talvez fosse interes­sante trocar o Presidente da República por uma estação dos CTT. O orçamento chegava do Parlamento, colava-se um selo e enviava-se para o Tribunal Constitucio­nal. Poupava-se algum dinheiro, porque a casa civil dos CTT tem muito pouco pessoal, e a casa militar ainda menos.

Em princípio, o Tribunal Constitucio­nal fará o mesmo que este ano: estudará o orçamento e, em meados de 2013, concluirá que ele contém, de facto, vários aspectos que violam a lei fundamental do País. Isso fará com que Portugal continue a ser o semipaís que conhe­cemos: de Janeiro a Junho, vivemos na ilegalidade; nos seis meses que restam, continuamos a viver na ilegalidade, mas com uma consciência mais clara disso. Que um semipaís possa ser chefiado por um semipresidente acaba por ser uma sorte. A estabilidade política também se faz desta semihomogeneidade».

Boca do Inferno de 20 de Dezembro de 2012-12-20 Ricardo Araújo Pereira

terça-feira, dezembro 11, 2012

in medio virtus


Penso ser um bom texto de reflexão para a época que atravessamos. Agradeço a Oscar Wilde o ter escrito estas palavras que com agrado e concordância subscrevo.
 
 
Loucos e Santos

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico
com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

sábado, dezembro 08, 2012

ficção ou talvez não

 
O próprio título justifica que não faça comentários ao texto. Aqui fica para ser lido e cada um que resolva qual o título adequado.

«Nota prévia:- Este retrato do que poderá ser o nosso país daqui a dois anos é uma crónica de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou factos será mera coincidência... Ou talvez não?
Está quase a expirar o ano de 2014 e não há classe média em Portugal. Dos três escalões de IRS existentes em 2013, passaram a haver apenas dois desde o início deste ano. Inventado não se sabe por quem, está em voga usarem-se expressões anglo saxónicas para definir as duas classes existentes: a top class e a pop class. À top class pertencem cerca de 5% da população, constituída por banqueiros e funcionários do Banco de Portugal, empresários e gestores de topo, membros dos conselhos de administração de hospitais e clínicas privadas de saúde, sócios de grandes gabinetes de advocacia, a avenças do Estado, engenheiros de telecomunicações, juízes, alguns jornalistas e políticos. Vivem bem e gostam de ostentar a sua riqueza e poder.
Os restantes 95% de portugueses pertencem à pop class, na qual se incluem cerca de 40% que migraram daquela que era conhecida por classe média. São os migrantes e grande parte recorrem aos subsídios de pobreza disponibilizados pelo Estado. Abarca pensionistas, funcionários públicos, professores, polícias, militares e operários da construção civil entre outros.
Em relação a 2010, a população diminuiu 12%, equivalente ao número de portugueses que emigraram. Resolveu-se assim o problema do desemprego que baixou para os níveis de 2005. O Governo respira de alívio, dorme descansado e canta vitória.
Até final de Outubro, registaram-se 40 000 nascimentos. Um decréscimo a acompanhar a tendência para o despovoamento iniciada em 2011. Quanto menos formos melhor, parece ser o sentido da governança.
De forma a dar resposta aos "novos hábitos de compras dos portugueses", os supermercados criaram áreas distintas de vendas: o golden gate, destinado a quem pode adquirir produtos de marca, com direito a champanhe e bombons à entrada, e o portão popular que dá acesso às marcas brancas, de qualidade aceitável e a preços razoáveis. Evitam-se assim conflitos e atropelos à ordem e cada cliente faz as suas compras na área que lhe é destinada em paz e sossego.
O Aeroporto de Beja, desde que foi adquirido por um grupo árabe, revitalizou e é agora um centro comercial de qualidade internacional com casino, hotel e spa de luxo. Há vôos regulares de Luanda com clientes.
Desde a refundação do Estado anunciada pelo Primeiro Ministro em 2012 e à qual o PS se opusera com veemência inicialmente, mas que ratificou após ter obtido uma "grande vitória" ao obrigar o Governo a fazer cair uma alínea da proposta inicial, o chamado estado social deixou de ser obrigação do Estado. Em seu lugar criou-se o PIGS - Plano Individual de Gestão Social e o SNS foi banido passando a designar-se por SIS - Serviço Individual de Saúde. Em ambos os casos, compete aos interessados prover a sustentabilidade dos seus sistemas de saúde e segurança social.
Às hortas urbanas, sucedem-se as hortas de varanda mas há já quem comente que a Autoridade Tributária as traz debaixo de olho com vista ao agravamento do IMI.
Aqui e ali começam a aparecer os primeiros pré-fabricados e os bancos não sabem o que fazer a tanta casa devolvida! Alguns restaurantes e cafés continuam a resistir à crise, porém grande parte deles tiveram que encerrar as portas e os proprietários reformularam o negócio: rulotes e quiosques com comida de rua é a nova opção. A ASAE, sempre atenta, levanta multas mas o negócio sempre vai compensando. Certas zonas de Lisboa lembram já Manila e Bangkok.
Após vários desmandos provocados por populares contra os membros do Governo, que já atingiam também os deputados do maior partido da oposição, foi aprovada em 2013 no Parlamento uma alteração à lei penal que pune os atos preparatórios de ações de desagravo contra as decisões dos "altos representantes a Nação". Comparando-os a atos de terrorismo contra o Estado, a Polícia viu os seus poderes reforçados e pode reter, como medida cautelar, os presumíveis cabecilhas de manifestações anunciadas e reconhecidos agitadores, "mas pelo tempo estritamente necessário para o efeito" como houve o cuidado de se salvaguardar em abono dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Afinal, Portugal é um Estado de Direito!
Com as eleições presidenciais à porta e o PR a fazer um retiro espiritual em final de mandato na ilha de São Jorge, Açores, onde anunciou que o futuro de Portugal passa pela indústria leiteira, conhecem-se já dois candidatos: Durão Barroso pelo PSD e José Sócrates pelo PS.
Os comentadores da televisão habituais exaltam as qualidades pessoais e o capital de experiência europeia e a visão europeísta dos candidatos "neste momento importante para o país". Desde a imposição do voto obrigatório, uma pequena alteração introduzida na Constituição para fazer face ao constante abstencionismo que se verificava, espera-se grande afluência às urnas numa clara manifestação do interesse que os cidadãos têm nos destinos e no futuro de Portugal».
Ass.) Vítor Catulo

quinta-feira, dezembro 06, 2012

vá avante, portugueses

Deixei passar alguns dias antes de reproduzir aqui a ùltima carta do Comendador Marques de Correia publicada no Expresso, na esperança de assistir entretanto à adesão de um verdadeiro patriota que respondesse ao apelo ali deixado pelo ilustre Comendador.
Verifico, entretanto, que ou o Expresso tem menos leitores ou o patriotismo está em crise. Na dupla esperança que a crise não tenha afectado por completo o espírito patriótico e que este blog tenha algum leitor de marcado sentido patriótico, reproduzo a carta ainda esperançado que alguém possa ainda pensar que o 1.º de Dezembro é amanhã e que a tradição deve ser mantida.
Janelas há muitas. Venha o patriota.
 

 

                    
cartas abertas  
HOJE É DIA DE ATIRAR UM MIGUEL PELA JANELA E DEVEMOS HONRAR O DIA!
COMENDADOR MARQUES DE CORREIA

Onde o nosso Comendador nos recorda o valor simbólico do dia 1° de dezembro e nos exorta a que o comemoremos

PORTUGUESES CELEBREMOS o dia da reden­ção, em que valentes guerreiros nos deram livre a Nação. A fé nos campos de Ourique coragem deu e valor aos famo­sos de Quarenta que lutaram com ardor. Avante! Avante! É a voz que soará triun­fal. Vá avante mocidade de Portugal!
O espírito do dia, portanto, é este. Estou convencido de que este hino é tão conhe­cido como a canção 'Apita o Comboio', porque tem, também, um alto valor patriótico. No dia 1 de dezembro, o povo que vivia miseravelmente explorado pelos castelhanos levantou-se atrás dos 40 conjurados (no sentido em que os 40 conjurados se levantaram mais cedo) e correu com os espanhóis. Depois disso passou a ser miseravelmente explorado por castelhanos, mas também por ingleses, franceses e portugueses. A movimentação mereceu, portanto, a pena. Perguntarão os mais céticos: ganhámos alguma coisa em nos libertar da Espanha? E eu respondo sem pestanejar: claro que sim. Acaso a madru­gada redentora e restaurado­ra não chegasse, estávamos agora a braços com um refe­rendo como catalães, bascos e galegos hão de ter. Além disso, em Lisboa, o Rossio ligaria à Avenida da Liberdade, pois nunca teríamos a Praça dos Restauradores - a menos que dessem o nome de uma praça ao produto que o dr. Fernando Ruas usa no cabelo, o que seria pouco provável, não tanto pelo produto, mas pelo facto de o dr. Ruas ser de Viseu.
Os mais jovens não se lembram já do que se passou nesse dia, mas eu explico. Valentes guerreiros comandados por um senhor que era casado com a Dona Luísa de Gusmão vieram para a rua e restabele­ceram o domínio português. A coisa, basicamente, aconteceu porque a Dona Luísa disse ao marido: “Ouça, mais vale ser rainha um dia do que duquesa toda a vida, tá a ver?” A frase é importante na celebração da independência de Espanha, uma vez que sendo Dona Luísa a instigar a independência nos esquecemos que ela própria era da casa de Medina-Sidónia, a casa ducal mais importante de um país que tem a capital em Madrid. Assim sendo, Portugal deixou de ser comandado por um lacaio de Espanha e passou a ser comandado por um homem que fazia as vontades a uma espanhola. Há aqui - e fala a experiência de muitos anos ­toda uma diferença que não vou expli­car agora, por ser demasiado fastidiosa. Perguntarão os incautos: nesse caso, se isso foi assim tão simples, por que razão tanta gente ilustre, nomeadamente o dr. Ribeiro e Castro, se indigna e irrita com o facto de terem terminado com o feriado do 1º de dezembro (que calhan­do este ano a um sábado e para o ano a um domingo, só mesmo em 2014 nos fará falta)? Porquê tanta conversa à volta de uma espanhola substituir um lacaio de Espanha?
Ah! Meus caros! Quanta ignorância! É que no dia 1º de dezembro defenestrou­-se (no sentido em que se atirou pela janela) Miguel de Vasconcelos. E eu penso que a verdadeira tradição do dia está em defenestrar um tipo poderoso, com influência no governo do país e que se chame Miguel.
Durante anos, esperámos pacientemente o D. Sebastião do nevoeiro e um traidor de nome Miguel para voltarmos à tradição de o atirar janela abaixo. E a mim ninguém me convence que foi, por agora o termos à mão, que termina­ram com este feriado. Mas eu daqui exorto: Mantenhamos a tradição, defenestremos o Miguel! Vá avante, portugueses!
 
PS.: Miguel Relvas é alvo de uma campanha infame na qual colaboro, com gosto, na medida das minhas possibilidades.

terça-feira, dezembro 04, 2012

há gente que não quer ver

Há gente que não quer ver. Exactamente aquela que foi mandatada para o fazer. Tão tristemente cega que não vê, por si, nem através dos outros. Mas a sua grande cegueira é orientada e selectiva. Não querem ver apenas o que todos os outros vêem. Só vêem e ouvem a voz dos tubarões e poderosos. Uns zeros absolutos, servis e incapazes. O contrário deste magnífico conjunto que aqui vos deixo em vídeo que merece um vinte, mas prefere chamr-se um zero azul. Não esqueçam este nome e não os esqueçam.

 

o valor do dinheiro

Depois de uma série de postes tristes e dolorosos, deixo aqui um vídeo que, de uma forma rápida e divertida, nos moastra o valor real do dinheiro. Dá para rir, mas sobretudo, para pensar.


 

os reis da inconstitucionalidade

 
Reparem bem no texto que aqui vos deixo, escrito e assinado por alguém insuspeito de ser inimigo partidário desta coligação - António Bagão Félix. A sua palavra sensata, a sua experiência governativa anterior, o conhecimento, por dentro, da segurança social, a sua inteligência provada, são garante bastante da posição que defende no seu texto. para ler com atenção.



A grosseira inconstitucionalidade da tributação sobre pensões
Por António Bagão Félix
Aprovado o OE 2013, Portugal arrisca-se a entrar no "Guinness Fiscal" por força de um muito provavelmente caso único no planeta: a partir de um certo valor (1350 euros mensais), os pensionistas vão passar a pagar mais impostos do que outro qualquer tipo de rendimento, incluindo o de um salário de igual montante! Um atropelo fiscal inconstitucional, pois que o imposto pessoal é progressivo em função dos rendimentos do agregado familiar [art.º 104.º da CRP], mas não em função da situação activa ou inactiva do sujeito passivo e uma grosseira violação do princípio da igualdade [art.º 13.º da CRP].

Por exemplo, um reformado com uma pensão mensal de 2200 euros pagará mais 1045 € de impostos do que se estivesse a trabalhar com igual salário (já agora, em termos comparativos com 2009, este pensionista viu aumentado em 90% o montante dos seus impostos e taxas!). Tudo isto por causa de uma falaciosamente denominada "contribuição extraordinária de solidariedade" (CES), que começa em 3,5% e pode chegar aos 50%. Um tributo que incidirá exclusivamente sobre as pensões. Da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Públicas e privadas. Obrigatórias ou resultantes de poupanças voluntárias. De base contributiva ou não, tratando-se por igual as que resultam de muitos e longos descontos e as que, sem esse esforço contributivo, advêm de bónus ou remunerações indirectas e diferidas. Nas pensões, o Governo resolveu que tudo o que mexe leva! Indiscriminadamente. Mesmo - como é o caso - que não esteja previsto no memorando da troika.

Esta obsessão pelos reformados assume, nalguns casos, situações grotescas, para não lhes chamar outra coisa. Por exemplo, há poucos anos, a Segurança Social disponibilizou a oferta dos chamados "certificados de reforma" que dão origem a pensões complementares públicas para quem livremente tenha optado por descontar mais 2% ou 4% do seu salário. Com a CES, o Governo decide fazer incidir mais impostos sobre esta poupança do que sobre outra qualquer opção de aforro que as pessoas pudessem fazer com o mesmo valor... Ou seja, o Estado incentiva a procura de um regime público de capitalização (sublinho, público) e logo a seguir dá-lhe o golpe mortal. Noutros casos, trata-se - não há outra maneira de o dizer - de um desvio de fundos através de uma lei: refiro-me às prestações que resultam de planos de pensões contributivos em que já estão actuarialmente assegurados os activos que caucionam as responsabilidades com os beneficiários. Neste caso, o que se está a tributar é um valor que já pertence ao beneficiário, embora este o esteja a receber diferidamente ao longo da sua vida

restante. Ora, o que vai acontecer é o desplante legal de parte desses valores serem transferidos (desviados), através da dita CES, para a Caixa Geral de Aposentações ou para o Instituto de Gestão Financeira da S. Social! O curioso é que, nos planos de pensões com a opção pelo pagamento da totalidade do montante capitalizado em vez de uma renda ou pensão ao longo do tempo, quem resolveu confiar recebendo prudente e mensalmente o valor a que tem direito verá a sua escolha ser penalizada. Um castigo acrescido para quem poupa. Haverá casos em que a soma de todos os tributos numa cascata sem decoro (IRS com novos escalões, sobretaxa de 3,5%, taxa adicional de solidariedade de 2,5% em IRS, contribuição extraordinária de solidariedade (CES), suspensão de 9/10 de um dos subsídios que começa gradualmente por ser aplicado a partir de 600 euros de pensão mensal!) poderá representar uma taxa marginal de impostos de cerca de 80%! Um cataclismo tributário que só atinge reformados e não rendimentos de trabalho, de capital ou de outra qualquer natureza! Sendo confiscatório, é também claramente inconstitucional. Aliás, a própria CES não é uma contribuição. É pura e simplesmente um imposto. Chamar-lhe contribuição é um ardil mentiroso. Uma contribuição ou taxa pressupõe uma contrapartida, tem uma natureza sinalagmática ou comutativa. Por isso, está ferida de uma outra inconstitucionalidade. É que o já citado art.º 104.º da CRP diz que o imposto sobre o rendimento pessoal é único.
Estranhamente, os partidos e as forças sindicais secundarizaram ou omitiram esta situação de flagrante iniquidade. Por um lado, porque acham que lhes fica mal defender reformados ou pensionistas desde que as suas pensões (ainda que contributivas) ultrapassem o limiar da pobreza. Por outro, porque tem a ver com pessoas que já não fazem greves, não agitam os media, não têm lobbies organizados.

Pela mesma lógica, quando se fala em redução da despesa pública há uma concentração da discussão sempre em torno da sustentabilidade do Estado social (como se tudo o resto fosse auto-sustentável...). Porque, afinal, os seus beneficiários são os velhos, os desempregados, os doentes, os pobres, os inválidos, os deficientes... os que não têm voz nem fazem grandiosas manifestações. E porque aqui não há embaraços ou condicionantes como há com parcerias público-privadas, escritórios de advogados, banqueiros, grupos de pressão, estivadores. É fácil ser corajoso com quem não se pode defender.
Foi lamentável que os deputados da maioria (na qual votei) tenham deixado passar normas fiscais deste jaez mais próprias de um socialismo fiscal absoluto e produto de obsessão fundamentalista, insensibilidade, descontextualização social e estrita visão de curto prazo do ministro das Finanças. E pena é que também o ministro da Segurança Social não tenha dito uma palavra sobre tudo isto, permitindo a consagração de uma medida que prejudica

seriamente uma visão estratégica para o futuro da Segurança Social. Quem vai a partir de agora acreditar na bondade de regimes complementares ou da introdução do "plafonamento", depois de ter sido ferida de morte a confiança como sua base indissociável? Confiança que agora é violada grosseiramente por ditames fiscais aos ziguezagues sem consistência, alterando pelo abuso do poder as regras de jogo e defraudando irreversivelmente expectativas legitimamente construídas com esforço e renúncia ao consumo.

Depois da abortada tentativa de destruir o contributivismo com o aumento da TSU em 7%, eis nova tentativa de o fazer por via desta nova avalanche fiscal. E logo agora, num tempo em que o Governo diz querer "refundar" o Estado Social, certamente pensando (?) numa cultura previdencial de partilha de riscos que complemente a protecção pública. Não há rumo, tudo é medido pela única bitola de mais e mais impostos de um Estado insaciável. Há ainda outro efeito colateral que não pode ser ignorado, antes deve ser prevenido: é que foram oferecidos poderosos argumentos para "legitimar" a evasão contributiva no financiamento das pensões. "Afinal, contribuir para quê?", dirão os mais afoitos e atentos. Este é mais um resultado de uma política de receitas "custe o que custar" e não de uma política fiscal com pés e cabeça. Um abuso de poder sobre pessoas quase tratadas como párias e que, na sua larga maioria, já não têm qualquer possibilidade de reverter a situação. Uma vergonha imprópria de um Estado de Direito. Um grosseiro conjunto de inconstitucionalidades que pode e deve ser endereçado ao Tribunal Constitucional.
PS1: Com a antecipação em "cima da hora" da passagem da idade de aposentação dos 64 para os 65 anos na função pública já em 2013
(até agora prevista para 2014), o Governo evidencia uma enorme falta de respeito pela vida das pessoas. Basta imaginar alguém que completa 64 anos em Janeiro do próximo ano e que preparou a sua vida pessoal e familiar para se aposentar nessa altura. No dia 31 de Dezembro, o Estado, através do OE, vai dizer-lhe que, afinal, não pode aposentar-se. Ou melhor, em alguns casos até poderá fazê-lo, só que com penalização, que é, de facto, o que cinicamente se pretende com a alteração da lei. Uma esperteza que fica mal a um Governo que se quer dar ao respeito.
PS2: Noutro ponto, não posso deixar de relevar uma anedota fiscal para 2013: uma larga maioria das famílias da classe média tornadas fiscalmente ricas pelos novos escalões do IRS
não poderá deduzir um cêntimo que seja de despesas com saúde (que não escolhem, evidentemente). Mas, por estimada consideração fiscal, poderão deduzir uns míseros euros pelo IVA relativo à saúde... dos seus automóveis pago às oficinas e à saúde... capilar nos cabeleireiros. É comovente...

em apenas dois minutos

Pode contar-se a história do mundo em dois minutos. Quanto tempo precisaremos para correr este desastrado, incapaz e insensível governo?






por isso, morro no exílio

 
Há textos que dispensam qualquer comentário. Este é um deles. Vale por si. Não serei eu que lhe retirarei a atenção devida. Parabéns, Eugénio Lisboa.
 
 
CARTA AO PRIMEIRO-MINISTRO DE PORTUGAL Exmo. Senhor Primeiro Ministro Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe. Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal. Mas tenho, como disse, 82 anos, e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia. A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a faltadela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso. Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se comtempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página. Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá. Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo. De V. Exa., atentamente, Eugénio Lisboa Ex-Director da Total, em Moçambique Ex-Director da SONAP MOC Ex-Administrador da SONAPMOC e da SONAREP Ex-Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Londres Prof. Catedrático Especial de Estudos Portugueses (Univ. Nottingham) Ex-Presidente da Comissão Nacional da UNESCO Prof. Catedrático Visitante da Univ. de Aveiro Doutor Honoris Causa pela Univ. de Nottingham Doutor Honoris Causa pela Universidade de Aveiro Medalha de Mérito Cultural (Câmara de Cascais)