sexta-feira, maio 31, 2013

alma e as origens do universo

Foi finalmente inaugurado em 13 de Março de 2013, o maior conjunto de telescópios do mundo, situado no planalto de Atacama a cinco mil metros de altitude, nos Andes do Chile. Desde 2003 em construção no planalto Chajnantor, é um projecto global pois depende da Europa, da América do Norte e do Leste Asiático. Todo o material foi idealizado e construído nos países participantes e nele trabalham milhares de cientistas de todo o mundo que poderão, com o seu saber e com o manancial de informações que o ALMA fornecerá, chegar muito perto de entender e saber as origens do universo. É um vídeo relativamente longo e apenas de divulgação, embora já nos forneça algumas das descobertas já conseguidas. Do ALMA há muito a esperar, como da nossa alma tudo esperamos.
 


ALMA Em Busca das Nossas Origens Cósmicas. No alto do desolado Planalto de Chajnantor nos Andes chilenos. Um dos mais hostis ambientes na Terra. Por entre vulcões ... Planícies desertas ... E ventos agrestes ... ALMA está pronto. Astrónomos e cientistas por todo o globo ansiavam por este momento há décadas. ALMA é o maior projeto astronómico do mundo. Mas não se trata de um telescópio convencional. Em vez de recolher e analisar a luz visível olha para uma outra parte do espectro largamente inexplorada. Ao abrir uma nova janela para o cosmos, o ALMA explora uma das últimas fronteiras da astronomia — o Universo frio e distante. Tudo em busca de respostas para algumas das mais profundas questões sobre as nossas origens cósmicas. Como se formam as estrelas e os planetas? Como se formaram as primeiras galáxias? O Planalto de Chajnantor no norte do Chile. Apesar da altitude de — literalmente! — cortar a respiração a 5000 metros acima do nível do mar o ALMA floresceu. Ao longo dos últimos anos, mais de 50 antenas foram instaladas ao longo do planalto deserto. ALMA é um telescópio gigante e único, construído numa parceria entre a Europa, a América do Norte e o Leste Asiático, em cooperação com o Chile. Sessenta e seis antenas com tecnologia de ponta irão observar o Universo em comprimentos de onda milimétricos e submilimétricos — mil vezes mais longos do que comprimentos de onda visíveis. Esta luz chega até nós desde alguns dos mais frios e distantes objetos no Universo. O vapor de água na atmosfera bloqueia estes leves sussurros do Universo oculto, portanto para captá-los temos que ir para um local extremamente elevado e seco — como Chajnantor. O Nascimento do ALMA A origem do projecto ALMA data de há décadas atrás. Cientistas da Europa, América do Norte e Leste Asiático desenvolveram três conceitos individuais para novos, grandes telescópios para observações em milímetro e submilímetro. Eventualmente estes conceitos fundiram-se num só. Ciência em grande requer grandes colaborações globais. Juntos, os países conseguem alcançar o que não conseguem fazer sozinhos. O todo é maior que a soma das partes. O projecto ALMA nasceu! Encontrando o Sítio Certo Este novo telescópio precisava de um lar, e os olhares viraram-se para Chajnantor. Cada um dos aspetos do local, desde astronómicos a meteorológicos, foi intensivamente testado e a atmosfera foi monitorizada diariamente A conclusão: Chajnantor era o lugar perfeito para o ALMA. Abrindo Caminho A construção começou em 2003 com a colocação da primeira pedra para o centro de operações do ALMA. Aqui, a uma altura de 5000 metros acima do nível do mar, as condições são duras e extremamente desafiantes. Ventos fortes. Baixas temperaturas. Intensa radiação ultravioleta. E uma atmosfera desesperadamente fina. Tão fina que, para trabalhar aqui, as pessoas precisam de oxigénio suplementar e têm que se submeter a rigorosos testes de saúde. Forjando as Ferramentas A produção das antenas do ALMA foi partilhada entre os três parceiros. Três protótipos foram postos em marcha nas instalações de testes do ALMA, no Very Large Array, nos EUA. As 66 antenas no elevado planalto constituem uma parte crítica do ALMA. Os seus grandes discos recolhem as ténues ondas milimétricas do espaço. Estas antenas são verdadeiramente o estado-da-arte. As suas superfícies têm uma precisão ao nível da espessura de uma folha de papel. Elas conseguem mover-se com exatidão suficiente para apanhar uma bola de golfe a uma distância de 15 quilómetros. E têm de sobreviver, expostas aos elementos, em Chajnantor! Vinte e cinco antenas foram fornecidas pelo Observatório Europeu do Sul, 25 pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia dos Estados Unidos, e 16 pelo Observatório Astronómico do Japão. Numa saga verdadeiramente global, os componentes de cada antena foram construídos em diversas localizações à volta do mundo, enviadas para o Chile para serem montadas e depois testadas no complexo de apoio às operações. a postos para a sua primeira observação do céu. Ligando as Primeiras Antenas A primeira antena do ALMA foi aceite e pouco depois duas antenas foram ligadas em conjunto com sucesso. Detetores em cada antena registaram as finas nuances dos ténues sinais captados pelos discos. Estes detetores são os mais sensíveis da sua espécie e são arrefecidos usando gás hélio a apenas quatro graus acima do zero absoluto. Alcançando Novas Alturas A primeira antena a ser concluída percorre o seu caminho até ao centro de operações. Dois veículos de construção personalizada — Otto e Lore — deslocam as antenas de 100 toneladas. O Otto sobe cuidadosamente a estrada sinuosa, carregando a antena de alta tecnologia até à sua casa final no planalto. A primeira antena foi em breve acompanhada por muitas mais. Ultrapassando Expetativas As primeiras observações utilizando duas, e depois três antenas em uníssono foram realizadas. Testes importantes para o complexo ALMA. E todos passaram com distinção! Os comprimentos de onda milimétricos e submilimétricos proporcionam aos astrónomos uma janela única no Universo. Mas para os vermos com a nitidez de que os astrónomos precisam, um telescópio de um único disco teria que ter quilómetros de diâmetro (e ser impossível de construir)! Em vez disso, o ALMA usa 66 antenas individuais que podem ser espalhadas por toda a planície com uma separação de até 16 quilómetros. As antenas são ligadas e os seus sinais combinados. O resultado: um telescópio gigante tão amplo quanto todo o conjunto, observando com sensibilidade e resolução sem precedentes. Fazer sentido destes sinais entrelaçados requer o supercomputador a maior altitude no mundo. Com 134 milhões de processadores, realizando 17 mil biliões de operações por segundo — tantas como o supercomputador mais rápido do mundo — o correlacionador do ALMA, em Chajnantor, combina e compara os sinais de cada uma das antenas. Conforme mais e mais antenas chegam a Chajnantor, as instalações de apoio às operações, o centro de controlo do observatório, vão ganhando forma na ligeiramente mais acolhedora altitude de 2900 metros. O local é movimentado a toda a hora. Operar o Telescópio. Testar e manter as antenas e restante equipamento. E acolher o pessoal do ALMA durante os seus turnos diários e noturnos no observatório. Escritórios Centrais de Santiago Na capital da nação anfitriã, o Chile, foram construídos os escritórios centrais do ALMA de Santiago. Aqui trabalham o pessoal técnico, científico e administrativo dos escritórios conjuntos do ALMA. Comprovando Excelência Mesmo antes da fase de construção estar completa, tiveram início as primeiras observações científicas com uma parte das antenas. O ALMA abriu os seus olhos! Milhares de cientistas de todo o mundo competiram para serem dos primeiros felizardos a utilizar o complexo. Mesmo com 16 antenas apenas o ALMA era já o mais poderoso telescópio do seu género. As primeiras observações científicas satisfizeram as esperanças de todos. As Galáxias Antennae, um par de galáxias em colisão com formas dramaticamente distorcidas. A luz visível pode mostrar-nos a luz das estrelas nas galáxias, mas o ALMA revela as nuvens de gás denso e frio das quais as estrelas nascem. O coração da distinta galáxia Centaurus A. O ALMA perscruta através das faixas de pó opacas que obscurecem o seu centro. Uma vista da estrela próxima Fomalhaut fornece pistas acerca de como os sistemas planetários se formam e evolvem. Grãos de poeira cósmica encontrados ao redor de uma anã castanha sugerem que planetas rochosos podem mesmo ser mais comuns no nosso Universo do que pensávamos. Moléculas de açúcar, detetadas à volta de uma jovem estrela como o Sol pela primeira vez: os blocos de construção da vida no lugar certo, à hora certa, para tomarem parte na formação de novos planetas em torno da estrela. Uma inesperada estrutura em espiral na matéria ao redor da velha estrela R Sculptoris revelou os segredos desta estrela moribunda. Vastos jatos de gás fluindo através de uma abertura no disco de matéria à volta de uma estrela jovem. Uma fase chave no nascimento de planetas gigantes, observada pela primeira vez. E tudo isto antes do conjunto estar completo! Em Direção a Novos Horizontes A inauguração do ALMA celebra a sua maioridade. A jornada foi longa. O ALMA cresceu de uma ideia, a um projeto de construção, a um observatório completamente operacional, e a uma parceria científica verdadeiramente global. Na serena e solitária beleza do deserto do Atacama no Chile, o ALMA está pronto para o futuro. Ao utilizar este maravilhoso telescópio, os astrónomos irão olhar profundamente nos segredos escondidos do cosmos. Em busca das nossas próprias origens cósmicas! ALMA A todos aquelas cuja curiosidade leva a fazer as grandes perguntas Transcrição por ESO; tradução por Paula Santos.

 

 

sábado, maio 25, 2013

acordai, gente de bem

Não é preciso explicar a razão ou as razões das sem (cem, mil...) razões que justificam ou exigem que aqui vos deixe as magníficas palavras de José Gomes Ferreira, com música de Fernando Lopes Graça, nas vozes da Tuna, Orfeon e Coro da Universidade de Coimbra. Ouçam as vezes que precisarem para se sentirem mais leves e mais fortes.
 

segunda-feira, maio 20, 2013

el rincón flamenco, por su maestro

Ouvi pela primeira vez Miguel Poveda no filme de Carlos Saura «Fado», cantando com Marisa o fado de Paulo de Carvalho «Meu fado». Ouvi-o depois cantar este mesmo fado no Gran Auditorio de España, no concerto comemorativo dos 20 anos de adesão de Espanha e Portugal à Comunidade Europeia. Depois disso procuro ouvi-lo sempre que posso, tal a qualidade da voz, a paixão e sentimentos que exprime. Ouvi-lo cantar à ''capella'' é ouvir a voz em estado puro, com uma sonoridade que muito poucos conseguem ter e aguentar. Uma voz que não precisa de acompanhamento, como era a do Zeca Afonso. Quis deixar aqui o vídeo da Marisa e do Miguel, mas há algo que impede a sua cópia. Por isso vos deixo com o Miguel Poveda a cantar o poema ''Baladilla de los tres puñales'', no Gran Teatro del Liceo, em Barcelona. Encontrava-me em Barcelona quando o Liceo teve um incêndio devastador que o inutilizou. Felizmente foi recuperado e lá está no mesmo sítio das Ramblas, continuando a ser um dos marcos culturais daquela gigantesca cidade de liberdade, trabalho, saber e cultura.
 
 

sábado, maio 18, 2013

o guignol, versão portuga

 
 
A vossa atenção para este magnífico e recente post de Pacheco Pereira no seu blog «Abrupto». Leiam e deliciem-se com o saber, a crítica certeira e a acutilância habitual do autor.
 
«No início do século XIX apareceu em Lyon um nova versão do teatro de marionetes com uma personagem central que deu o nome à cena: Guignol. Muitas das suas personagens são idênticas às da Commedia dell"Arte italiana e incluem  variantes do Arlequim, do Polichinelo, uns criados oportunistas, uns "burgueses", um militar façanhudo, um polícia e vários ladrões, uns ingénuos e uns espertos, umas damas de virtude assanhada e outras de costumes fáceis, etc., etc. A actividade mais popular no Guignol é a pancadaria, sendo que a cabeça dos bonecos tem sempre que ser feita de madeira dura para permitir a repetida cena de uma ou várias personagens andarem com um pau a bater na cabeça uns dos outros. Se se quiser dizer em português, o Guignol é uma fantochada. 

A imagem do Guignol, cujas variantes nacionais ainda estão nas minhas memórias de infância, perseguiu-me toda a semana passada enquanto assistia ao espectáculo dado pelas sucessivas declarações de Passos Coelho e Paulo Portas, os  arrufos e as declarações de amor perpétuo, os elogios da corte de servidores, a admiração dos jornalistas e comentadores com a supina inteligência de um e a incompetência "mediática" do outro, num jogo de cena penoso de se ver, diante de milhões de pessoas a empobrecer, desempregadas, ameaçadas nos seus direitos mais básicos, velhos sem qualquer alternativa atirados aos cães da "convergência das pensões". Era Guignol do mais perfeito: pauladas, tiradas retóricas, choros e arrependimentos, mentiras e maldades.  

A sequência rápida destas últimas semanas diz tudo sobre como estamos. Comecemos pelo chumbo do Tribunal Constitucional, seguida das declarações de fúria governamental, da cena de silêncio e ida a Belém (porquê?), do despacho vingador de Vítor Gaspar, que continua em vigor e ninguém aplica porque é impraticável; das fugas de informação de que as reuniões do Conselho de Ministros são campos de batalha entre facções do Governo, detalhadamente contadas ao Expresso, a Marques Mendes, a Marcelo, a qualquer órgão de informação que queira saber; do discurso autocastrador de Cavaco Silva no 25 de Abril; do plano abstracto de "fomento industrial", anunciado com tanta pompa quanto o vazio de concretização, por uma facção do Governo ligada ao "crescimento"; da Assembleia informada de que terá direito a ver um documento essencial para o futuro do país, "uns minutinhos antes" de Bruxelas; da Assembleia informada de que pode discutir os créditos swap, mas que o acesso ao relatório que iliba a secretária de Estado (e feito sob sua direcção) permanece "confidencial"; do Documento de Estratégia Orçamental apresentado pela outra facção do Governo, a do "rigor orçamental", da ordem do imaginário (e aprovado por Portas que também o acha "irrealista"), dos anúncios sobre anúncios que não anunciam nada, do "será para depois de amanhã", "afinal os pormenores serão só para depois", etc., etc. "Menus de propostas", uma ridícula denominação, de vários tipos: anunciadas; anunciadas mas vetadas por outro ministro do mesmo Governo; anunciadas mas "abertas" para se cumprir o ritual da concertação social, e o novo ritual do "consenso"; propostas "equacionadas"; propostas que quando dão torto passam a "hipóteses" de trabalho (sendo que os números divulgados noutros documentos de "poupanças" são as das "hipóteses" e não as das propostas...), propostas em versão A e B e C, mudadas no espaço de uma semana; propostas terroristas passadas em fugas à comunicação social para ver no que dá e para depois vir o Governo congratular-se por afinal não ir fazer tão mal aos cidadãos como tinha "soprado" a uma imprensa que publica tudo; não-propostas e antipropostas da ordem da matéria negra e da antimatéria. Alguém me sabe ou pode dizer, a uma semana do seu anúncio, que medidas estão efectivamente decididas? Ninguém. 

O "menu de propostas" parece aqueles menus desleixados em que uma cruz significa que o prato já não há, e depois, quando se pede outro, já não há os ingredientes e é melhor escolher o que não se tinha escolhido; ou aqueles menus dos restaurantes de luxo em que um palavreado destinado a épater le bourgeois, como "emulsão de chouriço", "vinagrete de citrinos" ou "sardinha em seu suco", ocultam pouco mais do que uma folha de alface com Aceto Balsamico de Modena feito na Bairrada. E quanto aos preços do "menu" não há um único que bata certo. Os do Documento de Estratégia Orçamental não são os mesmos dos de Passos Coelho, nem os de Portas, nem os da contabilidade do "menu de medidas", nem os do secretário de Estado Rosalino, nem os que são dados nas reuniões de concertação social. São todos em milhares de milhões de euros, mas nada bate certo e não é só nas previsões, é nos números com que se parte para as previsões. 

Depois há o uso cada vez mais ofensivo da instabilidade, da chantagem e do medo para pôr as pessoas na ordem. Veja-se o que se passa com os despedimentos da função pública, que, se o Governo pudesse sem violação da lei e da Constituição, seriam às dezenas de milhares, amanhã mesmo. Mas como não pode, usa-se uma combinação de chantagem - as rescisões "por mútuo acordo" - com a colocação de milhares de trabalhadores na absurda (e ilegal) situação de manterem um vínculo ao Estado sem receberem um tostão de salário. E como o Governo percebeu que talvez, mesmo apesar dos inconvenientes pessoais da chamada "mobilidade especial", pudesse haver um número significativo de funcionários que a pudessem aceitar em desespero de causa, e como o objectivo, por detrás dessa tralha verbal tecnocrática, é só despedir, vem agora dizer que "precisamos de transformar o Sistema de Mobilidade Especial num novo Sistema de  Requalificação da Administração Pública, com o objectivo de promover a requalificação dos trabalhadores em funções públicas, através de ações de formação". Poderíamos dizer que teria havido um progresso, visto que se pretendia apenas "requalificar" os trabalhadores. Mas se é assim por que é que a frase seguinte é "... e da introdução de um período máximo de 18 meses de permanência nessa condição, pois não é justo para a pessoa, nem é boa administração do Estado, perpetuar uma situação remuneratória que já não tem justificação laboral", ou seja "requalificar" significa despedir? Estes jogos de palavras orwellianos são tão habituais neste Governo como respirar. E eles estão ofegantes. 

É uma descrição dura e desapiedada a que faço? Ainda me parece mole e meiga, porque a dimensão de Guignol, de engano, de dolo, de nos querer tomar por tolos, é compulsiva. Não é para levar a sério, mas é muito sério. É muito sério porque disto tudo fica um resíduo, um rasto, uma saliva marcando as paredes, uma babugem qualquer, de medidas, ordens avulsas, leis e directivas, despachos que destroem sem sentido a vida a muitas pessoas que estão a pagar um tributo demasiado caro à vaidade do dr. Portas, ao profetismo ignorante de Passos Coelho, à obstinação tecnocrática de Gaspar, ao servilismo dos deputados do PSD e do CDS, e à cumplicidade de muitos interesses. Esse tributo, que vai ser inútil porque dele não virá qualquer adquirido para os problemas do país, torna este Guignol criminoso. 

E não me venham com desculpas, nada disto tem a ver com o facto de haver uma coligação, nada disto mostra inteligência, mas apenas esperteza, nada disto mostra qualquer preocupação com o país, mas apenas instinto de sobrevivência eleitoral, nada disto mostra qualquer sentido de Estado mas apenas truques de imagem mediáticos, nada disto tem a ver com Portugal nem com os portugueses, mas com um sistema político corrompido pela sua ruptura com o povo e a nação. Guignol por Guignol prefiro o verdadeiro».

 

quarta-feira, maio 15, 2013

a morte do espírito e o fim do além


 
 
Mais uma vez transcrevo um magnífico e esclarecido texto do filósofo José Gil, publicado na Visão desta semana e que intitulou «A morte do espírito». Também, mais uma vez, não teço comentários por me parecerem desnecessários dada a qualidade do texto e do pensador. 
 
A morte do espírito
 
«Agora sim, temos a certeza. É a destruição total do País que resultará do programa apresentado pelo primeiro­-ministro. Não só do País material, mas do Portugal imaterial, da tradição cultural e do futuro espiritual que sairia do nosso cérebro e das nossas mãos.  

A «Reforma do Estado» anunciada é a derradeira e decisiva machadada no que ainda nos restava (irracionalmente) de esperança. «Abandonai toda a esperança, vós que entrais»: não será no Inferno que entraremos - porque do nosso país estamos a ser expulsos -, mas todo o ânimo nos abandonará. O discurso de Passos Coelho marca o fim da esperança e da confiança dos portugueses.

Esgotaram-se os argumentos a favor e contra a política de austeridade. Paradoxalmente, deles ressaltam a incompetência, a ausência de visão do Governo, o automatismo tecnicista da política financeira, a incultura dos governantes, a sua falta de coragem em combater as desigualdades e a corrupção, em reformar sem medo e com imaginação e inteligência, sem falar na injustiça mesquinha dos cortes e dos impostos, e na governação errática, incoerente e submissa. Não se estabeleceram prioridades, tratou-se mal a educação e a economia, não percebendo que eram elas os fatores primeiros de qualificação e produção de riqueza. Liquida-se agora a nossa escola, preparando para futuro os mais desqualificados licenciados e trabalhadores da Europa. Fazendo hoje fugir ou despedir os melhores. A isto se pode chamar uma política do não-espírito.  

Sabemos que a austeridade teve já resultados catastróficos na vida material (e na saúde e na morte) dos portugueses. Sabemos menos como ela afeta a prática da democracia. Muito pouco conhecemos dos seus efeitos na vida psíquica e espiritual e no nosso ânimo vital. A verdade é que se criou uma atmosfera com a ditadura das finanças que contamina e envenena a vida. Como no reino do Rei Ubu, «mestre das Phynanças».

O discurso incessantemente matraqueado sobre as «metas orça mentais», as percentagens das taxas de desemprego, de pauperização, da fome, os mil gráficos sobre toda a espécie de fenómenos sociais, fazem tudo passar pelos números. Estes rebatem-se sobre as coisas, sobre os pensamentos, os afetos, as relações entre os seres, sobre o prazer e a dor, sobre as ambições e os sonhos. Rebatem-se e absorvem-nos. O prazer deixa de existir em si, é condicionado e avaliado pelo seu custo, tornando-se mesmo o prazer do preço.

Não só se contêm os gestos, se reduzem os possíveis de uma vida, se encolhe a existência, se abafa ainda mais, mas é a própria textura dos sonhos que adoece, se limita e petrifica. Deixou-se de sonhar. É um assassínio do espírito.  

Quando se diz, protestando, «os homens não são números!», é isso que se quer significar. Porque essa política pressupõe uma não-metafísica rasteira da vida social que a funda, um positivismo grosseiro que vê numa coisa e num ser apenas a sua materialidade física, com contornos estritamente definidos em função das Phynanças: um professor são 40 horas de trabalho escolar que equivalem a uma percentagem de poupança orçamental, são 40 horas, são 40 horas - e 204 milhões de euros

para o Estado, em 2014. E o que é um pensionista? É um pensionista, um pensionista, um pensionista - e 1468 milhões a mais para o orçamento, em 2015. E o que é um filho? É quanto ele me custa, no que pago ao Estado em dinheiro, isto é, em vida.

Como diria Fernando Pessoa, as coisas ficaram sem um «além».

E o que é o pensamento? E a educação? E a cultura dos afetos na aprendizagem da matemática (como o via Mélanie Klein)? E de quantos números é feito o amor? Infinitos? Não, impossível: decididamente, para este Governo, uma rosa não é uma rosa, não é uma rosa, não é uma rosa». 

segunda-feira, maio 13, 2013

dos offs dos ricos e dos nossos ons

Para entender melhor os meandros dos off-shores e a maneira como os ricos se safam sempre e nós pagamos as favas...

sexta-feira, maio 03, 2013

noventa anos de saber e experiência


Os noventa anos de Adriano Moreira - figura destacada da vida portuguesa - são um exemplo vivo ''do saber e da experiência feito''. Um exemplo em que os jotas e jotinhas - que insistem em convencerem~se que são alguém e nos sabem governar - deveriam procurar exemplo e modelo a seguir. Deveriam, mas não o farão. Nasceram politicamente de geração espontânea, cresceram em viveiros de facilidades, golpes e egos desmedidos e sem substância. Tenho pena que assim tenha sido. Eles não a têm seguramente. Continuarão a ser como os, ou se, fizeram.
Vale a pena ler a extensa entrevista feita a Adriano Moreira, por Anabela Mota Ribeiro, que aqui vos deixo.


 
 
 
ESTAMOS ESMAGADOS




"A culpa morre solteira" - expressão sua.







Usei-a no Parlamento. É uma prática muito verificável em Portugal,designadamente na crise que estamos a atravessar. Você ainda não viu que alguém assumisse a responsabilidade pelas circunstâncias a que chegámos.






Esse é um traço constante, observável em diferentes momentos históricos da vida portuguesa. De onde é que acha que vem esta característica?







Em Portugal tudo fia no ar, e raramente há consequências e um sentimento de justiça que o acompanha.
Acho que devia ter nascido mais cedo e ter feito essa pergunta ao Agostinho da Silva. [riso] Era capaz de lhe dar uma resposta satisfatória. Há, em todo o caso, uma circunstância de que Portugal é vítima neste momento.
Normalmente, quando examinamos a vida de um país, há três forças que é necessário avaliar. Uma é a sociedade civil, que neste momento faz manifestações completamente apartidárias, o que é preciso ver com cuidado.
São expressões que dizem respeito a sentimentos que unem a população, por razões de queixa fundamentais.







Está a pensar na manifestação de 15 de Setembro de 2013?







Exactamente. Depois há outra força: o Governo. E finalmente a terceira
força: a conjuntura internacional que influencia qualquer país, e cada vez mais face ao globalismo. Uma ordem internacional implica que pelo menos estes três factores tenham uma harmonia de funcionamento.
Essa harmonia não existe. Com frequência, aconteceu em Portugal a desarmonia entre o Governo e a população, a desarmonia do país com a conjuntura internacional. Portugal sofreu nos últimos tempos uma evolução extremamente alarmante. Na História portuguesa, o país precisou sempre de um apoio externo.







Sempre?







O Afonso Henriques pediu apoio à Santa Sé. A Segunda Dinastia pediu a aliança inglesa e pagou caríssimo por ela. No fim do império euro-mundista o único apoio que restou foi a União Europeia. Esta evolução mostra que o país (na ligação com o mundo) é muitas vezes exógeno. Quer dizer: sofre as consequências de causas em que não participou. Um exemplo: a Guerra de 14/18. Portugal participou nas causas? Não. As consequências, quer em Moçambique, quer em Angola, quer na Flandres [foram enormes].
Começou a ser evidente que o país tinha evoluído para um "estado exíguo".
(Escrevi um livro com esse título há anos, dizendo que a relação entre os recursos do país e os objectivos do país é deficitária.) Várias pessoas com responsabilidade na vida pública avisaram que este declínio estava em marcha. Quando essa equação (recursos-objectivos) chegou à situação de desastre em que nos encontramos, o país ficou em regime de protectorado.




 


Um regime sobretudo imposto pela situação financeira?







Sim. Os países têm uma espécie de hierarquia internacional - é por isso que o Conselho de Segurança tem as superpotências. Para terem essa hegemonia precisam de ter um poder que abrange o poder militar, estratégico e financeiro. Quando esses poderes começam a afastar-se, a hierarquia começa a diminuir. Os Estados Unidos estão a ser atingidos por isso. Portugal (últimas notícias sobre as restrições nas forças armadas) mostra que nessa relação (poder militar-poder financeiro) a nossa debilidade é extrema. É isso que justifica a situação de protectorado em que o país se encontra. As outras debilidades evidentemente atingem o país de um modo mais previsível.







Soluções?







Remédios? Em primeiro lugar é preciso restaurar um valor importante: o da confiança. A confiança entre a sociedade civil, Estado e conjuntura internacional está profundamente atingido. Parece-me que tem havido uma certa dificuldade, da parte do Governo, em compreender que há uma diferença
entre a legitimidade eleitoral, que justifica a tomada de poder, e a legitimidade do exercício [de poder], que começa a ser avaliada no dia seguinte [à tomada de posse]. Esta legitimidade para a execução não é uma
coisa para entretenimento das estatísticas de popularidade.




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Está a dizer que tem de haver uma correspondência com aquilo que foi o programa eleitoral.







E com a autoridade que foi conferida. Não é só em Portugal que esse valor está em crise. O novo-riquismo que orientou a gestão europeia, e que levou a Europa a esta situação, já se traduziu no seguinte: a fronteira da pobreza, que ainda no século passado os relatórios da ONU situavam a sul do Sahara, ultrapassou o norte do Mediterrâneo.
Portugal está na área de pobreza. Como está a Espanha, a Grécia, a Itália; a França já começa a dar sinais disso.







Os países mediterrânicos são os que mais têm sentido esse espectro de pobreza, são os que estão mais vulneráveis à crise, Porquê?







A hierarquia de capacidades, não apenas financeiras, mas científicas, técnicas, a eficácia de governo e de iniciativa económica - tudo isso faz que sejam ressuscitadas fracturas europeias. Não é de hoje a opinião que a senhora Merkel tem sobre o sul. Se bem me recordo, há um texto do Guizot [primeiro-ministro francês em 1847] que quase emprega as mesmas palavras para o dizer. O que considero errado é considerar que esta crise é uma crise puramente europeia. Se a comunidade europeia deixar aprofundar as quebras de solidariedade que já se verificam, a Europa arrisca-se a não ter voz no mundo. A crise é ocidental. E o ocidente todo que está num período de decadência.




 



Isso deve-se, sobretudo, à emergência da China, dos BRlC?







Há uns que perdem capacidades e outros que a adquirem. Não necessariamente com culpas. A Alemanha, que foi responsável pelas duas guerras mundiais que destruíram muitas das capacidades europeias, teve, entre outras coisas, a benesse de estar dispensada de despesas militares durante anos. E todos colaboraram, incluindo os povos do sul, na defesa do Muro para impedir que a República Federal fosse atingida pela [força política] a que o Leste estava submetido. Nos cemitérios da Normandia, as sepulturas são de soldados americanos. Não são de soldados alemães. Portanto, estas solidariedades, a Alemanha teve-as.







Como teve quando se tratou da reunificação das duas Alemanhas, após a queda do Muro.







Exactamente. Mas se a nossa crise é uma crise global, quem é que já convocou o Conselho Económico e Social das Nações Unidas? Ninguém.







Quem é que deveria tê-lo feito?







Qualquer membro interessado.



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Na Europa existe uma subjugação à Alemanha? A orientação da chanceler Merkel é grandemente responsável pelo destino actual da Europa?







Ela - [Alemanha] -, a responsabilidade, é evidente que a tem. O que é discutível é que a percepção que tem da evolução da Europa coincida com o projecto dos fundadores. Atribuo aos fundadores da União Europeia uma espécie de [estatuto de] santidade. Esses homens enfrentaram a guerra, a destruição dos seus países, transformaram o sofrimento em sabedoria, e disseram: "Vamos criar condições para isto nunca mais acontecer".
Schuman e Adenauer, sobretudo esses tiveram esse espírito. Não podemos esquecer Jean Monet. Nas memórias, escreve que, se fosse hoje (quando estava a escrever), teria começado, não pelo comércio, mas pela cultura. Porque a crise de valores era extraordinária. Essa crise é que afecta as solidariedades, e faz que, mesmo num ponto de vista internacional, a governação ande entregue a órgãos que nenhum tratado criou - caso do G-20 ou a órgãos que parecem transformar as Nações Unidas num templo de orações a um deus desconhecido.







A ONU está destituída de poderes e de importância?







Acho que a ONU está numa crise enorme. Precisa de uma remodelação. A começar pelo Conselho de Segurança que já não corresponde, de maneira nenhuma, às condições em que vivemos. As potências, qualificadas de superpotências, com direito de veto, também têm a sua crise - incluindo os Estados Unidos. Mas para a Europa é importante saber porque é que a França e a Inglaterra têm direito de veto. Que poder é que [estes países] têm em relação ao mundo? Uma das reformas que seria útil fazer seria pôr no Conselho de Segurança países que, pela sua dimensão, são efectivamente necessários lá, e regionalismos.
Era a Europa que devia estar no Conselho de Segurança e não a França e a Inglaterra.




 



Há cerca de um ano assinalaram-se os 5O anos do Tratado Franco-Alemão.
É extraordinário pensar como este "longínquo" projecto europeu se esgotou.
Na sua génese, estava uma ideia de solidariedade e de desenvolvimento harmonioso que promovesse o equilíbrio entre as diferentes partes da Europa.







Acha inevitável que se faça uma refundação de toda a Europa? Esse projecto assinado há 50 anos pode ainda ser afinado e recuperado?







Na base de qualquer projecto destes tem de estar um princípio. O princípio da unidade europeia é muito antigo. Continuo a ter admiração pelo conde Coudenhove-Kalergi, que parecia ter nascido para o internacionalismo. Todos os grandes líderes europeus depois da Guerra estiveram nos congressos que promoveu. (Ainda hoje existe uma fundação Coudenhove-Kalergi a que pertenço; já lá não vou). Esse homem falava na federação europeia. E claro que a palavra "federação" tem muitos sentidos, e isso não significava que ele tivesse o modelo final.
Significava que tinha de se caminhar, como sempre entenderam os projectistas da paz (é preciso sempre falar do Kant). Tinha que haver uma gestão solidária, comum, da Europa, que está mais ligada por valores do que por etnias, pela língua, pela cultura, que são variadas mas que têm um tronco comum. Não temos dúvidas quando dizemos que somos europeus.







Essa pertença é ainda herdeira dos valores da Revolução Francesa? É a famosa trilogia liberdade, igualdade, fraternidade que nos guia e que define o tronco comum?







Não é só isso. Esses valores são um produto da evolução do espírito europeu.
"Todas as pessoas nascem com igual direito à felicidade", mas os índios não, os escravos não, os trabalhadores não, as mulheres não... Foi preciso uma grande luta [para efectivar estas conquistas].
Mas sempre a partir do tal paradigma. Esse conjunto de valores é que dá identidade à Europa.
A Europa que teve a ambição de europeizar o mundo... - daí o império euro-mundista que morreu o ano passado.
Essa circunstância tem uma consequência importante: a redefinição (a ideia de refundação é muito ambiciosa) desses valores. O principal deles é a soberania. E o direito a certas prestações que o Estado deve fornecer ("le droit aux prestations", como dizem os franceses) - o Estado Social. Há uma
coisa curiosa na vida [das nações] (na vida das pessoas também): mantêm a convicção do poder quando já não o têm.







Ou seja, funcionando Portugal num regime de protectorado, não temos o mesmo poder nem a mesma soberania







Não, não temos. Nem temos o que está previsto no Tratado Europeu.
Fomos vítimas do facto de sermos um estado exógeno. Também fomos vítimas de mau governo, [dito em tom irónico] Sem culpas, sem culpas... Mas queria dizer-lhe alguma coisa de esperança.




 



E voltamos à palavra antiga que usou: remédios. Há remédios?







[riso] Acho que há. Em primeiro lugar, olhar para o país na situação actual e ver quais são os factores da redefinição da soberania de que precisamos.
Não é só a segurança que diz respeito às forças armadas e à segurança interna. Há um elemento da soberania que é fundamental: o ensino e a investigação. Uma das razões da mudança de centros (entre os países emergentes e os que estão a descer) é que talvez tenha sido esquecido que não há fronteiras para a circulação do saber e do saber fazer. Hoje, a Alemanha parece que tem um bom mercado para os seus excelentes automóveis na China. Não me admira que daqui a algum tempo seja a Alemanha a comprar os automóveis à China. Um país que quer manter-se na competição global precisa de um ensino e de uma investigação que lhe permitam utilizar o saber e o saber fazer.







Em Portugal, era preciso que se continuasse a investir na investigação científica, na qual nos temos destacado nos últimos anos?







Sim. A minha vida tem sido quase toda na universidade. O que ouvi recentemente foi um conselho, [um apelo à] emigração. Há cursos de tal qualidade (sobretudo na área da Economia e da Gestão) que se orgulham que os
seus diplomados, mestres e doutores emigrem e sejam muito bem recebidos lá fora. Eu não me sinto feliz que vão trabalhar por conta de outrem, para outro país. Queria era que tivéssemos condições para que aqui ficassem, e fizessem do país um país capaz de competir.
Esta vaga de emigração que agora temos. É de alta qualidade.
Nada tem que ver com a vaga dos anos 50 e 60, essencialmente constituída por força braçal e iletrada.
É uma força altamente qualificada. Se os melhores se vão embora... As contribuições de jovens cientistas, em especial da Universidade do Minho e da Universidade de Aveiro, sim, ajudam o país a recuperar uma posição no mundo concorrencial em que estamos.







E ajudam a recuperar confiança. Alento.







Sim. Por isso sempre sustentei que ensino e investigação é um problema de soberania. As propinas são taxas do Direito Financeiro. Não são o preço do serviço que o professor presta ao aluno. Diz respeito ao interesse do país
que isso se faça. Temos outras janelas de liberdade para o país. A meu ver, há duas principais. Uma é a CPLP.







A língua portuguesa como património, como motor, como tesouro?







Não é só a língua E a maneira portuguesa de estar no mundo. É mais do que a língua. Da língua, o que digo é que a língua não é nossa - ela também é nossa. Mas os valores que a língua transporta, porque a língua não é neutra, esses valores não são iguais em todos os países onde se fala português. A maneira portuguesa de estar no mundo, o Brasil soma valores indígenas, africanos, alemães, japoneses, italianos...
A CPLP é um caso único. A França que teve uma importância tão grande no norte de África, e naquele bocadinho do Canadá, não tem uma CPLP.




 



A Espanha também não. E [a constituição da CPLP ainda é mais significativa] depois de uma guerra de tantos anos [com os países que a constituem]... O que significa que o conflito era com a forma de governo, não era com o povo português.







Angola, Brasil e Moçambique estão a crescer, mas todos têm grandes assimetrias entre ricos e pobres.







É. Acho que a CPLP precisa de grande atenção. A universidade deu por isso: há uma associação das universidades de língua portuguesa. A última vez que reuniu foi em Bragança, 400 pessoas.
Outro problema: o mar. A terra que não se pisa e a água que não se navega não são nossas. Lembro-me sempre da reunião de D. João I com os filhos.







Como foi essa reunião?







Tanto quanto a minha memória me diz, das leituras de há tantos anos, juntaram-se para discutir o que é que haviam de fazer para se expandir.
Havia quem entendesse que a expansão devia ser para a Andaluzia. Os rapazes [os infantes] disseram: "Não. Tivemos uma guerra com Castela que durou anos, agora estamos em paz. Castela considera que a sua zona de expansão natural é a Andaluzia. Se formos para aí, vamos ter guerra outra vez". Então para onde? "Para o mar."
Discutiram. Os recursos, o saber, as armas, os navios, tudo. Definiram um conceito estratégico nacional.
Portugal tem uma posição estratégica privilegiada, mas não um Conceito estratégico nacional. Mesmo agora está a ser discutido um documento sobre defesa e segurança Fui ouvido. A minha primeira pergunta foi: defesa e segurança de quê? Falta o conceito estratégico.
Ser uma plataforma continental é outra janela de liberdade. Se nos for reconhecida pelas Nações Unidas, será a maior plataforma continental do mundo. O reconhecimento estava previsto acontecer em 2013. Agora já se fala
em 2015. Não gosto disto. Esta plataforma é uma riqueza incomensurável. Vi uma notícia sobre a intenção da União Europeia de redefinir o mar europeu.
Lembrei-me de 1890. Nós também tínhamos a ideia de Angola à Contra-Costa e depois veio o Ultimato [Inglês]. Se definem o mar europeu antes de definir que a plataforma é nossa, provavelmente todos os países da União Europeia vão considerar-se co-proprietários. Devíamos apressar isto.







E meios, e força, e dinheiro para apressar isto?







O financiamento é um problema, naturalmente. Aí precisa de uma esplêndida diplomacia. A nossa é boa. E equivalente à do Vaticano!, com a diferença de a do Vaticano ser ajudada pelo Espírito Santo, [riso]







Está a pensar especificamente no actual ministro dos Negócios Estrangeiros?







Também no nosso ministro, mas a nossa diplomacia é muitíssimo boa. E muitas vezes trabalha sem instruções. É o amor à Pátria, é o que [é considerado] o interesse nacional, e lá vão. Acho que isto faz parte do futuro de Portugal.
Usou a expressão "janela de liberdade", e não "janela de oportunidade", que é uma expressão que agora se usa muito. Não é a mesma coisa.




 



Não, não é. As pessoas acham que, porque pertencemos à União Europeia, tudo tem de ser feito de acordo com a UE. Eu digo: "Não, não. Há um espaço de liberdade. A França: aquela gendarmerie que manda para África, para explicar o que é a democracia, não tem nada a ver com a UE. Tem a sua liberdade".
Temos de ter a nossa. Temos de cumprir com os tratados da União, mas a União não nos impede que tenhamos um espaço de liberdade. A CPLP é a nossa liberdade. Por isso prefiro a palavra "liberdade". Essa liberdade já vem ligada a uma espécie de posse. A oportunidade é outra coisa. E preciso [para essa oportunidade] ainda um outro esforço.







Este Governo que temos vai para dois anos está desapontado? Têm sido crítico nas intervenções públicas que tem feito. Esperava mais?







Devo dizer que desapontado estou com a Europa. Depois estou desapontado com a solidariedade atlântica. (Os efeitos colaterais do abandono dos Açores são enormes do ponto de vista económico para o arquipélago.) Neste Governo, há uma coisa que me incomoda: o objectivo fundamental é o Orçamento. Uso a expressão "ministro do Orçamento".







Ministro ou primeiro-ministro?







Ministro do Orçamento, e não ministro das Finanças ou primeiro-ministro. O ministro mais importante é o do Orçamento.







Portugal não está refém do Orçamento, ou seja, do cumprimento do memorando da Troika?







O estar preso pelas obrigações financeiras internacionais é evidente que exige que essas obrigações sejam assumidas. É isso que restaura a confiança e que restaura a igualdade internacional do país (e que elimina o protectorado). Mas se fosse um caso isolado, a nossa debilidade seria maior.
Não é o caso. O caso é que a fronteira da pobreza atingiu a Europa, como disse. A solidariedade do espaço, que é um princípio que está em vigor, implica que a situação real dos países tenha de ser avaliada. Não é com fórmulas aritméticas que se governam os países. E não é um favor que fazem.
É uma dedução do princípio da solidariedade. Já viu algum médico tratar todos os doentes com o mesmo remédio? Nunca viu. O remédio não é igual para todas as situações. A situação de cada país precisa concretamente de ser avaliada. Portugal não está na mesma posição que está a Inglaterra ou a França Os países com que nos comparam não são esses. Portugal quis comparar-se com a Grécia, para dizer que não é a Grécia. Que é o bom aluno, cumpridor.
Mas estão todos em pé de igualdade com a Alemanha e a França no que respeita a direitos e obrigações dentro da UE. Se há o princípio de ajuda mútua na UE, tão obrigada [a isso] está a Alemanha como estamos nós. Quando chegam as dificuldades queremos ser tratados como os outros.
Voltemos à apreciação a este Governo. Falta-lhe conceito estratégico, dizia.
Falta conceito estratégico. E é evidente que a gestão neoliberal do Governo está a destruir o Estado Social. O Estado Social, uma conquista do ocidente, é uma convergência do socialismo democrático, da doutrina social da Igreja e







até do manifesto comunista de Karl Marx. (As palavras têm uma força tremenda. Às vezes falo do poder da palavra contra a palavra do poder.) Na Constituição portuguesa o Estado Social é uma principiologia. Não é uma regra imediatamente imperativa. O que diz é: na medida da possibilidade. E estranho que se transforme uma principiologia numa rejeição. Não se devem rejeitar princípios, em especial princípios que levaram séculos a ser desenvolvidos e a ser incorporados na cultura da população. Nesse aspecto, tenho uma certa apreensão e falta de confiança no entendimento da real situação portuguesa. E não posso considerar que o Orçamento seja o elemento fundamental. Os que estão já numa situação de pobreza, juntos, têm força suficiente para dar um murro na mesa [e exigir] que os princípios da UE sejam respeitados.







Estamos na iminência de uma revolução em Portugal, justamente porque esses que apontou, juntos, já são capazes de dar um murro na mesa?







Tenho admirado a maneira ordeira e não-partidária com que as reacções se têm verificado. Mas penso que a população portuguesa atingiu o limite da pressão fiscal. Quando vemos os suicídios, as mães que se atiram da janela com os filhos para não os deixar cá, quando as coisas chegam a estes extremos, lembro-me disto: a fome não é um dever constitucional. Sabido isto, a inquietação aumenta dia-a-dia Não preciso de dizer mais palavras.







Isto que estamos a viver tem algum paralelo com alguma coisa que tenha vivido nos seus 90 anos?







Não. É a situação mais deprimente que vivi na minha longa vida. As condições de vida eram diferentes. E mais difícil [agora] perder [determinadas] condições de vida As condições não eram as desejáveis, mas as pessoas não sofriam tanto. Porque havia a... "vida habitual".
Embora a culpa morra solteira, a sociedade civil não é a que tem mais responsabilidades. Estamos esmagados. Pagamos as dívidas que o novo-riquismo do Estado desenvolveu (não tenho de fazer distinção entre partidos).Temos de pagar as dívidas das câmaras, dos institutos que o Estado multiplicou, e o que sobeja, e que não pode ser o último dos interesses, é a vida de cada
ser humano. A dignidade tem de ser igual. A Europa sabe isto.







É por cegueira que os políticos não aterram nisso que diz?







Vou dar-lhe um texto do Padre António Vieira [que responde]:
"Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra.
Vedes as desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os sonhos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes os respeitos, vedes as potências dos grandes, e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos povos, os clamoroso e gemidos de todos? Ou os vedes ou não os vedes. Se os vedes, como não os remediais? E se não os remediais, como os vedes? Estais cegos."







Que é que acha?







O que o Padre António Vieira escreveu em 1669 o que podia ser escrito hoje.
Esta é a nossa sina?




 



Se isto nos acontecer mais vezes, pode ser que a gente, quando vier para a rua traga o papel e mude.







Porque é que o seu discurso está muito mais esquerdista do que eu imaginaria?







Porque você tem uma imaginação pequena. Vamos lá ver. Nasci numa família muito pobre. Sei muito bem como é que vivem os pobres.
Descrevi isso num livro de memórias que publiquei. Éramos felizes engraçado. Havia uma solidariedade. O que fiz [politicamente] não obedece a esquerda ou a direita. Obedece à escala de valores que aprendi em criança.
Uso muitas vezes a expressão: os valores são o eixo da roda. A roda corre todas as paisagens. O eixo acompanha a roda, mas não anda. Quando fui presidente do CDS, disse: "Este partido tem que assumir a obrigação em
relação aos pobres". Parece-lhe muito de direita?