No número 715 da Visão, referente à semana de 16 a 22 de Novembro de 2006, na página 122 e na secção «Pessoas», vinha uma coluna intitulada «Quantos minutos?!» que me deixou estarrecido e revoltado como há muito não me sentia.
Quem me diria que duma secção com as características daquela, de natureza ultra light, que parece pretender dar apenas notícias dos «famosos», que apenas o são por serem conhecidos dos telespectadores de novelas e reality shows, sem necessidade de terem qualquer outro atributo que os torne «pessoas», iria nascer a terrível revolta que então senti.
Creio sinceramente, que será revolta idêntica a que os meus leitores irão sentir quando tomarem conhecimento do que aqui lhes vou dizer.
Nessa coluna «Quantos minutos?!», se escrevia que algumas pessoas não têm de suar muito para receberem 800 euros (mais do que dois salários mínimos em Portugal). Depois desta nota introdutória começava o caminho para a revolta. Ali se escrevia que havia quem necessitasse de apenas 24 segundos para ganhar dois salários mínimos, que outro necessitava apenas de 2 minutos e 24 segundos, outra ainda de 6 minutos, outro de 14 minutos e 28 segundos, outra de apenas 48 minutos e 48 segundos e, por fim, um outro necessitava de 22 horas.
Sem necessidade de revelar nomes, por agora, mas apenas profissões, direi que pela mesma ordem anterior, os felizardos tinham as seguintes ocupações – apresentador de um programa de rádio, apresentador de televisão, tenista, treinador de futebol, jornalista de televisão e Presidente da República.
Espero que neste momento os meus leitores já se encontrem em estado de ebulição mental e se comecem a interrogar sobre este estranho mundo em que tal acontece e se questionem sobre os actuais valores, a importância das coisas, o valor do trabalho e a sua relatividade.
Nesta pequena nota está contido um verdadeiro tratado de filosofia política, de história social, da arte de vencer na vida e também o início do fim dos impérios.
Soubesse eu alguma coisa de economia e talvez me abalançasse a perguntar pela mais valia do suado trabalho de tais figurões.
Desta série de seis exemplos, três são estrangeiros e, naturalmente, são os que menos precisam de suar para ganhar tais somas de dinheiro; os outros três são portugueses.
Destes, o primeiro trabalha no estrangeiro e sob o ponto de vista económico não está abrangido pelo padrão português, para além de que a sua profissão é exercida num mundo especial, global, de paixões desatadas, que já foi desporto noutros tempos e hoje é mais um negócio de milhões.Até aqui, apesar de tudo mal, se pode ainda dizer – tudo bem. Não é um problema português, embora isso não faça com que deixe de ser errado.
Mas, a partir daqui, já não há mais lugar a panos quentes, a almofadas para descarregar a indignação. Agora, é mesmo impossível, mesmo que se fosse santo, ler o que se lê e ficar indiferente, e não colocar todas as dúvidas que nos assaltem de qualquer ângulo por onde se veja o problema.
A nossa jornalista de televisão (nossa porque é portuguesa), ao contrário do que ainda se poderia pensar para amansar a raiva e admitir a compreensão, não trabalha em nenhum canal de televisão privado. Se assim fosse, podia achar-se escandaloso tal rendimento de trabalho por conta de outrem, mas o problema era apenas de quem lhe pagava.
Mas não, senhor. A jornalista é da RTP, a televisão do Estado, onde este injecta fortunas sobre fortunas, idas directamente dos impostos dos portugueses, especialmente daqueles que precisam de quase um mês para ganharem o que a senhora jornalista ganha em 48 minutos e 48 segundos (e talvez 48 décimos de segundo).A jornalista da RTP apresenta um telejornal, em alternância com outros colegas, e conduz uma entrevista semanal. Não esquecendo que tem de preparar a entrevista, para saber bem o que perguntar ou não perguntar a quem entrevista, gasta também tempo a preparar o telejornal, quando o faz. É verdade que o trabalho não se pode apenas reduzir ao tempo de trabalho visível, mas também ao invisível. Nessa como em muitas outras profissões, seguramente mais úteis que a da senhora jornalista. Seja qual for a volta que se dê ao problema (numa tentativa de entender como é possível tal descaramento de quem paga), não se encontrará nunca razão que seja plausível.
Quando, finalmente, vemos que o último da lista, aquele que precisa de mais tempo para ganhar esses dois ordenados mínimos (22 horas contra 48 minutos e 48 segundos) é o Presidente da República de Portugal, então atinge-se mesmo a revolta absoluta. Ninguém pode aceitar, e muito menos compreender, que a mais alta figura do Estado, o vértice da pirâmide que é a referência maior para desenhar uma cartografia da relação trabalho/rendimento, tenha que trabalhar vinte e sete (27) vezes mais tempo do que a senhora jornalista para atingir o mesmo nível de vencimento.
Quem pode aceitar viver num país que trata assim a sua figura máxima e atribui ao seu esforçado desempenho tão manifesta inversão de valores?
Quem pode aceitar que haja um Estado que aceita, e pelos vistos considera justo, pagar o trabalho duma jornalista de televisão vinte e sete (27) vezes mais do que paga ao Presidente desse mesmo Estado?
Que país é este em que o Estado aceita pagar tão exagerada verba a uma das suas jornalistas e considera bastante a que paga à sua mais alta figura. E, pior ainda, o que distingue tais recompensas não é apenas o número 27, mas ainda um factor de extrema importância para se julgar tal injustiça ou tal crime social. È que a quem recebe mais, apenas lhe é pedido que faça uma tarefa definida, enquanto ao que recebe menos lhe é pedida disponibilidade total, não havendo nenhum segundo do dia em que esteja liberto da sua função e das suas obrigações.
Eu sei que esta injustiça, esta vergonha, este descaramento, não é só exclusivo da senhora jornalista em causa. Outras situações existem igualmente vergonhosas, não respeitantes ao foro privado, mas que, tal como no caso em apreço, têm a ver com o Estado. É este quem permite que se continuem a verificar os abusos e desmandos dos gestores públicos que com o argumento de que são pagos a peso de ouro para salvarem empresas em crise, não só as não salvam como ajudam a afundá-las mais e ainda se permitem atribuírem-se ordenados e prémios que, se olhados como na história em questão, nos farão gritar quando verificarmos que a esses iluminados senhores para ganharem os dois ordenados mínimos, lhes bastam uns segundos.
Quem diria que uma secção ultra light de uma revista séria, nos ia colocar perante problemas tão sérios e vergonhosos, quer para os beneficiários quer para quem lhes apara os golpes. Ou será que eles estão mesmo convencidos que valem assim tanto? Bom, aí já é um problema de psiquiatria.
Por mim, preferia que apenas se tratasse de um engano e que as contas tivessem sido mal feitas.
Mas, a ser verdade o que ali se lê, apetece-me dizer como um brasileiro muito sábio dizia – Mundo, pára aí que eu quero sair!
Quem me diria que duma secção com as características daquela, de natureza ultra light, que parece pretender dar apenas notícias dos «famosos», que apenas o são por serem conhecidos dos telespectadores de novelas e reality shows, sem necessidade de terem qualquer outro atributo que os torne «pessoas», iria nascer a terrível revolta que então senti.
Creio sinceramente, que será revolta idêntica a que os meus leitores irão sentir quando tomarem conhecimento do que aqui lhes vou dizer.
Nessa coluna «Quantos minutos?!», se escrevia que algumas pessoas não têm de suar muito para receberem 800 euros (mais do que dois salários mínimos em Portugal). Depois desta nota introdutória começava o caminho para a revolta. Ali se escrevia que havia quem necessitasse de apenas 24 segundos para ganhar dois salários mínimos, que outro necessitava apenas de 2 minutos e 24 segundos, outra ainda de 6 minutos, outro de 14 minutos e 28 segundos, outra de apenas 48 minutos e 48 segundos e, por fim, um outro necessitava de 22 horas.
Sem necessidade de revelar nomes, por agora, mas apenas profissões, direi que pela mesma ordem anterior, os felizardos tinham as seguintes ocupações – apresentador de um programa de rádio, apresentador de televisão, tenista, treinador de futebol, jornalista de televisão e Presidente da República.
Espero que neste momento os meus leitores já se encontrem em estado de ebulição mental e se comecem a interrogar sobre este estranho mundo em que tal acontece e se questionem sobre os actuais valores, a importância das coisas, o valor do trabalho e a sua relatividade.
Nesta pequena nota está contido um verdadeiro tratado de filosofia política, de história social, da arte de vencer na vida e também o início do fim dos impérios.
Soubesse eu alguma coisa de economia e talvez me abalançasse a perguntar pela mais valia do suado trabalho de tais figurões.
Desta série de seis exemplos, três são estrangeiros e, naturalmente, são os que menos precisam de suar para ganhar tais somas de dinheiro; os outros três são portugueses.
Destes, o primeiro trabalha no estrangeiro e sob o ponto de vista económico não está abrangido pelo padrão português, para além de que a sua profissão é exercida num mundo especial, global, de paixões desatadas, que já foi desporto noutros tempos e hoje é mais um negócio de milhões.Até aqui, apesar de tudo mal, se pode ainda dizer – tudo bem. Não é um problema português, embora isso não faça com que deixe de ser errado.
Mas, a partir daqui, já não há mais lugar a panos quentes, a almofadas para descarregar a indignação. Agora, é mesmo impossível, mesmo que se fosse santo, ler o que se lê e ficar indiferente, e não colocar todas as dúvidas que nos assaltem de qualquer ângulo por onde se veja o problema.
A nossa jornalista de televisão (nossa porque é portuguesa), ao contrário do que ainda se poderia pensar para amansar a raiva e admitir a compreensão, não trabalha em nenhum canal de televisão privado. Se assim fosse, podia achar-se escandaloso tal rendimento de trabalho por conta de outrem, mas o problema era apenas de quem lhe pagava.
Mas não, senhor. A jornalista é da RTP, a televisão do Estado, onde este injecta fortunas sobre fortunas, idas directamente dos impostos dos portugueses, especialmente daqueles que precisam de quase um mês para ganharem o que a senhora jornalista ganha em 48 minutos e 48 segundos (e talvez 48 décimos de segundo).A jornalista da RTP apresenta um telejornal, em alternância com outros colegas, e conduz uma entrevista semanal. Não esquecendo que tem de preparar a entrevista, para saber bem o que perguntar ou não perguntar a quem entrevista, gasta também tempo a preparar o telejornal, quando o faz. É verdade que o trabalho não se pode apenas reduzir ao tempo de trabalho visível, mas também ao invisível. Nessa como em muitas outras profissões, seguramente mais úteis que a da senhora jornalista. Seja qual for a volta que se dê ao problema (numa tentativa de entender como é possível tal descaramento de quem paga), não se encontrará nunca razão que seja plausível.
Quando, finalmente, vemos que o último da lista, aquele que precisa de mais tempo para ganhar esses dois ordenados mínimos (22 horas contra 48 minutos e 48 segundos) é o Presidente da República de Portugal, então atinge-se mesmo a revolta absoluta. Ninguém pode aceitar, e muito menos compreender, que a mais alta figura do Estado, o vértice da pirâmide que é a referência maior para desenhar uma cartografia da relação trabalho/rendimento, tenha que trabalhar vinte e sete (27) vezes mais tempo do que a senhora jornalista para atingir o mesmo nível de vencimento.
Quem pode aceitar viver num país que trata assim a sua figura máxima e atribui ao seu esforçado desempenho tão manifesta inversão de valores?
Quem pode aceitar que haja um Estado que aceita, e pelos vistos considera justo, pagar o trabalho duma jornalista de televisão vinte e sete (27) vezes mais do que paga ao Presidente desse mesmo Estado?
Que país é este em que o Estado aceita pagar tão exagerada verba a uma das suas jornalistas e considera bastante a que paga à sua mais alta figura. E, pior ainda, o que distingue tais recompensas não é apenas o número 27, mas ainda um factor de extrema importância para se julgar tal injustiça ou tal crime social. È que a quem recebe mais, apenas lhe é pedido que faça uma tarefa definida, enquanto ao que recebe menos lhe é pedida disponibilidade total, não havendo nenhum segundo do dia em que esteja liberto da sua função e das suas obrigações.
Eu sei que esta injustiça, esta vergonha, este descaramento, não é só exclusivo da senhora jornalista em causa. Outras situações existem igualmente vergonhosas, não respeitantes ao foro privado, mas que, tal como no caso em apreço, têm a ver com o Estado. É este quem permite que se continuem a verificar os abusos e desmandos dos gestores públicos que com o argumento de que são pagos a peso de ouro para salvarem empresas em crise, não só as não salvam como ajudam a afundá-las mais e ainda se permitem atribuírem-se ordenados e prémios que, se olhados como na história em questão, nos farão gritar quando verificarmos que a esses iluminados senhores para ganharem os dois ordenados mínimos, lhes bastam uns segundos.
Quem diria que uma secção ultra light de uma revista séria, nos ia colocar perante problemas tão sérios e vergonhosos, quer para os beneficiários quer para quem lhes apara os golpes. Ou será que eles estão mesmo convencidos que valem assim tanto? Bom, aí já é um problema de psiquiatria.
Por mim, preferia que apenas se tratasse de um engano e que as contas tivessem sido mal feitas.
Mas, a ser verdade o que ali se lê, apetece-me dizer como um brasileiro muito sábio dizia – Mundo, pára aí que eu quero sair!