Pela última vez, Portugal ocupou a presidência da União Europeia e desempenhou os seus cargo e encargo com exemplar eficácia, dando mostra de um planeamento correcto, sem falhas ou quase sem elas. Para além disso a sua agenda incluía alguns acontecimentos de grande dificuldade, possíveis geradores de grande sucesso se bem concretizados ou de um grave prejuízo para os organizadores, se o resultado fosse o insucesso. Uma presidência que pelas suas características e importância, excedia as que se têm passado em outras presidências da União.
Se se tivesse tratado de um jogo, poderíamos dizer que Portugal quando se apanhou com o baralho de cartas nas mãos, baralhou, partiu, e deu cartas, sem nunca as mostrar e conservando sempre os trunfos, ases e manilhas que lhe permitiram ganhar exemplarmente esse jogo.
O jogo diplomático foi excelente, baseado em trabalho árduo e difícil, beneficiando duma experiência diplomática de séculos. Pode dizer-se que a diplomacia portuguesa conseguiu levar a bom porto o navio de encargos que a muitos parecia fadado para naufragar.
A organização dos eventos foi impecável e regida ao segundo e se alguma vez houve discretos atrasos, estes foram sempre de responsabilidade dos próprios. Tudo certo no tempo e nos lugares. Desde o logótipo à cor escolhida, às salas de trabalho ou de convívio, tudo transpirava um sentido estético apurado, cereja no topo do bolo da eficácia.
A segurança, sobretudo se tivermos em conta o número de altas entidades, nunca visto em Portugal, e a pequena disponibilidade dos efectivos de segurança portugueses (o caso dos batedores, por exemplo), foi exemplar e eficaz.
As refeições de trabalho e os banquetes, foram sóbrias, de bom gosto, de sabores portugueses e mereceram o aplauso de todos os comensais. Até o Vinho do Porto de 1957 não faltou e o champanhe foi português.
Então, se tudo foi assim, porque razão ou falta dela, houve vozes discordantes, vozes de oposição que, mesmo quando não podiam deixar de dizer bem, fosse do que fosse, logo encontravam ocasião para dizer que, no entanto, poderia ter sido melhor. E quando se encontravam perante factos tão evidentemente positivos que seria difícil ignorar, mesmo assim, arranjavam uma qualquer forma de dizer, desvalorizando, roubando prestígio a Portugal, só porque este, neste momento, estava representado por um clube de cor diferente. O eterno problema português – cada um a querer ter a sua própria quinta, o seu próprio apito para se fazer ouvir e respeitar.
Somos uma manta de retalhos de paixões clubistas e partidárias, mostrando-nos quase sempre incapazes de, mesmo quando é preciso, o bom senso e o patriotismo impõem, vestirmos a camisola nacional.
Quando seremos capazes de ver com clareza quando devemos aplaudir ou criticar? Quando seremos capazes de aplaudir livremente os adversários, sempre que estes mereçam os aplausos de todos? Quantos de nós, assistindo a um desafio de futebol, serão capazes de aplaudir o golo magistral que a equipa adversária acabou de meter na nossa baliza? Será que não somos capazes de ver, já não digo apreciar, o desenho primoroso da jogada, o entendimento da equipa, o pontapé certeiro, o golo de levantar estádios? Porquê, em vez de aplaudirmos, assobiamos?
Porque será que sempre pensamos que somos capazes de fazer melhor do que os outros, mesmo sabendo de nossas fraquezas, menor competência e tarefas falhadas? Somos sempre levados a pensar que o nosso trabalho, a nossa obra, é de extrema dificuldade e alta valia enquanto o trabalho dos outros (portugueses, of course) é fácil, pouco necessário ou dispensável.
Não me parece que tenhamos sido sempre assim, mesmo sabendo que, já há cinco séculos, houve os Velhos do Restelo.
Tudo isto a propósito da presidência portuguesa da União Europeia, do seu sucesso e das invejas havidas. Sem querer, mas ao correr do texto, acabei por escrever a palavra que talvez defina melhor a situação em questão – inveja.
Esta presidência não foi pêra doce. Não foi tarefa fácil levar a cabo pelo menos três pontos da agenda – a Cimeira com o Brasil, a discussão e assinatura do Tratado de Lisboa e a Cimeira Europa-África.
Todas estas tarefas foram cumpridas e da melhor forma. Todas elas tinham barreiras a eliminar, caminhos a definir, pontos de vista aparentemente incompatíveis que a nossa arte de negociar transformou em compatíveis.
Com sageza e diálogo, tudo se conseguiu. Os direitos humanos não foram esquecidos e os recados foram dados aos destinatários. Poderá pensar-se, e dizer-se, que de pouco terá servido enviar esses recados e que tudo irá continuar na mesma. Pode até suceder. Mas um primeiro passo foi dado e daqui para o futuro os contactos serão mais fáceis, as críticas mais fáceis, o entendimento mais constante. Uma árvore demora muito tempo a crescer e a dar frutos, mas nunca haverá árvore sem a semente inicial.
Esta foi uma presidência de esperança e de futuro. Por isso devem ser aplaudidos aqueles que a levaram ao fim, com o sucesso reconhecido por quase todos. Pena que alguns mais clubistas lhe tenham querido tirar o brilho.