sexta-feira, dezembro 21, 2007

uma certa forma de ser português

Estes seis últimos meses foram fortemente positivos para um pequeno restauro da auto-estima dos portugueses.

Pela última vez, Portugal ocupou a presidência da União Europeia e desempenhou os seus cargo e encargo com exemplar eficácia, dando mostra de um planeamento correcto, sem falhas ou quase sem elas. Para além disso a sua agenda incluía alguns acontecimentos de grande dificuldade, possíveis geradores de grande sucesso se bem concretizados ou de um grave prejuízo para os organizadores, se o resultado fosse o insucesso. Uma presidência que pelas suas características e importância, excedia as que se têm passado em outras presidências da União.

Se se tivesse tratado de um jogo, poderíamos dizer que Portugal quando se apanhou com o baralho de cartas nas mãos, baralhou, partiu, e deu cartas, sem nunca as mostrar e conservando sempre os trunfos, ases e manilhas que lhe permitiram ganhar exemplarmente esse jogo.

O jogo diplomático foi excelente, baseado em trabalho árduo e difícil, beneficiando duma experiência diplomática de séculos. Pode dizer-se que a diplomacia portuguesa conseguiu levar a bom porto o navio de encargos que a muitos parecia fadado para naufragar.

A organização dos eventos foi impecável e regida ao segundo e se alguma vez houve discretos atrasos, estes foram sempre de responsabilidade dos próprios. Tudo certo no tempo e nos lugares. Desde o logótipo à cor escolhida, às salas de trabalho ou de convívio, tudo transpirava um sentido estético apurado, cereja no topo do bolo da eficácia.

A segurança, sobretudo se tivermos em conta o número de altas entidades, nunca visto em Portugal, e a pequena disponibilidade dos efectivos de segurança portugueses (o caso dos batedores, por exemplo), foi exemplar e eficaz.

As refeições de trabalho e os banquetes, foram sóbrias, de bom gosto, de sabores portugueses e mereceram o aplauso de todos os comensais. Até o Vinho do Porto de 1957 não faltou e o champanhe foi português.

Então, se tudo foi assim, porque razão ou falta dela, houve vozes discordantes, vozes de oposição que, mesmo quando não podiam deixar de dizer bem, fosse do que fosse, logo encontravam ocasião para dizer que, no entanto, poderia ter sido melhor. E quando se encontravam perante factos tão evidentemente positivos que seria difícil ignorar, mesmo assim, arranjavam uma qualquer forma de dizer, desvalorizando, roubando prestígio a Portugal, só porque este, neste momento, estava representado por um clube de cor diferente. O eterno problema português – cada um a querer ter a sua própria quinta, o seu próprio apito para se fazer ouvir e respeitar.

Somos uma manta de retalhos de paixões clubistas e partidárias, mostrando-nos quase sempre incapazes de, mesmo quando é preciso, o bom senso e o patriotismo impõem, vestirmos a camisola nacional.

Quando seremos capazes de ver com clareza quando devemos aplaudir ou criticar? Quando seremos capazes de aplaudir livremente os adversários, sempre que estes mereçam os aplausos de todos? Quantos de nós, assistindo a um desafio de futebol, serão capazes de aplaudir o golo magistral que a equipa adversária acabou de meter na nossa baliza? Será que não somos capazes de ver, já não digo apreciar, o desenho primoroso da jogada, o entendimento da equipa, o pontapé certeiro, o golo de levantar estádios? Porquê, em vez de aplaudirmos, assobiamos?

Porque será que sempre pensamos que somos capazes de fazer melhor do que os outros, mesmo sabendo de nossas fraquezas, menor competência e tarefas falhadas? Somos sempre levados a pensar que o nosso trabalho, a nossa obra, é de extrema dificuldade e alta valia enquanto o trabalho dos outros (portugueses, of course) é fácil, pouco necessário ou dispensável.

Não me parece que tenhamos sido sempre assim, mesmo sabendo que, já há cinco séculos, houve os Velhos do Restelo.

Tudo isto a propósito da presidência portuguesa da União Europeia, do seu sucesso e das invejas havidas. Sem querer, mas ao correr do texto, acabei por escrever a palavra que talvez defina melhor a situação em questão – inveja.

Esta presidência não foi pêra doce. Não foi tarefa fácil levar a cabo pelo menos três pontos da agenda – a Cimeira com o Brasil, a discussão e assinatura do Tratado de Lisboa e a Cimeira Europa-África.

Todas estas tarefas foram cumpridas e da melhor forma. Todas elas tinham barreiras a eliminar, caminhos a definir, pontos de vista aparentemente incompatíveis que a nossa arte de negociar transformou em compatíveis.

Com sageza e diálogo, tudo se conseguiu. Os direitos humanos não foram esquecidos e os recados foram dados aos destinatários. Poderá pensar-se, e dizer-se, que de pouco terá servido enviar esses recados e que tudo irá continuar na mesma. Pode até suceder. Mas um primeiro passo foi dado e daqui para o futuro os contactos serão mais fáceis, as críticas mais fáceis, o entendimento mais constante. Uma árvore demora muito tempo a crescer e a dar frutos, mas nunca haverá árvore sem a semente inicial.

Esta foi uma presidência de esperança e de futuro. Por isso devem ser aplaudidos aqueles que a levaram ao fim, com o sucesso reconhecido por quase todos. Pena que alguns mais clubistas lhe tenham querido tirar o brilho.

terça-feira, novembro 13, 2007

a propósito de culpa


Já percebi que tenho de deixar de fazer promessas neste blog. Continuarei a avisar das minhas ausências forçadas, mas jamais direi quando voltarei, com ar de quem estima a precisão. Já lá vai o tempo em que apesar da vida dinâmica e super atarefada que eu levava, conseguia cumprir horários e raramente cometer a indelicadeza de deixar os doentes ou os amigos à minha espera. Sucedeu, é evidente que sim. Mas, tão raramente, tão forçosamente inevitável, que quase se pode dizer que nunca o fiz. Lembro-me, muitas vezes, de como nessas raras ocasiões em que me atrasava, por força de alguma intervenção cirúrgica que inesperadamente requeria mais tempo do que o esperado, eu mandava avisar os doentes da minha já provável demora e lhes mandava dizer que poderiam ir dar uma volta, fazer qualquer coisa, pois só chegaria por volta da hora X. E o que me faz lembrar disto com alguma frequência, não é o facto de os avisar, mas sim a cara de espanto que eles mostravam, quando após a entrada no gabinete de consulta eu lhes pedia desculpa pelo atraso. Era tal o espanto que eu me sentia um extraterrestre. Era tal o "poder" médico nessa altura que eles nunca esperariam que alguém lhes pedisse desculpa, mesmo que os tivesse feito esperar, porventura desorganizado as suas vidas.
Sempre procedi assim e não será agora que vou mudar. Mas agora, é tal a falta de domínio do meu tempo, que tenho receio de falhar sistematicamente. Com obrigações assumidas jamais falharia ou falharei. Se tenho um artigo para entregar, uma palestra para fazer, uma revisão com prazo limite, poderão estar sempre descansados todos aqueles que tal me solicitaram. O problema pôe-se ou, melhor dizendo, pôe-se-me, em tudo aquilo que não está programado ou é assumido como obrigatório. É o caso deste blog. Não tenho horário de trabalho, não tenho compromissos assumidos e só quando me lembro e, sobretudo, quando me apetece, é que aqui venho escrever sobre tudo ou nada, sobre os outros ou sobre mim. Pode dizer-se que é uma escrita em liberdade, mas não é. Acaba por ser mais livre aquela para a qual tenho prazo. Nessa, se aceito a incumbência e o prazo, não tenho qualquer problema. Nesta, em que aparentemente sou livre de escrever ou não escrever, sinto uma culpa enorme quando o não faço. Culpa, porquê, se não estou amarrado a compromissos e a cumprimento de qualquer palavra? Não me perguntem porquê. Só sei que é assim. Um dia voltarei ao tema, quando o souber explicar. Mas aqui fica o aviso - sem compromisso e sem data marcada.

terça-feira, outubro 02, 2007

a reforma e a falta de tempo

Tenho tido muita dificuldade em adaptar-me a este novo tipo de escrita em blog. Falta-me tempo para assegurar continuidade regular. Dirá quem me conhece - como podes ter dificuldade em escrever todos os dias, se estás reformado e tens todo o tempo do mundo. Penso que só dirá isto quem não está ainda reformado. Não creio que eu seja excepção entre os reformados mas sei que eu (e repito - não acredito que seja só eu), não tenho tempo para nada ou, dizendo melhor, cada vez tenho menos tempo para tudo. Não só em termos absolutos, mas relativos.
Todos os dias me lembro e mais do que uma vez, que tenho de ir escrever qualquer coisa no blog. Só que, logo se mete qualquer coisa que me vai impedir de o fazer. Acresce ainda que quando acima escrevi «qualquer coisa», era apenas uma forma de dizer, porque se fosse para escrever qualquer porcaria o caso era diferente. Penso que só se justifica escrever no blog quando se tem algo para dizer ou comentar ou sugerir aos outros. Algo que os inquiete intelectualmente e desperte neles inquietação ou bem estar.
Relendo este curto texto, verifico a contradição que aqui vai, pois não me parece que, até aqui, tenha inquietado seja quem for, pela simples razão que nada escrevi que o possa fazer. Enfim, contradição ou exercício prático, visando uma melhor e mais rápida habituação.
De 7 a 17 de Outubro estarei em Budapeste e em Génève e não tenho portátil para poder ir escrevendo. E, mesmo que tivesse, continuaria sem tempo.
Vai demorar, mas sei que chegarei lá. Vocês, provavelmente é que não gostarão desta última consideração. Bom, se for caso disso, não me visitem. Só contradições ...

quarta-feira, setembro 19, 2007

só para retomar a conversa

Já regressei há dois dias, mas ainda não tive um minuto que fosse, para poder tentar escrever algo neste blog. Hoje, que a situação melhorou e me encontro com algum tempo para o fazer, não sei sobre que escrever, pois nenhum dos temas que prontamente se perfilam, para que eu sobre eles omita opinião, não me conseguem despertar resposta imediata. Refiro-me às três «novelas» de momento - o caso Maddie e o envolvimento directo e empenhado de Gordon Brown, o novo Código Penal e o frente a frente de ontem, dos dois cromos do PSD na SIC Notícias.
De qualquer modo e só para criar apetite para novos posts, sempre digo que me parece espantosa a posição de Gordon Brown que, após uma aparente retirada (à imagem do que o Vaticano fez no seu site), parece agora ter dado um passo em frente dispensando do seu gabinete o jornalista da BBC, agora transformado em assumido porta voz dos MacCann (e diz o irmão de Gerry, na entrevista ao Expresso, que «o caso não é político, mas apenas policial!...».
Sobre o novo Código Penal quero apenas referir que estou completamente de acordo com todos aqueles que dizem que a sua entrada em vigor foi desastrosa, com um prazo de 15 dias que já mostrou ter sido ou um erro ou uma desatenção graves. Sobre o Código em si, não tenho capacidade para ter opinião segura, pois não sou jurista, não o li, nem penso ler. Mas das muitas opiniões que tenho escutado e lido, parece haver coisas positivas, bem mais do que as negativas. Não tivesse sido o alarmismo que a comunicação social criou e tudo teria sido mais sereno. Mas, pergunto - será verdade que esta pressa e a forma como está redigido, interessa sobretudo aos advogados e aos interesses económicos? Gostava muito de o saber, explicado por quem sabe. Não gostava nada de o saber, pela verificação de factos consumados.
Quanto à entrevista de ontem ainda não ouvi os habituais comentadores tecerem aquelas suas decisivas e indiscutíveis opiniões, sobre o real valor do frente a frente e sobretudo sobre quem foi o vencedor. Por mim, tenho a minha opinião. Não sou parte interessada, não tenho nada a ver, nem quero, com tais senhores ou a organização a que pretendem presidir, mas pareceu-me evidente que a cassete de mm está completamente gasta, repetitiva, sem interesse ou conteúdo, não mostrando um lider, mas alguém que nunca o será. Não me pareceu que tenha respondido uma vez que fosse a LFM e vi-o muitas vezes encostado às cordas. E no que respeita a sentido de Estado, pareceu-me ser mais visível no adversário que soube compor bem essa figura, mesmo que todos saibamos que não é o seu forte. Se valeu a pena? Creio que não. Provavelmente uma vitória de secretaria, tudo em volta do número dos que estão autorizados a votar. Uma questão de prazo para pagar as quotas. Também aqui, tal como no Código Penal o prazo parece ter sido curto.
Será o nosso problema? Continuamos a ser um país a prazo?

sexta-feira, setembro 07, 2007

até breve

Vou estar ausente uma semana. Não é que faça falta a alguém esta informação, pois embora visitem o blog, é pouco frequente manifestarem-se, concordando ou discordando, aplaudindo ou assobiando. Por isso, é informar por informar. O certo é que não me sentiria bem se o não fizesse, pois bastaria que um leitor aqui viesse em vão para me sentir culpado. Culpa não será a melhor palavra a usar, mas serve. Hoje, estou por tudo. É como se já tivesse partido.
O que não serve e eu não posso ignorar é que no último post cometi um erro informativo quando escrevi que os Cann «deram à sola», uma vez que o correcto seria ter escrito «preparam-se para dar à sola». Tanto quanto sei, neste momento, posso talvez dizer que já nem isso poderão fazer, pois ela já é arguida e ele, logo se saberá.
Talvez no meu regresso eu escreva sobre este caso, colocando todos os problemas que tal caso levanta.
Até breve. Fiquem bem que eu vou por gosto. Não vou para a guerra.

quinta-feira, setembro 06, 2007

a novela continua

Continua a novela Maddie. Dizem-nos que chegaram hoje os resultados das análises feitas em Inglaterra. Resultados? Não era só um? Saber a quem pertencia o sangue encontrado no apartamento do Ocean Club? Não revelaram os resultados, mas anunciaram novos desenvolvimentos. O que virá aí? Entretanto o amável casal (não amavam eles Maddie?), os cautelosos e superprotectores pais de Maddie, cansaram-se de Portugal - de onde garantiam não sair enquanto tudo não fosse esclarecido - e deram à sola, com direito a fotografias e páginas de texto de cordel nas revistas cor de rosa. Não fosse um drama, tudo pareceria rosa. Choque, claro.

domingo, setembro 02, 2007

considerações de pré-férias

Estranha esta sensação de me lembrar que dentro de dias estarei em férias oficiais e isso não me traz alegria, mas antes um incómodo velado como se em vez de ir para o paraíso vá para uma qualquer condenação. Penso no muito que tenho para fazer, nas tarefas com que me comprometi, que têm datas que tenho de respeitar, não vejo os trabalhos feitos ou escritos e sinto um desconforto que não me agrada. Sei que normalmente é isso que sinto antes de ter feito o que tenho para fazer e sei também do prazer imenso de o fazer e de chegar ao seu fim. Sei ainda que gosto, sobretudo, quando eu próprio gosto do que fiz e sinto que os outros gostaram.
Por mais incómodo ou desconforto que esteja a sentir, nada posso fazer. Porque sei que quando estiver de férias novas coisas absorverão a minha atenção e me irão enriquecendo e fazendo bem.
Porque é que escrevi isto? Não bastava senti-lo?

sexta-feira, agosto 31, 2007

agosto chegou ao fim

Chegou ao fim Agosto. O mês de férias preferido pela generalidade das pessoas e o único em que eu nunca pedi ou gozei férias. Para falar verdade, o mês em que eu sempre tive magníficas férias em Lisboa, cidade onde consumi minha vida, trabalhei que me fartei e me enriqueci culturalmente como pude e soube. Lisboa, em Agosto, é outra cidade. Uma cidade em que se pode viver, em que apetece viver. O tempo parece dilatar-se e a cidade dá-se a ver com mais intensidade. Pormenores, recantos, manchas verdes, sons, que nos outros meses não se mostram ou nos passam despercebidos.
Agora que não vivo na grande cidade, mas aonde continuo a trabalhar em «partíssimo time», para além da tal cidade diferente aprecio ainda a entrada nela, completamente diferente. Em vez de gastar (é o termo) 30 a 40 minutos a percorrer escassos oito quilómetros, passo por eles quase em velocidade de cruzeiro e a cidade vai-se abrindo como se o capot do meu automóvel fosse empurrando a cortina da boca de cena do palco onde a cidade se exibe.
Sei, tenho a certeza, que na próxima segunda-feira, dia 3 de Setembro e apesar de ainda não terem começado as aulas, eu já não vou gozar assim a minha chegada e em vez disso voltarei novamente a gastar aquele tempo imenso, onde começa a fermentação do stress.
Sairei de casa preparado e irei ao longo dos noventa quilómetros que tenho de percorrer, fazendo os exercícios mentais a que sou obrigado para aguentar estoicamente aquela chegada à meta da minha viagem.
Só sou obrigado a esse sacrifício uma vez por semana. Tenho muita sorte. Coitados daqueles que todos os dias têm de passar por isso.

quarta-feira, agosto 29, 2007

um reparo ao fisco

A internet, por vezes, volta-se contra o utilizador. Não o sistema, mas as possibilidades que a todos dá de se servirem dela. Haveria muitos exemplos que se poderiam usar para demonstrar esta afirmação inicial, mas eu vou apenas utilizar um, que foi o responsável por eu me por a escrever sobre isso.
Há já três anos que utilizo a net na minha comunicação com o Fisco. Pensava eu que não me tinha dado mal e que esta era seguramente a melhor maneira de nos relacionarmos com esse polvo que começa a chegar a todo o lado, mantendo ainda e, infelizmente, uma maior apetência por todos aqueles que, como eu, sempre se colocaram mais a jeito da ventosa nos agarrar.
Quando fiz a declaração do IRS 2006 e fiz a simulação, o resultado pareceu-me muito exagerado em relação ao que tinha ganho e à enorme quantia que tinha sido retida durante o ano.
Felizmente que me dirigi à Repartição de Finanças e analisada a declaração feita verifiquei que cometia um erro no seu preenchimento, no que respeitava a propriedade intelectual. Em vez de indicar metade do rendimento auferido eu fazia a declaração por inteiro na convicção de que seria durante a liquidação que era feito o desconto de 50% da taxa. Fiz nova declaração substitutiva e o caso resolveu-se, embora os erros cometidos nos anos anteriores já não tenham solução. Posso perguntar-me se os serviços não teriam a possibilidade e a obrigação de se aperceberem desse meu erro involuntário, mas de nada me serve. Por isso, assunto arrumado.
Onde é que eu sinto que a Net se voltou contra mim? Na volta que deram as datas de envio das liquidações. Quem, como eu, normalmente pagava o IRS por volta de Novembro (se o retido não chegasse), vê-se agora contemplado com a antecipação dessa liquidação até 05 de Setembro, juntamente com a 2.ª prestação de pagamento por conta, mais as autárquicas. Tudo junto em Setembro, sem qualquer aviso. E não há que discutir, só há que pagar. Quem tenha algum planeamento e tenha destinado as verbas em função dos pagamentos e das datas, vê-se assim colocado contra a parede, sem aviso nem recurso.
Foi aqui que a Net se virou contra aqueles que a utilizam na comunicação com o Fisco, pois dando facilidades imensas de comunicação, permite-lhe actuar mais rapidamente e criar estas situações.
Não estou contra a antecipação do pagamento. Estou contra a falta de aviso. Seria, no mínimo, natural que o Fisco desse a conhecer a todos que as novas datas de pagamento iam ser antecipadas.
Para o próximo ano eu já sei com o que conto, mas este ano fui mesmo apanhado contra a parede. E se não pagar agora, passo a faltoso, sujeito-me à divulgação desse facto, eu sei lá a quê, para além dos juros de mora.
Custava muito ao Fisco ter feito avisos na televisão, por e-mail, pelos jornais?
Não o fez e tenho pena, pois deu-me um motivo para mostrar o meu desagrado, quando eu sou um dos que têm batido palmas à sua nova forma de actuar e ao caminho que parece ter encetado de chegar a todos, de caçar os faltosos, de ir buscar o devido àqueles que mais ganham e deixar de vez de pensar que em vez dos ricos sejam os pequenos a pagar a crise.

terça-feira, agosto 28, 2007

contrariando a silly season

Não fossem algumas notícias surpreendentes e estaríamos mesmo condenados à morna e quase podre silly season que, todos os anos, nos bate à porta e nos traz um estado de marasmo intelectual que chega a ser aflitivo.
Por isso, notícias como a da compra de helicópteros russos para o combate aos incêndios, que continuam estacionados e não podem levantar por falta de legalização há quase um ano, não nos trazem satisfação; mas, trazendo-nos desgosto e revolta, são notícias que nos fazem pensar e estimulam a nossa condição de cidadãos responsáveis que se interrogam, questionam e exigem explicações. Estou desejoso de saber o que hoje vai dizer no Parlamento o Ministro da Administração Interna ali chamado para explicar este insólito facto.
Do mesmo modo, fui ontem espicaçado pela notícia espantosa de que o Ministério da Defesa não tinha verbas orçamentadas para garantir o pagamento do subsídio de Natal aos militares. Como é possível uma falha destas em operação matemática tão simples. Sei que o Ministro prontamente explicou que o problema tem solução e tudo correrá bem. Fico satisfeito com a pronta resposta, mas continuo sem perceber porque sucede uma falha destas e pergunto-me e pergunto a quem possa e deva responder que atitude o Ministro vai tomar com o autor ou autores de tal irresponsabilidade.
Do folhetim Maddie, não falo, por agora. É assunto que merece reflexão cuidada, análise pormenorizada e dá para escrever um livro e vários ensaios. The importance of beeing englishman.
A minha solidariedade com o povo grego, que se deve perguntar porque arde a Grécia e seus homens e se mantém a impunidade de quem manda e dos criminosos do costume.

sexta-feira, agosto 24, 2007

a habituação ainda está longe

Ainda não me habituei a esta nova fase do meu blog. Estava tão habituado a usá-lo, ou a servir-me dele, como simples depósito dos meus textos, que ainda me parece estranha esta sua nova condição de «verdadeiro» blog.
Antigamente chegava a este rectângulo branco em que escrevo e zás, era só fazer «paste» de um qualquer dos meus textos armazenados nos muitos gigas do meu computador. Agora, é diferente. O rectângulo branco parece que me intimida e tem de passar algum tempo de contemplação até me decidir a usá-lo e a começar a pintá-lo com letras e mais letras e também espaços entre elas.
Depois o novo texto vai aparecendo e novo problema se me põe. Fico aqui todo o dia a escrever ou dou o texto como findo?
Hoje, por exemplo, é um bom exemplo desta dúvida.
Mas, felizmente, um factor estranho à escrita, decidiu por mim. Tenho de o terminar já, pois compromisso anterior obriga-me a sair de casa neste momento.
Até breve ou até outro dia. De qualquer modo, até sempre.

segunda-feira, agosto 20, 2007

invasão ou protesto?

O que se passou ontem na Herdade da Lameira, em Silves, pode classificar-se como? Protesto justificado do Movimento Verde Eufémia contra o cultivo de milho transgénico, acção de desobediência civil com fins didácticos e ecológicos ou uma invasão de propriedade particular e destruição de parte do milho existente?
As razões que levaram aquele Movimento a manifestar-se contra o cultivo do milho transgénico podem ser as melhores e assentarem em razões científicas, ecológicas e de bondade humanitária. Podem ser pacíficas e ser «do bem», como se diz no Brasil.
Mas estas santas razões, autorizam uma invasão de propriedade e uma destruição de património?
Não há argumentos que se possam usar que levem aos mesmos fins? Não foram os próprios invasores a dizer que forneceriam o milho necessário (equivalente ao transgénico existente) e se ofereciam para o semear, para que o proprietário não tivesse prejuízos?
Então se o disseram depois, porque não o disseram antes da invasão, mostrando a bondade das suas propostas e convencendo o proprietário a mudar de atitude?
Se há quem ria da ingenuidade desta pergunta, podemos ter a certeza de estarmos num beco sem saída existencial. Se esta pergunta é ingénua, isso só pode significar que todos os valores estão alterados e que só a força, a violência ou o poder económico contam. Para uns e para outros, pelos vistos. Para os que invadem, porque pensam que só assim conseguirão os seus fins. E para o invadido, de quem se pensa, automaticamente, que nunca seria convencido por palavras e razões.
A que ponto chegámos, senhores.


sexta-feira, agosto 17, 2007

há dias assim


Há dias assim. Apetece-nos fazer uma coisa, mas não a fazemos, não porque não queiramos, mas porque algo disso nos impede.
Hoje, por exemplo. Apetece-me escrever e verter aqui as minhas ideias que me vão chegando, trabalhá-las, desenvolvê-las, torná-las úteis. É verdade, apetece-me fazer isso. Mas o meu cérebro recusa-se totalmente a dar corda ao neurónio exactamente quando escrevo num blogue que tem esse nome. Que fazer? Impor a minha vontade? Obrigar o neurónio a trabalhar? Quem me garante que consigo, se já o tentei e não consegui? Quem ou o quê está dentro de mim, com mais poder que a minha vontade?
Se já consegui formular estas dúvidas é sinal de que o neurónio trabalhou. Mas que o fez de forma burocrática, funcionário privado da minha vontade, sem gosto nem orgulho no que faz, trabalhador a termo na minha fábrica do pensamento.
Termina, diz-me ele. Não insistas que eu hoje não dou mais - é sexta-feira, para mim já é fim de semana. Pagas horas extraordinárias? Dás-me suplementos alimentares? Então, toma juízo. Fecha a fábrica.
Vou fazer-lhe a vontade. Mas só depois de assinar a rescisão do contracto.

quinta-feira, agosto 16, 2007

a nova angola

Recebi hoje boas notícias de Angola. Parece que, felizmente, se encontra nos caminhos da paz e do desenvolvimento. Não creio que me possa enganar quando penso que este magnífico país ainda vai dar muito que falar. Se sempre o consideramos um grande país, estou convicto que necessitaremos de usar outros termos para o definir. Apesar das tentativas, descaradas ou camufladas, de outros lhe meterem a mão económica, Angola terá forma de se servir dessas mãos e de não deixar que sejam elas a servir-se do país. Tenho esperança e acredito no seu glorioso futuro.


passar a fronteira

Tenho que tomar a decisão de transformar este depósito de textos meus, num verdadeiro blog. Com respiração natural e um ritmo que lhe assegure a vida. Há que alimentá-lo, com frequência, se possível todos os dias, para que se mantenha de boa saúde e cresça naturalmente.
Não o tenho feito, porque me devo perguntar, lá bem no fundo, para quem escrevo. Para mim ou para quem me queira ler?
E se escrever para quem me queira ler, quem me garante que alguém o faça?
Penso que até nos blogues, não basta escrever bem ou razoavelmente, ter ideias interessantes, manifestar opiniões sensatas e estimáveis, mas que é necessário o todo poderoso marketing, senhor poderoso destes nossos tempos, traga até ele os leitores.
Sempre me dei mal com tal senhor e muito pior com um seu companheiro ainda mais poderoso - o poder económico.
Será que mesmo com relações inexistentes com este senhor eu vou ter quem me leia?
A ver vamos, como diz o cego.
E que outra coisa sou eu, senão cego. Não se diz que cego é aquele que não quer ver?
CVR

quarta-feira, agosto 15, 2007

Dos boticários aos farmacêuticos - uma charla compósita


Em Junho de 1853, podia ler-se no Escholiaste Médico, prestigiado Jornal de Medicina Militar, considerado por alguns a melhor publicação médica portuguesa da época, que «o Governo apresentou às Câmaras a proposta de lei, que de há muito se acha feita, para organizar a classe dos pharmacêuticos militares d’aquelle modo que a justiça pede, e que nós todos desejâmos». Eram redactores do Escholiaste médico, nessa época e entre outros, os médicos militares António Gomes do Valle e José António Marques, que se encontravam entre aqueles que tinham pelos farmacêuticos grande estima e consideração, ao contrário de outros que, por um estranho e incompreensível sentimento de superioridade, vindo não se sabe de onde, baseado não se sabe em quê, consideravam a classe farmacêutica uma classe inferior, tal como consideravam a dos cirurgiões e que não viam com bons olhos a integração dos farmacêuticos no Serviço de Saúde Militar.
Apesar de em 1853, ter sido apresentada uma proposta de lei que de há muito se achava feita, como diz o Escholiaste Médico, a verdade é que tiveram que se passar seis anos para que essa proposta de lei saltitasse de Câmara para Câmara e conseguisse finalmente transformar-se em lei, criando um «megaquadro» de cinco farmacêuticos, cinco.
Sendo de prever que a escolha deste número não tenha sido a gozar com farmacêuticos e médicos, ficamos sem razões para compreender tão desajustado número. E não é preciso comparar o número de farmacêuticos militares existentes nos outros Países da Europa e ver a imensa desproporção entre eles e os portugueses, para se poder concluir quanto era ridículo este total de cinco, sobretudo se tivermos em conta que muito antes da criação do Quadro dos Farmacêuticos Militares, já esta classe se encontrava ao serviço e a ser paga pelo Exército e pela Armada, e em número que nada tinha a ver com este famigerado número cinco que longos anos se iria manter até ser ligeiramente alterado.
Por exemplo, no ano de 1814, o Aviso de 29 de Janeiro do Secretário da Guerra Pereira Forjaz e dirigido ao Físico Mor do Exército, José Carlos Barreto, aprova a proposta feita por este em 8 de Dezembro de 1813, para empregar mais farmacêuticos ou Boticários no Exército.
Nesse mesmo despacho é colocado como 1º Boticário do Exército, José Pedro da Costa e Aço e nos diversos Hospitais Militares são colocados Bernardo Cardoso de Carvalho (Hospital do Beato António), Manoel Joaquim Ribeiro de Paiva (Hospital de Santa Clara), Manoel Alves da Mota Garcia (Hospital da Cordoaria), Luiz Roiz da Silva e Costa (Hospital de Mafra), Timóteo Nepomuceno Gomes de Sousa (Hospital de Abrantes), João Baptista Garcia (Hospital de Elvas), Joaquim Maria Torres (Hospital de Coimbra), António José Martins (Hospital do Porto), João Leite Ferreira (Hospital de Almeida), João António Coelho (Hospital de Chaves), José Xavier de Magalhães e Brito (Hospital de Santander), Álvaro Pimentel Teixeira (Hospital de Victória) e António da Costa Araújo (Hospital de Bilbao).
Não é preciso ser muito dotado para as matemáticas para se concluir que, em 1814, estavam ao serviço do Exército 14 Boticários, praticamente o triplo daqueles que o Poder, quarenta e cinco anos depois, considerou necessários e suficientes. Talvez não possamos concluir com ligeireza que o Poder é sistematicamente estúpido e de vistas curtas. O jogo de interesses e a sensibilidade dos políticos, porque mais dirigida para as influências do que para as verdadeiras necessidades, terá conduzido a essa infeliz decisão de 1859. Mas e há sempre um mas, se foi infeliz ao estabelecer o ridículo número de cinco farmacêuticos, foi por outro lado feliz ao decidir estabelecer um Quadro para os Farmacêuticos e a dar-lhes o posto militar correspondente às suas funções.
Boticários ao serviço do Exército e da Armada, sempre houve. Muitas e variadas são as referências que se podem encontrar em documentos existentes no Arquivo Histórico Militar, Torre do Tombo e Biblioteca Nacional.
Mas antes de entrarmos nos mais remotos tempos em que há notícia de Boticários, deixem-me referir-lhes um facto curioso passado com um dos Boticários do Exército que fez a campanha do Roussillon, João Nepomuceno Pinto, que em 1793 auferia como vencimento 60:000 réis por mês, quantia não desprezível, se comparada com a de outros militares e a quem, por bons serviços prestados, o General Forbes mandou dar em 13 de Abril de 1794, uma gratificação de 60:000 réis. Mas este mesmo General Forbes, tinha mandado descontar-lhe algum tempo antes, em 28 de Janeiro, a importância de 34:720 réis pelo extravio de uma cavalgadura que lhe estava distribuída.
Se fosse hoje, seria que alguém a pagava? Quantos pagam hoje os estragos nos muitos cavalos das viaturas acidentadas e que lhes estão entregues?
Este farmacêutico apenas recebia 40:000 réis, sendo os restantes 20:000 réis levantados pela família na Tesouraria Geral das Tropas, tal como quase 200 anos depois, viria a suceder com a maioria dos militares que faziam a guerra do Ultramar e deixavam na Agência Militar parte dos seus vencimentos.
As Ordens de Serviço 41 e 55 deste ano traziam as instruções sobre os Corpos que iam ser destacados para o Ultramar e diziam que o Batalhão de Infantaria devia ter um Cirurgião Mor, um Cirurgião Ajudante e um Boticário e que este usaria a farda como a dos cirurgiões, mas com a gola verde.
Mas em 17 de Janeiro de 1806, já Sua Alteza Real tinha nomeado Joseph Pedro da Costa e Aço, 1º Boticário dos Hospitais Militares das Províncias do Norte, com um vencimento de 30:000 réis mensais, o que foi comunicado à Tesouraria Geral das Tropas do Norte. Em 1807, já era 1º Boticário do Exército, como se pode ler num ofício do Inspector do Hospital da Estrela dirigido ao Oficial Maior da Secretaria da Guerra, sobre drogas medicinais e num outro dirigido pelo Conde da Barca ao Marquês de Abrantes e em que se ordena que José Pedro da Costa e Aço marche para Elvas, para conferenciarem sobre a Botica do Hospital.
Atente-se neste último ofício que referi, para que sirva como exemplo do cínico paradoxo que sempre foi a relação do Poder com os subordinados. Quando estes fazem falta convocam-se e pergunta-se-lhes como, porquê e quando, mas se não lhes sentem a falta a memória encurta e o esquecimento instala-se.
A primeira notícia que se encontra de um Boticário ao serviço do Exército, data de 16 de Fevereiro de 1644, quando El-Rei D. João IV nomeia Luiz Gomes da Costa, Boticário da Gente da Guerra do Castelo de São Filipe da Ilha Terceira.
Mas esta nomeação cheira mais ao nosso 10 de Junho actual e à Chancelaria das Ordens, do que a uma decisão pensada e resultante da necessidade de criar esse lugar.
Sou levado a pensar isso, porque o Alvará que o nomeia refere que durante a guerra e até à restauração do Castelo, sempre Luiz Gomes da Costa forneceu todos os medicamentos necessários à conservação da saúde da Tropa, sem qualquer dispêndio da Tesouraria da mesma e à exclusiva conta e despesa daquele Boticário, do mesmo modo que sempre prestou serviço sem receber qualquer soldo.
E assim continuou, sempre sem soldo e apenas com a honra de ser Boticário da Gente da Guerra. Sempre sucedeu que aqueles para quem o dinheiro abunda, pensem que os outros possam viver só de honrarias. Felizmente que Luiz Gomes da Costa acumulava, dinheiro, honrarias e parece que honra, que seria o seu maior valor.
Poucos anos mais tarde, talvez porque os Boticários continuavam a fazer falta e não tinham o espírito generoso e desinteressado de Luiz Gomes da Costa, o Poder sentiu a necessidade de normalizar a situação, o que tentou fazer com a publicação da Lei de 11 de Abril de 1661, que se intitulava «Regimento porque se hão-de cobrar os novos direitos que se pagam nas Chancelarias» e em que se pode ler que médicos, cirurgiões e boticários dos Exércitos, ficavam isentos de pagar direitos, porque recebiam ordenados nas Vedorias Gerais do Exército, o que em meu entendimento significa claramente que estes eram considerados ao serviço do Exército e como tal terão sido os primeiros de que há notícia, pese embora eu ter encontrado uma referência respeitante a um António Alves de Vasconcellos, que teria sido também Boticário das Gentes da Guerra, mas que me deixa sérias dúvidas sobre a data em que desempenhou tal cargo, que poderá ter sido 1459 ou 1659, sendo impossível distinguir com segurança se se trata de um 4 ou de um 6, no documento que dele dá notícia.
Por Alvará de 10 de Junho de 1712, é nomeado Ambrósio Rosado, Boticário do Exército, enquanto durar a guerra, com a obrigação de «examinar os medicamentos que da Corte se remeterem e, sendo capazes, com eles andar na Campanha». Este Alvará encontra-se na Biblioteca da Exército, volume 2039 e também na Colecção Pombalina.
E em 1713, foi nomeado Boticário do Hospital do Castelo de S. Jorge, Leonardo da Costa Almeida, o que parece ter coincidido com a separação da Botica deste Hospital, da Botica da Corte, até aí juntas.
Conhecem-se os nomes de mais alguns Boticários que ali trabalharam, como Luiz da Maia Pinto e José Francisco Borralho, este último senhor de grande nomeada e muito respeitado pela sua preparação profissional, mas principalmente por ter introduzido em Portugal o uso da chamada Água de Inglaterra (que outros dizem ter sido introduzida por Fernão Mendes e o inglês Talbot) e que outra coisa não era que um preparado de casca de quina, conhecido também como vinho de quina.
Tenha sido ele o introdutor ou os outros dois já referidos, o certo é que foi José Francisco Borralho quem recebeu as honrarias, tendo sido louvado, recebido uma gratificação de 100:000 réis, que era bastante dinheiro e ainda conseguiu a aprovação da Junta do ProtoMedicato para o uso desse produto.
Sabe-se que a casca de quina já era conhecida desde 1632, em Espanha, para onde os jesuítas a levaram, razão porque passou a ser conhecida como pós dos jesuítas ou pós do Cardeal, referência ao Cardeal de Lugo, chefe dos jesuítas.
E em 1797, foi publicado um Regulamento do Serviço de Saúde que, embora não fale em qualquer quadro de boticários, se refere a eles e pela primeira vez como farmacêuticos e consigna a obrigação do farmacêutico escolher o local para a instalação da botica, o que sem sombra de qualquer dúvida e também sem sombra de pecado, significa que ali se mostrava consideração por uma profissão até aí muito desvalorizada, graças ao choque de duas classes que, não sendo concorrentes, se combatiam e em que uma se deixava subjugar por outra. Ficava assim a que subjugava com todos os louros e todo o poder consequente.
Os médicos desse tempo não tiveram a clarividência de verem que as classes se completavam. Apenas conseguiam pensar que não subjugar, era perder dinheiro e poder.
E se eu posso nesta altura e a esta distância, pedir desculpa por esses colegas, aqui as apresento com toda a sinceridade e não porque esteja na moda fazê-lo, como quando Helmut Kohl pede desculpa aos judeus por ter havido um Hitler e Goerings vários ou o Governo português pede desculpa da Inquisição e dos torresmos que fez.
Não, nada disso. Nós, médicos, fomos estúpidos e há que admiti-lo. E há que lembrar que o dinheiro, nesse tempo e hoje, conferia poder e que foi por isso que tudo isto sucedeu. Colocar o boticário na dependência total do médico, era um acto de poder e de poder ser mais rico. Não sei se me fiz entender.
Nada diferente do que se passa hoje quando assistimos à apresentação de notas de honorários impensáveis, para pagamento de actos médicos que se fazem pelo espelho, mas que, assim engrandecidos por tais números e cifrões, valorizam um acto insignificante e o transformam num grande acto salvador.
E sobre isto mais não digo, não vão alguns colegas, dos tais que assim fazem e que uns séculos antes desprezavam farmacêuticos e cirurgiões, criar uma nova Inquisição. E se outras razões não houvesse, bastava-me odiar e não suportar o calor, sobretudo quando é seco e crepitante. Sou decididamente da geração do ar condicionado, mas não das pessoas condicionadas a ideologias, crenças ou poderes.
O Regulamento de que falámos criou o chamado Dispensatório Geral do Exército, em substituição do Depósito Geral de Medicamentos do Exército. E alguns anos mais tarde, em 1805, novo Alvará manda estabelecer em Lisboa e em Coimbra, Dispensatórios Gerais dos Hospitais Militares, funcionando como depósitos de medicamentos simples e com laboratório próprio para a preparação dos medicamentos compostos.
Mas, mais importante do que isso, era o que lá se determinava sobre as obrigações do farmacêutico do hospital que «deveria fazer digressões botânicas nas estações próprias devendo colher as plantas medicinais conhecidas e que se desenvolvessem à volta do hospital, devendo fazer-se acompanhar dos ajudantes e praticantes que tivesse para assim, e de uma forma prática, os tornar capazes de conhecer as plantas medicinais. E, estabelecia que para além dessa aprendizagem fossem esclarecidos na forma de as colher, secar e conservar».
Em 1825, estes Dispensatórios Gerais dos Hospitais Militares são transformados numa única unidade, a que deram o nome de Depósito de Medicamentos do Exército.
E já em 14 de Junho de 1816, tinha sido publicado novo Alvará em que se fixava o número de farmacêuticos do Exército e os seus vencimentos, sendo atribuídos 50$000 réis mensais ao 1º Farmacêutico, 24$000 réis mensais aos 2º Farmacêuticos, havendo um por cada Hospital e em número de seis, 15$000 réis mensais para cada um dos seis ajudantes de farmácia dos Hospitais de Divisão e o mesmo vencimento para aqueles que trabalhassem nos Hospitais que não fossem de Divisão. Medida que parecia sensata e conforme com as necessidades, mas que rapidamente deixou de ser executada, após a deliberação de 20 de Dezembro de 1821, elaborada por Borges Carneiro, a quem, provavelmente por isso, deram nome de rua, bem perto do Parlamento, por ter proposto e ter conseguido a aprovação da extinção dos Hospitais Militares do Beato António, Abrantes, Évora, Lamego, Porto e Chaves, criando os Hospitais Regimentais e ordenando que os medicamentos fossem fornecidos pelos farmacêuticos civis das localidades onde se situassem os Regimentos.
E assim se criou um bom negócio para as farmácias civis e um mau negócio para o erário público, medida pouco inteligente que, hoje em dia, se pretende pôr novamente em prática, segundo me consta. E o negócio era tão bom que se metiam empenhos vários para uma farmácia trabalhar, em exclusividade, para a Tropa.
Como exemplo, posso citar-lhes um caso curioso passado em Chaves, uma das cidades em que fecharam o Hospital Militar e que por sinal tinha em funcionamento a melhor Aula de Anatomia e Cirurgia, alfobre de bons cirurgiões.
Datado de 27 de Setembro de 1798, existe um ofício enviado por Joachim José Gomez de Abreu, a Luiz Pinto de Souza, Governador das Armas, em que lhe comunica que o Tenente Coronel do Regimento da Infantaria Real e Governador interino, juntamente com o Prior do Hospital se opõem à Real Provisão que determina que o abastecimento de medicamentos se faça na Botica de Manoel António Ferreira e o mandam fazer na Botica que ficou do antigo boticário defunto, Domingos Gomes de seu nome.
Veja-se o interesse que haveria por detrás disto, para que quem isto determinava se opor e não cumprir, deliberadamente, uma decisão real.
Em 12 de Novembro de 1825, é criado o Depósito de Medicamentos do Exército, mas reduz-se o número de farmacêuticos a três, o que redundou em completo fracasso do sistema. Este, apesar da criação do Quadro dos Farmacêuticos Militares em 1859, só se recomporia já no século XX, no ano de 1918, com a criação da Farmácia Central do Exército.
Mas foi a 16 de Abril de 1859, exactamente há 138 anos, que, assinado por El Rei D. Pedro e sendo Ministro da Guerra e Presidente do Ministério o Duque da Terceira, se publica a Lei que cria finalmente o Quadro dos Farmacêuticos do Exército. Nesta Lei só se fala em farmacêuticos legalmente habilitados e determina-se que será 1º Farmacêutico do Exército, por inerência, o Director do Depósito Geral de Medicamentos do Exército e todos aqueles que sendo 2º farmacêuticos tivessem dez anos efectivos de bom serviço.
Seriam farmacêuticos de 2ª classe todos aqueles que estivessem colocados nos Hospitais militares e também o praticante de farmácia do Depósito Geral de Medicamentos, quando tivesse habilitação legal, e só então, e se chamaria ajudante do director do depósito. E ressalvavam-se os direitos anteriores, contando-lhes o tempo de serviço já prestado, para efeito de reforma, em igualdade com os médicos militares.
Equiparava o 1º Farmacêutico aos cirurgiões mores, com a patente de capitão e o vencimento de 34$000 réis, já incluídos os 10$000 réis de gratificação. E os 2º Farmacêuticos, eram equiparados aos ajudantes de cirurgião, com a graduação de Tenente e o vencimento de 27$000 réis, sendo 5$000 réis de gratificação.
Em consequência da criação deste Quadro, coube a João Florindo da Silva ser o primeiro 1º Farmacêutico, embora tenha sido António Joaquim Labate o primeiro farmacêutico a usar galões. Sucedia, no entanto, que João Florindo da Silva dirigia já nessa data o Depósito de Medicamentos, razão por que, continuando no exercício dessas funções lhe competia, por inerência, ser o 1º Farmacêutico. Não chegou a gozar muito tempo esta graduação nesse cargo, por estar em curso o seu processo de reforma.
Seguiu-se nesse lugar António José Teixeira Emiliano. Quatro meses depois dá-se a promoção a 1º farmacêutico, de António Joaquim Labate, que passa a ocupar o lugar de Director e foi farmacêutico distinto, chegando a ser o Presidente da Sociedade Farmacêutica Lusitana.
Neste mesmo ano e com o atraso de alguns meses, a 20 de Outubro, é criado também o Quadro dos Farmacêuticos da Armada, em tudo semelhante ao do Exército, em graduações e vencimentos.
Foi preciso esperar até ao ano de 1884, para que o 1º Farmacêutico passasse a ter a graduação de Major, graças ao empenho do médico militar Manuel António da Cunha Belém, que na sessão de 10 de Maio de 1882, na Câmara dos Deputados, entre outras e acertadas coisas, disse:
«É esta uma classe scientífica que não tem protecção, que não tem apoio; os farmacêuticos militares são quasi considerados filhos espúrios no seio da corporação sanitária do exército. Eu porém não seguirei as ideias que tenho encontrado adoptadas por muitos dos meus collegas, dos mais distinctos; entendo que o pharmacêutico é um elemento activo, um elemento importante, sem o qual não se pode fazer boa medicina. Entendo que os pharmacêuticos militares são oficiaes scientíficos como os facultativos, como os artilheiros, como os engenheiros, como os do estado maior, enfim como todos os outros officiaes que têm um curso, e conseguintemente (sic) merecem todas as garantias que as leis lhes negam, concedendo-as a outros. Ora dá-se uma circunstância com relação a esta classe, e é que sendo o quadro muito limitado, sendo a sua vida muito sedentária, porque raras vezes têm de sair da sede das suas estações, há muito poucas vacaturas, de maneira que quando entram para o serviço militar é já n’uma idade avançada; entram já muitos aos quarenta anos e quem entra nesta idade para o serviço militar, dificilmente atinge os trinta e cinco anos de serviço para ter a reforma no posto imediato, na conformidade da lei. Acontece além disto, que o posto mais elevado que há naquela classe é o de capitão e por conseguinte esses funcionários não se podem reformar senão no posto de capitão com 24$000 réis. Ora 24$000 réis nas circunstâncias actuais, em vista da carestia dos géneros, equivale a morrer de fome e creio que o País não pode exigir que um funcionário que durante trinta anos lhes prestou o seu serviço com dedicação e probidade, morra de fome com 24$000 réis. É mister portanto atender a esta classe de funcionários, e crear pelo menos um posto de major, que será a porta aberta para as reformas nesse posto e a única garantia que esta classe tenha pelos serviços importantes que presta ao Estado. Ainda há pouco, um pharmacêutico militar muito distincto, que foi Presidente, creio eu, da Sociedade Pharmacêutica Lusitana e que prestou muitos bons serviços ao País, caiu doente gravemente; devia talvez ser reformado, mas a tolerância que adoça muitas vezes o rigor da lei, no nosso paiz, consentiu que continuasse na effectividade, porque se fosse reformado, tinha, como prémio de todos os seus serviços, de morrer na miséria e sem meios de subsistência».
Referia-se Cunha Belém, neste último parágrafo, a António Joaquim Labate, considerado, por alguns, o pai do Quadro dos Farmacêuticos Militares.
E a 27 de Maio de 1882, a proposta de Cunha Belém é convertida em Projecto de Lei, segundo o parecer de João Carlos Rodrigues da Costa, relator do parecer da comissão de guerra da Câmara dos Deputados.
Nesse parecer, escreveu que «o projecto de lei nº 175-C do senhor deputado Cunha Belém, atende principalmente a fazer elevar, na consideração do cargo exercido, e nas remunerações justamente alcançadas, uma classe pequena e desprotegida, porém de muita importância no exército, onde é a natural e indispensável auxiliar da benemérita corporação médico - castrense. O diminuto quadro de cinco farmacêuticos estatuídos na carta de lei de 16 de Abril de 1859, está claramente indicando que as condições de acesso e os demais benefícios concedidos aos outros quadros, são neste quase completamente desconhecidos. Por outro lado as habilitações scientíficas, impreterivelmente exigidas, a essencial aptidão do pharmacêutico, a responsabilidade do serviço que presta, estão impondo melhor retribuição e um justo incitamento, que tragam a esta classe quem nela seja verdadeiramente prestável à medicina militar, nos multiplices e arriscadíssimos lances em que esta última tem de ser um elemento essencial às forças combatentes. Havendo o Governo proposto recentemente, que na reorganização do corpo de saúde naval, ao pharmacêutico naval mais antigo, chefe da respectiva classe, se dê a graduação de capitão-tenente, aí se encontra egualmente provado já quanto convém estatuir análogo direito ao chefe da mesma classe no exército de terra».
E assim conseguiram os farmacêuticos passar a contar com o posto de major no topo da sua hierarquia, por projecto aprovado em 15 de Julho de 1882, tendo sido feita uma alteração à proposta inicial que estabeleceu como condição da promoção a major ter dez anos de bom e efectivo serviço. Mas, quando este projecto foi apreciado na Câmara dos Pares, sofreu nova emenda passando a ser de 25 anos a exigência para ser promovido a major.
De tudo quanto se transcreveu se pode concluir que o problema dos farmacêuticos militares começara a ser considerado e a caminhar para uma resolução favorável e proporcionada à sua importância e em que todos os intervenientes no processo pareciam estar de acordo.
Pois, mesmo assim, o parecer da Câmara dos Pares só seria dado com data de 14 de Junho de 1883 e só foi aprovado em 1 de Março de 1884 e passou a produzir efeito em 3 de Maio de 1884. A demora foi grande para um despacho sobre matéria tão pouco extensa.
Refira-se, como marco importante na vida dos farmacêuticos militares, o facto de ter sido este decreto o primeiro que legislava exclusivamente para os farmacêuticos e não aparecia em consequência de reformas do serviço de saúde.
Os portugueses são uma raça à parte. Em nenhum outra Nação sucederiam coisas semelhantes, já não digo iguais, às que a nós nos têm sucedido.
E ninguém se espante com a Estação Nova de Coimbra que só quando foi inaugurada se reparou que lhe faltavam as bilheteiras, razão porque ainda hoje lá estão, em madeira, quais quiosques. Que ninguém se espante que só quando se preparava a inauguração de uma piscina no antigo Estado da Índia alguém reparasse que a piscina estava feita mas não havia água, nem canalização....
A nossa história está cheia de factos assim e na história dos farmacêuticos militares, exactamente no último facto que referimos, um houve bem típico da maneira de ser portuguesa. A 3 de Maio de 1884 foi, de facto, aprovado o posto de major para o 1º farmacêutico militar, mas alguém se esqueceu não das bilheteiras nem da água, mas daquilo com que se compram os bilhetes ou a água da Companhia.
Ninguém se lembrou que era preciso estabelecer a gratificação a atribuir-lhe, já que ela era variável conforme as armas e serviços. E sucedeu que o feliz farmacêutico que teve a honra de ser o primeiro major do seu quadro, de seu nome Antero da Costa Oliveira, ficou a receber menos do que recebia quando era capitão, porque apenas lhe era pago o soldo e deixou de receber gratificação por não ter sido estabelecida.
Meses e meses se passaram até que esta situação fosse resolvida e não bastaram as reclamações do prejudicado, tendo sido necessário dar escândalo nos jornais e usar o simples argumento de que a promoção a major não lhe tinha retirado a sua condição de 1º farmacêutico e que sendo assim devia, pelo menos, receber a gratificação correspondente a esse cargo.
A 25 de Maio de 1911, já com as ideias e leis republicanas, o Quadro dos Farmacêuticos é alterado, aumentando o número de cinco para oito, criando um lugar de tenente coronel e dois de subalternos. A República parecia estar com os farmacêuticos e disposta a corrigir os erros que até ali a monarquia cometera.
E foi assim que, a 11 de Outubro de 1913, foi publicado um decreto que criava na 5ª repartição da Secretaria da Guerra uma secção farmacêutica, responsável pela superintendência do funcionamento dos serviços técnicos farmacêuticos do exército, pelos assuntos relativos ao material farmacêutico na parte administrativa e pelas relações de carácter técnico administrativo, sobre medicamentos, com os depósitos e estabelecimentos do serviço de saúde e nomeado seu chefe um tenente coronel farmacêutico, de seu nome Sebastião António Delrisco, que passados escassos quatro meses faleceu.
Mas, já anteriormente, em 27 de Setembro de 1913, tinha sido tomada uma importante medida, proposta pelo Ministro da Guerra João Pereira Bastos, que determinava que se acabasse com os concursos documentais para ingresso no quadro e se passasse a fazer depender esse ingresso de concurso de provas práticas, em número de quatro e em que para três das quais eram publicados antecipadamente vinte (20) pontos, dos quais seria tirado apenas um, à sorte, na data do concurso. As quatro provas consistiam em

--prova escrita sobre fermentos, assepsia e antissépsia e alterações e falsificações de medicamentos e alimentos,
-- prova de química com a realização de três análises, sendo uma de águas, outra de uma substância medicamentosa e outra de uma substância alimentar, sendo permitida a consulta de livros técnicos nestas provas.
-- prova de manipulação de dois preparados oficinais e aviamento duma fórmula magistral inscrita no Formulário dos Hospitais Militares.
-- prova oral, versando sobre o modo de execução das provas de química e de manipulação, sobre organização militar, serviço farmacêutico hospitalar e composição do material farmacêutico de campanha.

O Júri tinha voto secreto, metendo numa urna bolas brancas ou pretas, consoante votava a favor ou contra, tal como ainda hoje se usa nalgumas instituições que preservam a dignidade dos concursos, nomeadamente na carreira docente universitária. Havia a classificação em mérito absoluto e relativo.
Com o eclodir da primeira grande guerra foi fácil perceber e verificar que nada estava dimensionado para entrarmos num conflito como aquele. Poucos homens, sem preparação para a missão que teriam de desempenhar e, sobretudo, falta de estruturas que dessem resposta ao acréscimo seguro de pedidos de material e medicamentos.
Tratou-se logo de tentar resolver a situação e foi comprada uma casa na Rua de Campolide, 235, com jardim e horta e que tinha um preço bastante acessível de 14.500$00 escudos.
E em 25 de Novembro de 1917, o Ministro da Guerra, Norton de Matos, escreveu por seu próprio punho, um decreto em que mandava pôr em vigor um projecto já existente que criava a Farmácia Central do Exército, e a mandava instalar naquela casa acabada de comprar.
Mas, por atraso havido na publicação no Diário do Governo de 5 de Dezembro, como estava previsto, não chegou a entrar em vigor, por ter havido entretanto a revolução do dezembrismo que levou ao poder Sidónio Pais.
Acalmados os ânimos que a revolução levantara, e um pouco contra a vontade de Sidónio Pais, foi finalmente criada por decreto de 16 de Fevereiro de 1918, a Farmácia Central do Exército, com um quadro próprio, composto por 14 oficiais farmacêuticos, a colocar na sua sede, em Lisboa e nas suas sucursais de Coimbra e Porto.

Mas se a lei de 21 de Agosto de 1917, aumentou o quadro para dez farmacêuticos militares e a criação da Farmácia implicava mais 14, não se pense que o número de farmacêuticos militares passou para vinte e quatro. Só em 10 de Maio de 1919, a situação se normalizou e o Quadro passou a contar com 48 oficiais, sendo 2 Coronéis, 4 Tenentes Coronéis, 6 Majores, 12 Capitães e 24 Subalternos.
Agrada-me, como flaviense e amigo da família, que um dos subscritores deste Decreto tenha sido o Ministro António Granjo, que passado algum tempo foi primeiro ministro e barbaramente assassinado na cama.
E este Decreto 5.787, dizia entre outras coisas que os orgãos de funcionamento do serviço farmacêutico militar eram:

-A Inspecção Geral do Serviço farmacêutico
-A 7ª Repartição da 2ª Direcção Geral da Secretaria da Guerra
-A Farmácia Central do Exército, as sucursais de Coimbra e Porto, as delegações dos hospitais militares e cantinas farmacêuticas
-Estabelecimentos militares onde sejam precisos os serviços farmacêuticos

Repare-se que, pela primeira vez, se fala em Serviço Farmacêutico Militar e se cria o lugar de Inspector Geral do Serviço Farmacêutico do Exército que será também o chefe da 7ª Repartição.
É assim que está escrito e não pela ordem inversa, como seria de supor. E atribui-se-lhe o posto de Coronel, determinando que o Inspector Geral ficava directamente subordinado ao Quartel Mestre General, podendo corresponder-se com ele directamente, em tudo quanto dissesse respeito ou se relacionasse com a preparação da guerra e ao Ministro da Guerra em todos os outros assuntos, o que era de grande importância para o serviço farmacêutico pela autonomia que assim lhe era concedida.
Na Farmácia Central do Exército eram criadas quatro secções:

-- A 1ª era a encarregada das análises farmacêuticas, bromatológicas, toxicológicas e outras.
-- A 2ª era responsável por esterilizações e preparação de pensos.
-- A 3ª era responsável pelas preparações farmacêuticas
-- A 4ª tratava da recepção, armazenagem e expedição.

Curiosamente, e um pouco à maneira do que hoje está em moda fazer no sector público, não se entregava a direcção da Farmácia Central do Exército a um director, mas a um Conselho Gerente, composto pelo director, subdirector e tesoureiro, servindo este último de secretário.
Outro facto curioso é a autorização conferida ao Director de contratar pessoal civil, de qualquer dos sexos, o que prova que ainda não existia o BCP, nem a Farmácia estava dele dependente. Chama-se a isto dedução histórica sobre erro histórico.
Já vai longa esta charla. Particularmente longa, por nada vos ter trazido de novo, senão uma interpretação muito pessoal dos factos já conhecidos, mas não suficientemente interessante para manter desperto o auditório.
Tivesse eu tido o tempo suficiente, bem como o cuidado necessário no alinhavar destas linhas, e o respeito que todos vós me merecem sempre presente e outro galo teria cantado, suficientemente ruidoso para os manter despertos. Mas não se podem fazer omoletas sem ovos e muitos dedos meti nos sítios próprios, sem que nada tivesse encontrado.
Não sei se basta pedir-vos desculpa por tão pobres e desajustadas palavras.
Só vos peço que não façam auto de fé, mesmo que vos apeteça, porque isso, sinceramente, também não mereço, nem sou tão culpado assim.

(Palestra proferida em 16 de Abril de 1997, no Laboratório Militar, por ocasião da comemoração do 138º aniversário do Quadro de Farmacêuticos do Exército)

terça-feira, junho 12, 2007

passeio ao passado


Esta semana fui a Olivença, melhor dizendo, a Olivenza, que é o que se lê à entrada da cidade.
Uma visita que tudo indicava ser um passeio turístico de descontracção, regalo de olho e ambiente despoluído, redundou depois em tudo isso e mais alguma coisa, que, de aparentemente secundária, se transformou em primária, pelo menos para mim.
Explico-me. O que seria turismo, transformou-se em reflexão histórica e filosófica.
Reflexão histórica que é absolutamente natural, já que Olivença faz parte da História de Portugal durante longos séculos e de que agora apenas se pode dizer que fez parte dessa História.
Reflexão filosófica que envolve temas como poder, contingência, relatividade, valor dos valores, efemeridade e permanência, patriotismo e egoísmo, favores, influências.
Se recordarmos brevemente a História de Olivença e não a sua breve História, porque essa é longa, teremos de recordar que Olivença é terra de fundação lusitana que, no século XII, foi conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques e que, pelo Tratado de Alcanizes, assinado em 1297, se tornou definitivamente portuguesa.
O rei D. Dinis com a sua grande visão, mandou-a povoar por portugueses e concedeu-lhe Carta de Foral, com privilégios iguais aos de Évora.
O Brasão de Armas foi-lhe concedido por D. João II, que também ordenou a construção da Torre de Menagem que ainda hoje ali se vê, com os seus 36 metros de altura e 18 de largura, as suas pedras de armas e o seu acesso em rampa até ao topo, para que os soldados a ele pudessem aceder, montados em cavalos.
Foi D. Manuel quem mandou fortificar e ampliar as suas muralhas – tal a importância que lhe reconhecia como praça fronteiriça – chegando a haver quatro linhas de muralhas, aumentando assim a sua defesa. Tornou-a por outro lado mais acessível, tendo mandado construir uma ponte sobre o rio Guadiana, a ponte da Ajuda, que se encontra semidestruída há dois séculos. Entendeu também conceder-lhe um novo Foral.
Com a chegada do século XVII, a ocupação espanhola e a Guerra da Restauração, começou um período conturbado para Olivença, entrando numa situação de instabilidade que a trouxe até à situação em que agora se encontra.
Olivença só capitulou em 1657, mas logo em 1668 o Tratado de Paz então assinado, restituiu a Portugal a sua posse e domínio.
Parece, contudo, que o destino de Olivença era trocar o «ç» por um «z».
Com as Invasões Francesas, os espanhóis (pressionados pelos franceses), entraram em Portugal e conquistaram Olivença em 1801, sob o comando de Manuel Godoy.
Dez anos depois, o Exército Anglo-Luso comandado por Beresford reconquistou Olivença. E, então, Beresford, à frente das tropas anglo-lusas, em nome da mais velha aliança conhecida – a de Inglaterra e Portugal – numa decisão incompreensível, pelo menos para mim, em vez de colocar a Olivença reconquistada sob o domínio português, entregou-a inexplicavelmente às autoridades espanholas.
O que terá levado aquele homem, acabado de recuperar Olivença para a Coroa Portuguesa, a entregá-la aos espanhóis que apenas a tinham dominado por escassos 10 anos? Nem a lógica das guerras, nem a Velha Aliança, nem a amante portuguesa, nem os sinais bem visíveis e fortemente presentes de posse e presença portuguesa, o impediram de tamanha loucura. O quê, então? Que negócios políticos, troca de favores, exercício de influências o terá levado a esta inexplicável decisão?
Escassos anos depois, nos Congresso de Paris e de Viena, em 1814 e1815 – que tinham como finalidade desenhar a Carta da Europa, estabelecer fronteiras, decidir de domínio e posse – foi discutida a estranha questão de Olivença e reconhecidos os direitos de Portugal. Discutida, foi. Mas resolvida, não. A realidade foi diferente. A Espanha recusou assinar, de imediato, o Tratado e, dessa forma, a situação perpetuou-se, passando Olivença a ser Olivenza, até hoje.
Esta é a História, nua e crua. Há, contudo, a outra história. A dos homens que ali têm vivido de então até hoje.
A presença portuguesa tem-se mantido, nos monumentos e no seu maior património – a sua língua.
Só que tudo aponta para que dentro de 20 a 30 anos, ninguém mais fale português. Os que hoje ainda o falam, e já não são muitos, têm entre os 40 e os 50 anos de idade e é de prever que quando a morte destes vier, a língua portuguesa se cale.
Não se calarão, é certo, as pedras que por ali continuam perpetuando a presença e posse portuguesa. Torre de Menagem, muralhas, igrejas, nomes de ruas, casas senhoriais, como a de Cadaval, doces conventuais como a «tecula mecula» (receita do Alentejo), os escudos portugueses, as esferas armilares…
Sempre se ouvirá dizer aos guias (espero que sim) que a Igreja da Madalena é manuelina, que aquele altar de talha dourada lindíssima da Igreja de Santa Maria do Castelo é portuguesa, que os azulejos do sec. XVIII da Igreja da Misericórdia foram feitos em Lisboa, por um Manuel dos Santos, etc… etc… Sempre se ouvirá dizer que o retábulo da mesma igreja é o maior da Europa, com os seus vinte metros de altura e é obra portuguesa …
Mas a realidade é outra. Os dez mil habitantes nunca foram perguntados em referendo se queriam ser espanhóis ou portugueses. Mas sondagens feitas apontam para que uma grande maioria queira continuar espanhola. São dez mil que renegam a História? Ou são antes dez mil que sabem analisar as diferenças?
Não basta ter a posse de algo, seja do que for. Mais do que ter, é preciso merecer e ser desejado.
Hoje, ano 2007, Olivença seria o que é hoje Olivenza? Dói, perguntar isto. Mas dói ainda mais, nada se poder fazer contra esta realidade.

CVR

segunda-feira, março 12, 2007

um país à beira-mar plantado …

Eu bem não quero escrever sobre temas que envolvam a política ou com ela tenham alguma relação. Mas, por mais que o evite ou por mais que disso me defenda, são tantas as coisas fabulosas (mesmo de fábula) que se vão sucedendo, tanta a falta de vergonha e de bom senso que permanentemente nos assalta, que me vejo forçado, absolutamente forçado, a ter que tecer algumas considerações sobre elas.
Deixando de lado outros problemas que mereceriam também a nossa atenção, vou hoje abordar um tema que me parece estar, neste momento, no top ten dos fait divers políticos.

A culpa não será toda dele, mas também de muitos de nós, não sei se de todos nós, que durante algum tempo lhe achámos alguma graça e nos fomos rindo das suas ousadias verbais, sem nunca termos em conta o nosso sentido crítico e ético que vamos exigindo em tudo e fomos esquecendo, a maioria das vezes, em relação às bacoradas de tão sinistra figura.
Penso que o desculpávamos porque ele nos parecia um desbocado, um mal criado por boas causas, uma vez que fazia transparecer sempre a ideia de que o que fazia e dizia, melhor, o que exigia, era tudo para bem da sua querida Madeira.
Com o passar dos anos e já lá vão trinta, penso que fomos sendo anestesiados criticamente, de modo que sempre que ele falava ou melhor dizendo, gritava, tínhamos quase a certeza de que nos iríamos rir e até nos ouvíamos dizer – ah, grande homem, assim é que se fala, sem papas na língua, mesmo que depois pensássemos que melhor teria sido pôr-lhe nela um pouco de pimenta.
Mas também com o passar dos anos, fomos vendo que, embora fizesse obra, o difícil seria não a ter feito, tais as somas que para isso recebia, mais o progressivo endividamento que ia construindo, que mais uma vez teria de ser pago pelas somas extraordinárias caçadas ao Contenente e saídas dos bolsos, dos tenebrosos cubanos, que teimavam em não perceber os verdadeiros custos da insularidade.
As eleições foram-se seguindo, as vitórias somando-se, a figura perpetuando-se com margens amplas de vitória. E cada vez mais cantava de poleiro..
Até que chegámos à sua terceira década de reinado, ao mesmo tempo que apareceu alguém capaz de dizer – basta!
A aplicação da lei das finanças regionais foi a gota de água que faltava. O rei da Madeira entrou em vrill
[1] técnico e em desespero emocional, maior do que qualquer um que antes tivesse tido.
É verdade que, já em outras ocasiões em que a sua boa estrela tremelicou, usara de excessos verdadeiramente intoleráveis e com manifesta ausência de sentido de Estado. Ficou para a História a forma desrespeitosa com que falou do Snr. Silva, mas nada que se pareça com a linguagem actual.
Embora volte a atacar o Snr. Silva, o seu ódio de estimação está centrado no actual primeiro-ministro, que o rei diz desconhecer quem seja. Não entende, por mais que lhe expliquem, que os Açores também sofrem de insularidade e em mais ilhas do que aquelas em que reina. Para ele, a legislação deve ser feita à sua medida e contemplar todos os seus desejos, que, segundo ele, é o mesmo que dizer o desejo de todos os madeirenses. Nas tintas, para os problemas do País. Se este não tem dinheiro que o arranje. «Eu é que quero aqui o nosso dinheirinho, aquele que eu acho que nos faz falta. O resto que se lixe, os cubanos que aguentem, ninguém os mandou ser comunas!»
Tem sido um ver se te avias. Restaurou o fantasma da independência, tirando-o do jazigo onde se encontrava. Agitando suavemente essa bandeira, porque está farto de saber que melhor do que ser independente, se é isso alguma vez sucederia, é sentar-se à mesa do orçamento dos cubanos e encher o seu prato mais do o de qualquer outro conviva.
Agita essa bandeira numa tentativa de fazer «tremer o Contenente», só com a ideia de tal desastre. Mas o Snr. Jardim está farto de saber que falar na independência da Madeira é o mesmo que falar numa impossibilidade. De que viveria, então? do turismo? do off shore? dos recursos naturais? dos casinos? Talvez. Mas, seguramente, pior do que quando vivia do dinheiro dos cubanos que ele sempre gastou como entendeu, onde entendeu, favorecendo explicitamente os seus apoiantes e marimbando-se nos restantes, fazendo censura nos meios de comunicação que não comunguem com ele e injectando fortunas naquele que tudo merece, pois é porta voz das suas esclarecidas políticas e até o deixa escrever ali uma coluna quase em permanência.
Antigamente, sempre que precisava de mais dinheiro, endividava-se tranquilamente enquanto dava uns berros que se ouvissem no Contenente e logo alguém correria a satisfazer os seus desejos, pois aqueles votozinhos faziam muita falta ao seu partido. Agora, está mais complicado. Já percebeu que quando lhe dizem não, foi mesmo não que lhe disseram. Percebeu também que não vale a pena fazer ameaças, pois já lhe disseram basta.
Por isso, inventou mais uma manobra estratégica. Olhem que eu demito-me e demitiu-se mesmo.
Demito-me porque não tenho condições para governar com esta nova lei.
E, de uma forma coerente, como é seu hábito, o que fez o Snr. Jardim em seguida? Demitiu-se e abandonou o poleiro? Não meus senhores.
Coerentemente, como sempre, já que não tinha condições para governar com tal maldita lei, anunciou a sua recandidatura nas próximas eleições.
Onde irá buscar então as condições? Estará a pensar que, por ter novamente a maioria ou até a reforçar, vai obrigar os cubanos a ceder mais uma vez, a vergar a cerviz e servir seu insular amo, a seu inteiro gosto?
Poderei estar enganado, mas penso que desta vez, e pela primeira vez, o Snr. Jardim vai sentir que não adiantará mais dar berros e bater o pé.
Espero ainda que por uma vez, embora a primeira, tenha a decência e a modéstia de aceitar a democracia e começar a praticá-la no pequeno território onde governa.

Vai uma grande diferença entre este país ser considerado um jardim à beira-mar plantado e a tristeza de Portugal considerar como seu filho um Jardim a esbracejar e berrar, plantado no meio do mar.

[1] Termo usado em aeronáutica que corresponde a voo desordenado, em espiral. P.ex. «estava a fazer uma volta á pista para me habituar e quando ia a endireitar o avião, ele de repente entrou em vrill e nunca mais o apanhei».

quarta-feira, janeiro 03, 2007

mundo, pára aí que eu quero sair!

No número 715 da Visão, referente à semana de 16 a 22 de Novembro de 2006, na página 122 e na secção «Pessoas», vinha uma coluna intitulada «Quantos minutos?!» que me deixou estarrecido e revoltado como há muito não me sentia.
Quem me diria que duma secção com as características daquela, de natureza ultra light, que parece pretender dar apenas notícias dos «famosos», que apenas o são por serem conhecidos dos telespectadores de novelas e reality shows, sem necessidade de terem qualquer outro atributo que os torne «pessoas», iria nascer a terrível revolta que então senti.
Creio sinceramente, que será revolta idêntica a que os meus leitores irão sentir quando tomarem conhecimento do que aqui lhes vou dizer.
Nessa coluna «Quantos minutos?!», se escrevia que algumas pessoas não têm de suar muito para receberem 800 euros (mais do que dois salários mínimos em Portugal). Depois desta nota introdutória começava o caminho para a revolta. Ali se escrevia que havia quem necessitasse de apenas 24 segundos para ganhar dois salários mínimos, que outro necessitava apenas de 2 minutos e 24 segundos, outra ainda de 6 minutos, outro de 14 minutos e 28 segundos, outra de apenas 48 minutos e 48 segundos e, por fim, um outro necessitava de 22 horas.
Sem necessidade de revelar nomes, por agora, mas apenas profissões, direi que pela mesma ordem anterior, os felizardos tinham as seguintes ocupações – apresentador de um programa de rádio, apresentador de televisão, tenista, treinador de futebol, jornalista de televisão e Presidente da República.
Espero que neste momento os meus leitores já se encontrem em estado de ebulição mental e se comecem a interrogar sobre este estranho mundo em que tal acontece e se questionem sobre os actuais valores, a importância das coisas, o valor do trabalho e a sua relatividade.
Nesta pequena nota está contido um verdadeiro tratado de filosofia política, de história social, da arte de vencer na vida e também o início do fim dos impérios.
Soubesse eu alguma coisa de economia e talvez me abalançasse a perguntar pela mais valia do suado trabalho de tais figurões.
Desta série de seis exemplos, três são estrangeiros e, naturalmente, são os que menos precisam de suar para ganhar tais somas de dinheiro; os outros três são portugueses.
Destes, o primeiro trabalha no estrangeiro e sob o ponto de vista económico não está abrangido pelo padrão português, para além de que a sua profissão é exercida num mundo especial, global, de paixões desatadas, que já foi desporto noutros tempos e hoje é mais um negócio de milhões.Até aqui, apesar de tudo mal, se pode ainda dizer – tudo bem. Não é um problema português, embora isso não faça com que deixe de ser errado.
Mas, a partir daqui, já não há mais lugar a panos quentes, a almofadas para descarregar a indignação. Agora, é mesmo impossível, mesmo que se fosse santo, ler o que se lê e ficar indiferente, e não colocar todas as dúvidas que nos assaltem de qualquer ângulo por onde se veja o problema.
A nossa jornalista de televisão (nossa porque é portuguesa), ao contrário do que ainda se poderia pensar para amansar a raiva e admitir a compreensão, não trabalha em nenhum canal de televisão privado. Se assim fosse, podia achar-se escandaloso tal rendimento de trabalho por conta de outrem, mas o problema era apenas de quem lhe pagava.
Mas não, senhor. A jornalista é da RTP, a televisão do Estado, onde este injecta fortunas sobre fortunas, idas directamente dos impostos dos portugueses, especialmente daqueles que precisam de quase um mês para ganharem o que a senhora jornalista ganha em 48 minutos e 48 segundos (e talvez 48 décimos de segundo).A jornalista da RTP apresenta um telejornal, em alternância com outros colegas, e conduz uma entrevista semanal. Não esquecendo que tem de preparar a entrevista, para saber bem o que perguntar ou não perguntar a quem entrevista, gasta também tempo a preparar o telejornal, quando o faz. É verdade que o trabalho não se pode apenas reduzir ao tempo de trabalho visível, mas também ao invisível. Nessa como em muitas outras profissões, seguramente mais úteis que a da senhora jornalista. Seja qual for a volta que se dê ao problema (numa tentativa de entender como é possível tal descaramento de quem paga), não se encontrará nunca razão que seja plausível.
Quando, finalmente, vemos que o último da lista, aquele que precisa de mais tempo para ganhar esses dois ordenados mínimos (22 horas contra 48 minutos e 48 segundos) é o Presidente da República de Portugal, então atinge-se mesmo a revolta absoluta. Ninguém pode aceitar, e muito menos compreender, que a mais alta figura do Estado, o vértice da pirâmide que é a referência maior para desenhar uma cartografia da relação trabalho/rendimento, tenha que trabalhar vinte e sete (27) vezes mais tempo do que a senhora jornalista para atingir o mesmo nível de vencimento.
Quem pode aceitar viver num país que trata assim a sua figura máxima e atribui ao seu esforçado desempenho tão manifesta inversão de valores?
Quem pode aceitar que haja um Estado que aceita, e pelos vistos considera justo, pagar o trabalho duma jornalista de televisão vinte e sete (27) vezes mais do que paga ao Presidente desse mesmo Estado?
Que país é este em que o Estado aceita pagar tão exagerada verba a uma das suas jornalistas e considera bastante a que paga à sua mais alta figura. E, pior ainda, o que distingue tais recompensas não é apenas o número 27, mas ainda um factor de extrema importância para se julgar tal injustiça ou tal crime social. È que a quem recebe mais, apenas lhe é pedido que faça uma tarefa definida, enquanto ao que recebe menos lhe é pedida disponibilidade total, não havendo nenhum segundo do dia em que esteja liberto da sua função e das suas obrigações.
Eu sei que esta injustiça, esta vergonha, este descaramento, não é só exclusivo da senhora jornalista em causa. Outras situações existem igualmente vergonhosas, não respeitantes ao foro privado, mas que, tal como no caso em apreço, têm a ver com o Estado. É este quem permite que se continuem a verificar os abusos e desmandos dos gestores públicos que com o argumento de que são pagos a peso de ouro para salvarem empresas em crise, não só as não salvam como ajudam a afundá-las mais e ainda se permitem atribuírem-se ordenados e prémios que, se olhados como na história em questão, nos farão gritar quando verificarmos que a esses iluminados senhores para ganharem os dois ordenados mínimos, lhes bastam uns segundos.
Quem diria que uma secção ultra light de uma revista séria, nos ia colocar perante problemas tão sérios e vergonhosos, quer para os beneficiários quer para quem lhes apara os golpes. Ou será que eles estão mesmo convencidos que valem assim tanto? Bom, aí já é um problema de psiquiatria.

Por mim, preferia que apenas se tratasse de um engano e que as contas tivessem sido mal feitas.
Mas, a ser verdade o que ali se lê, apetece-me dizer como um brasileiro muito sábio dizia – Mundo, pára aí que eu quero sair!