Em Junho de 1853, podia ler-se no Escholiaste Médico, prestigiado Jornal de Medicina Militar, considerado por alguns a melhor publicação médica portuguesa da época, que «o Governo apresentou às Câmaras a proposta de lei, que de há muito se acha feita, para organizar a classe dos pharmacêuticos militares d’aquelle modo que a justiça pede, e que nós todos desejâmos». Eram redactores do Escholiaste médico, nessa época e entre outros, os médicos militares António Gomes do Valle e José António Marques, que se encontravam entre aqueles que tinham pelos farmacêuticos grande estima e consideração, ao contrário de outros que, por um estranho e incompreensível sentimento de superioridade, vindo não se sabe de onde, baseado não se sabe em quê, consideravam a classe farmacêutica uma classe inferior, tal como consideravam a dos cirurgiões e que não viam com bons olhos a integração dos farmacêuticos no Serviço de Saúde Militar.
Apesar de em 1853, ter sido apresentada uma proposta de lei que de há muito se achava feita, como diz o Escholiaste Médico, a verdade é que tiveram que se passar seis anos para que essa proposta de lei saltitasse de Câmara para Câmara e conseguisse finalmente transformar-se em lei, criando um «megaquadro» de cinco farmacêuticos, cinco.
Sendo de prever que a escolha deste número não tenha sido a gozar com farmacêuticos e médicos, ficamos sem razões para compreender tão desajustado número. E não é preciso comparar o número de farmacêuticos militares existentes nos outros Países da Europa e ver a imensa desproporção entre eles e os portugueses, para se poder concluir quanto era ridículo este total de cinco, sobretudo se tivermos em conta que muito antes da criação do Quadro dos Farmacêuticos Militares, já esta classe se encontrava ao serviço e a ser paga pelo Exército e pela Armada, e em número que nada tinha a ver com este famigerado número cinco que longos anos se iria manter até ser ligeiramente alterado.
Por exemplo, no ano de 1814, o Aviso de 29 de Janeiro do Secretário da Guerra Pereira Forjaz e dirigido ao Físico Mor do Exército, José Carlos Barreto, aprova a proposta feita por este em 8 de Dezembro de 1813, para empregar mais farmacêuticos ou Boticários no Exército.
Nesse mesmo despacho é colocado como 1º Boticário do Exército, José Pedro da Costa e Aço e nos diversos Hospitais Militares são colocados Bernardo Cardoso de Carvalho (Hospital do Beato António), Manoel Joaquim Ribeiro de Paiva (Hospital de Santa Clara), Manoel Alves da Mota Garcia (Hospital da Cordoaria), Luiz Roiz da Silva e Costa (Hospital de Mafra), Timóteo Nepomuceno Gomes de Sousa (Hospital de Abrantes), João Baptista Garcia (Hospital de Elvas), Joaquim Maria Torres (Hospital de Coimbra), António José Martins (Hospital do Porto), João Leite Ferreira (Hospital de Almeida), João António Coelho (Hospital de Chaves), José Xavier de Magalhães e Brito (Hospital de Santander), Álvaro Pimentel Teixeira (Hospital de Victória) e António da Costa Araújo (Hospital de Bilbao).
Não é preciso ser muito dotado para as matemáticas para se concluir que, em 1814, estavam ao serviço do Exército 14 Boticários, praticamente o triplo daqueles que o Poder, quarenta e cinco anos depois, considerou necessários e suficientes. Talvez não possamos concluir com ligeireza que o Poder é sistematicamente estúpido e de vistas curtas. O jogo de interesses e a sensibilidade dos políticos, porque mais dirigida para as influências do que para as verdadeiras necessidades, terá conduzido a essa infeliz decisão de 1859. Mas e há sempre um mas, se foi infeliz ao estabelecer o ridículo número de cinco farmacêuticos, foi por outro lado feliz ao decidir estabelecer um Quadro para os Farmacêuticos e a dar-lhes o posto militar correspondente às suas funções.
Boticários ao serviço do Exército e da Armada, sempre houve. Muitas e variadas são as referências que se podem encontrar em documentos existentes no Arquivo Histórico Militar, Torre do Tombo e Biblioteca Nacional.
Mas antes de entrarmos nos mais remotos tempos em que há notícia de Boticários, deixem-me referir-lhes um facto curioso passado com um dos Boticários do Exército que fez a campanha do Roussillon, João Nepomuceno Pinto, que em 1793 auferia como vencimento 60:000 réis por mês, quantia não desprezível, se comparada com a de outros militares e a quem, por bons serviços prestados, o General Forbes mandou dar em 13 de Abril de 1794, uma gratificação de 60:000 réis. Mas este mesmo General Forbes, tinha mandado descontar-lhe algum tempo antes, em 28 de Janeiro, a importância de 34:720 réis pelo extravio de uma cavalgadura que lhe estava distribuída.
Se fosse hoje, seria que alguém a pagava? Quantos pagam hoje os estragos nos muitos cavalos das viaturas acidentadas e que lhes estão entregues?
Este farmacêutico apenas recebia 40:000 réis, sendo os restantes 20:000 réis levantados pela família na Tesouraria Geral das Tropas, tal como quase 200 anos depois, viria a suceder com a maioria dos militares que faziam a guerra do Ultramar e deixavam na Agência Militar parte dos seus vencimentos.
As Ordens de Serviço 41 e 55 deste ano traziam as instruções sobre os Corpos que iam ser destacados para o Ultramar e diziam que o Batalhão de Infantaria devia ter um Cirurgião Mor, um Cirurgião Ajudante e um Boticário e que este usaria a farda como a dos cirurgiões, mas com a gola verde.
Mas em 17 de Janeiro de 1806, já Sua Alteza Real tinha nomeado Joseph Pedro da Costa e Aço, 1º Boticário dos Hospitais Militares das Províncias do Norte, com um vencimento de 30:000 réis mensais, o que foi comunicado à Tesouraria Geral das Tropas do Norte. Em 1807, já era 1º Boticário do Exército, como se pode ler num ofício do Inspector do Hospital da Estrela dirigido ao Oficial Maior da Secretaria da Guerra, sobre drogas medicinais e num outro dirigido pelo Conde da Barca ao Marquês de Abrantes e em que se ordena que José Pedro da Costa e Aço marche para Elvas, para conferenciarem sobre a Botica do Hospital.
Atente-se neste último ofício que referi, para que sirva como exemplo do cínico paradoxo que sempre foi a relação do Poder com os subordinados. Quando estes fazem falta convocam-se e pergunta-se-lhes como, porquê e quando, mas se não lhes sentem a falta a memória encurta e o esquecimento instala-se.
A primeira notícia que se encontra de um Boticário ao serviço do Exército, data de 16 de Fevereiro de 1644, quando El-Rei D. João IV nomeia Luiz Gomes da Costa, Boticário da Gente da Guerra do Castelo de São Filipe da Ilha Terceira.
Mas esta nomeação cheira mais ao nosso 10 de Junho actual e à Chancelaria das Ordens, do que a uma decisão pensada e resultante da necessidade de criar esse lugar.
Sou levado a pensar isso, porque o Alvará que o nomeia refere que durante a guerra e até à restauração do Castelo, sempre Luiz Gomes da Costa forneceu todos os medicamentos necessários à conservação da saúde da Tropa, sem qualquer dispêndio da Tesouraria da mesma e à exclusiva conta e despesa daquele Boticário, do mesmo modo que sempre prestou serviço sem receber qualquer soldo.
E assim continuou, sempre sem soldo e apenas com a honra de ser Boticário da Gente da Guerra. Sempre sucedeu que aqueles para quem o dinheiro abunda, pensem que os outros possam viver só de honrarias. Felizmente que Luiz Gomes da Costa acumulava, dinheiro, honrarias e parece que honra, que seria o seu maior valor.
Poucos anos mais tarde, talvez porque os Boticários continuavam a fazer falta e não tinham o espírito generoso e desinteressado de Luiz Gomes da Costa, o Poder sentiu a necessidade de normalizar a situação, o que tentou fazer com a publicação da Lei de 11 de Abril de 1661, que se intitulava «Regimento porque se hão-de cobrar os novos direitos que se pagam nas Chancelarias» e em que se pode ler que médicos, cirurgiões e boticários dos Exércitos, ficavam isentos de pagar direitos, porque recebiam ordenados nas Vedorias Gerais do Exército, o que em meu entendimento significa claramente que estes eram considerados ao serviço do Exército e como tal terão sido os primeiros de que há notícia, pese embora eu ter encontrado uma referência respeitante a um António Alves de Vasconcellos, que teria sido também Boticário das Gentes da Guerra, mas que me deixa sérias dúvidas sobre a data em que desempenhou tal cargo, que poderá ter sido 1459 ou 1659, sendo impossível distinguir com segurança se se trata de um 4 ou de um 6, no documento que dele dá notícia.
Por Alvará de 10 de Junho de 1712, é nomeado Ambrósio Rosado, Boticário do Exército, enquanto durar a guerra, com a obrigação de «examinar os medicamentos que da Corte se remeterem e, sendo capazes, com eles andar na Campanha». Este Alvará encontra-se na Biblioteca da Exército, volume 2039 e também na Colecção Pombalina.
E em 1713, foi nomeado Boticário do Hospital do Castelo de S. Jorge, Leonardo da Costa Almeida, o que parece ter coincidido com a separação da Botica deste Hospital, da Botica da Corte, até aí juntas.
Conhecem-se os nomes de mais alguns Boticários que ali trabalharam, como Luiz da Maia Pinto e José Francisco Borralho, este último senhor de grande nomeada e muito respeitado pela sua preparação profissional, mas principalmente por ter introduzido em Portugal o uso da chamada Água de Inglaterra (que outros dizem ter sido introduzida por Fernão Mendes e o inglês Talbot) e que outra coisa não era que um preparado de casca de quina, conhecido também como vinho de quina.
Tenha sido ele o introdutor ou os outros dois já referidos, o certo é que foi José Francisco Borralho quem recebeu as honrarias, tendo sido louvado, recebido uma gratificação de 100:000 réis, que era bastante dinheiro e ainda conseguiu a aprovação da Junta do ProtoMedicato para o uso desse produto.
Sabe-se que a casca de quina já era conhecida desde 1632, em Espanha, para onde os jesuítas a levaram, razão porque passou a ser conhecida como pós dos jesuítas ou pós do Cardeal, referência ao Cardeal de Lugo, chefe dos jesuítas.
E em 1797, foi publicado um Regulamento do Serviço de Saúde que, embora não fale em qualquer quadro de boticários, se refere a eles e pela primeira vez como farmacêuticos e consigna a obrigação do farmacêutico escolher o local para a instalação da botica, o que sem sombra de qualquer dúvida e também sem sombra de pecado, significa que ali se mostrava consideração por uma profissão até aí muito desvalorizada, graças ao choque de duas classes que, não sendo concorrentes, se combatiam e em que uma se deixava subjugar por outra. Ficava assim a que subjugava com todos os louros e todo o poder consequente.
Os médicos desse tempo não tiveram a clarividência de verem que as classes se completavam. Apenas conseguiam pensar que não subjugar, era perder dinheiro e poder.
E se eu posso nesta altura e a esta distância, pedir desculpa por esses colegas, aqui as apresento com toda a sinceridade e não porque esteja na moda fazê-lo, como quando Helmut Kohl pede desculpa aos judeus por ter havido um Hitler e Goerings vários ou o Governo português pede desculpa da Inquisição e dos torresmos que fez.
Não, nada disso. Nós, médicos, fomos estúpidos e há que admiti-lo. E há que lembrar que o dinheiro, nesse tempo e hoje, conferia poder e que foi por isso que tudo isto sucedeu. Colocar o boticário na dependência total do médico, era um acto de poder e de poder ser mais rico. Não sei se me fiz entender.
Nada diferente do que se passa hoje quando assistimos à apresentação de notas de honorários impensáveis, para pagamento de actos médicos que se fazem pelo espelho, mas que, assim engrandecidos por tais números e cifrões, valorizam um acto insignificante e o transformam num grande acto salvador.
E sobre isto mais não digo, não vão alguns colegas, dos tais que assim fazem e que uns séculos antes desprezavam farmacêuticos e cirurgiões, criar uma nova Inquisição. E se outras razões não houvesse, bastava-me odiar e não suportar o calor, sobretudo quando é seco e crepitante. Sou decididamente da geração do ar condicionado, mas não das pessoas condicionadas a ideologias, crenças ou poderes.
O Regulamento de que falámos criou o chamado Dispensatório Geral do Exército, em substituição do Depósito Geral de Medicamentos do Exército. E alguns anos mais tarde, em 1805, novo Alvará manda estabelecer em Lisboa e em Coimbra, Dispensatórios Gerais dos Hospitais Militares, funcionando como depósitos de medicamentos simples e com laboratório próprio para a preparação dos medicamentos compostos.
Mas, mais importante do que isso, era o que lá se determinava sobre as obrigações do farmacêutico do hospital que «deveria fazer digressões botânicas nas estações próprias devendo colher as plantas medicinais conhecidas e que se desenvolvessem à volta do hospital, devendo fazer-se acompanhar dos ajudantes e praticantes que tivesse para assim, e de uma forma prática, os tornar capazes de conhecer as plantas medicinais. E, estabelecia que para além dessa aprendizagem fossem esclarecidos na forma de as colher, secar e conservar».
Apesar de em 1853, ter sido apresentada uma proposta de lei que de há muito se achava feita, como diz o Escholiaste Médico, a verdade é que tiveram que se passar seis anos para que essa proposta de lei saltitasse de Câmara para Câmara e conseguisse finalmente transformar-se em lei, criando um «megaquadro» de cinco farmacêuticos, cinco.
Sendo de prever que a escolha deste número não tenha sido a gozar com farmacêuticos e médicos, ficamos sem razões para compreender tão desajustado número. E não é preciso comparar o número de farmacêuticos militares existentes nos outros Países da Europa e ver a imensa desproporção entre eles e os portugueses, para se poder concluir quanto era ridículo este total de cinco, sobretudo se tivermos em conta que muito antes da criação do Quadro dos Farmacêuticos Militares, já esta classe se encontrava ao serviço e a ser paga pelo Exército e pela Armada, e em número que nada tinha a ver com este famigerado número cinco que longos anos se iria manter até ser ligeiramente alterado.
Por exemplo, no ano de 1814, o Aviso de 29 de Janeiro do Secretário da Guerra Pereira Forjaz e dirigido ao Físico Mor do Exército, José Carlos Barreto, aprova a proposta feita por este em 8 de Dezembro de 1813, para empregar mais farmacêuticos ou Boticários no Exército.
Nesse mesmo despacho é colocado como 1º Boticário do Exército, José Pedro da Costa e Aço e nos diversos Hospitais Militares são colocados Bernardo Cardoso de Carvalho (Hospital do Beato António), Manoel Joaquim Ribeiro de Paiva (Hospital de Santa Clara), Manoel Alves da Mota Garcia (Hospital da Cordoaria), Luiz Roiz da Silva e Costa (Hospital de Mafra), Timóteo Nepomuceno Gomes de Sousa (Hospital de Abrantes), João Baptista Garcia (Hospital de Elvas), Joaquim Maria Torres (Hospital de Coimbra), António José Martins (Hospital do Porto), João Leite Ferreira (Hospital de Almeida), João António Coelho (Hospital de Chaves), José Xavier de Magalhães e Brito (Hospital de Santander), Álvaro Pimentel Teixeira (Hospital de Victória) e António da Costa Araújo (Hospital de Bilbao).
Não é preciso ser muito dotado para as matemáticas para se concluir que, em 1814, estavam ao serviço do Exército 14 Boticários, praticamente o triplo daqueles que o Poder, quarenta e cinco anos depois, considerou necessários e suficientes. Talvez não possamos concluir com ligeireza que o Poder é sistematicamente estúpido e de vistas curtas. O jogo de interesses e a sensibilidade dos políticos, porque mais dirigida para as influências do que para as verdadeiras necessidades, terá conduzido a essa infeliz decisão de 1859. Mas e há sempre um mas, se foi infeliz ao estabelecer o ridículo número de cinco farmacêuticos, foi por outro lado feliz ao decidir estabelecer um Quadro para os Farmacêuticos e a dar-lhes o posto militar correspondente às suas funções.
Boticários ao serviço do Exército e da Armada, sempre houve. Muitas e variadas são as referências que se podem encontrar em documentos existentes no Arquivo Histórico Militar, Torre do Tombo e Biblioteca Nacional.
Mas antes de entrarmos nos mais remotos tempos em que há notícia de Boticários, deixem-me referir-lhes um facto curioso passado com um dos Boticários do Exército que fez a campanha do Roussillon, João Nepomuceno Pinto, que em 1793 auferia como vencimento 60:000 réis por mês, quantia não desprezível, se comparada com a de outros militares e a quem, por bons serviços prestados, o General Forbes mandou dar em 13 de Abril de 1794, uma gratificação de 60:000 réis. Mas este mesmo General Forbes, tinha mandado descontar-lhe algum tempo antes, em 28 de Janeiro, a importância de 34:720 réis pelo extravio de uma cavalgadura que lhe estava distribuída.
Se fosse hoje, seria que alguém a pagava? Quantos pagam hoje os estragos nos muitos cavalos das viaturas acidentadas e que lhes estão entregues?
Este farmacêutico apenas recebia 40:000 réis, sendo os restantes 20:000 réis levantados pela família na Tesouraria Geral das Tropas, tal como quase 200 anos depois, viria a suceder com a maioria dos militares que faziam a guerra do Ultramar e deixavam na Agência Militar parte dos seus vencimentos.
As Ordens de Serviço 41 e 55 deste ano traziam as instruções sobre os Corpos que iam ser destacados para o Ultramar e diziam que o Batalhão de Infantaria devia ter um Cirurgião Mor, um Cirurgião Ajudante e um Boticário e que este usaria a farda como a dos cirurgiões, mas com a gola verde.
Mas em 17 de Janeiro de 1806, já Sua Alteza Real tinha nomeado Joseph Pedro da Costa e Aço, 1º Boticário dos Hospitais Militares das Províncias do Norte, com um vencimento de 30:000 réis mensais, o que foi comunicado à Tesouraria Geral das Tropas do Norte. Em 1807, já era 1º Boticário do Exército, como se pode ler num ofício do Inspector do Hospital da Estrela dirigido ao Oficial Maior da Secretaria da Guerra, sobre drogas medicinais e num outro dirigido pelo Conde da Barca ao Marquês de Abrantes e em que se ordena que José Pedro da Costa e Aço marche para Elvas, para conferenciarem sobre a Botica do Hospital.
Atente-se neste último ofício que referi, para que sirva como exemplo do cínico paradoxo que sempre foi a relação do Poder com os subordinados. Quando estes fazem falta convocam-se e pergunta-se-lhes como, porquê e quando, mas se não lhes sentem a falta a memória encurta e o esquecimento instala-se.
A primeira notícia que se encontra de um Boticário ao serviço do Exército, data de 16 de Fevereiro de 1644, quando El-Rei D. João IV nomeia Luiz Gomes da Costa, Boticário da Gente da Guerra do Castelo de São Filipe da Ilha Terceira.
Mas esta nomeação cheira mais ao nosso 10 de Junho actual e à Chancelaria das Ordens, do que a uma decisão pensada e resultante da necessidade de criar esse lugar.
Sou levado a pensar isso, porque o Alvará que o nomeia refere que durante a guerra e até à restauração do Castelo, sempre Luiz Gomes da Costa forneceu todos os medicamentos necessários à conservação da saúde da Tropa, sem qualquer dispêndio da Tesouraria da mesma e à exclusiva conta e despesa daquele Boticário, do mesmo modo que sempre prestou serviço sem receber qualquer soldo.
E assim continuou, sempre sem soldo e apenas com a honra de ser Boticário da Gente da Guerra. Sempre sucedeu que aqueles para quem o dinheiro abunda, pensem que os outros possam viver só de honrarias. Felizmente que Luiz Gomes da Costa acumulava, dinheiro, honrarias e parece que honra, que seria o seu maior valor.
Poucos anos mais tarde, talvez porque os Boticários continuavam a fazer falta e não tinham o espírito generoso e desinteressado de Luiz Gomes da Costa, o Poder sentiu a necessidade de normalizar a situação, o que tentou fazer com a publicação da Lei de 11 de Abril de 1661, que se intitulava «Regimento porque se hão-de cobrar os novos direitos que se pagam nas Chancelarias» e em que se pode ler que médicos, cirurgiões e boticários dos Exércitos, ficavam isentos de pagar direitos, porque recebiam ordenados nas Vedorias Gerais do Exército, o que em meu entendimento significa claramente que estes eram considerados ao serviço do Exército e como tal terão sido os primeiros de que há notícia, pese embora eu ter encontrado uma referência respeitante a um António Alves de Vasconcellos, que teria sido também Boticário das Gentes da Guerra, mas que me deixa sérias dúvidas sobre a data em que desempenhou tal cargo, que poderá ter sido 1459 ou 1659, sendo impossível distinguir com segurança se se trata de um 4 ou de um 6, no documento que dele dá notícia.
Por Alvará de 10 de Junho de 1712, é nomeado Ambrósio Rosado, Boticário do Exército, enquanto durar a guerra, com a obrigação de «examinar os medicamentos que da Corte se remeterem e, sendo capazes, com eles andar na Campanha». Este Alvará encontra-se na Biblioteca da Exército, volume 2039 e também na Colecção Pombalina.
E em 1713, foi nomeado Boticário do Hospital do Castelo de S. Jorge, Leonardo da Costa Almeida, o que parece ter coincidido com a separação da Botica deste Hospital, da Botica da Corte, até aí juntas.
Conhecem-se os nomes de mais alguns Boticários que ali trabalharam, como Luiz da Maia Pinto e José Francisco Borralho, este último senhor de grande nomeada e muito respeitado pela sua preparação profissional, mas principalmente por ter introduzido em Portugal o uso da chamada Água de Inglaterra (que outros dizem ter sido introduzida por Fernão Mendes e o inglês Talbot) e que outra coisa não era que um preparado de casca de quina, conhecido também como vinho de quina.
Tenha sido ele o introdutor ou os outros dois já referidos, o certo é que foi José Francisco Borralho quem recebeu as honrarias, tendo sido louvado, recebido uma gratificação de 100:000 réis, que era bastante dinheiro e ainda conseguiu a aprovação da Junta do ProtoMedicato para o uso desse produto.
Sabe-se que a casca de quina já era conhecida desde 1632, em Espanha, para onde os jesuítas a levaram, razão porque passou a ser conhecida como pós dos jesuítas ou pós do Cardeal, referência ao Cardeal de Lugo, chefe dos jesuítas.
E em 1797, foi publicado um Regulamento do Serviço de Saúde que, embora não fale em qualquer quadro de boticários, se refere a eles e pela primeira vez como farmacêuticos e consigna a obrigação do farmacêutico escolher o local para a instalação da botica, o que sem sombra de qualquer dúvida e também sem sombra de pecado, significa que ali se mostrava consideração por uma profissão até aí muito desvalorizada, graças ao choque de duas classes que, não sendo concorrentes, se combatiam e em que uma se deixava subjugar por outra. Ficava assim a que subjugava com todos os louros e todo o poder consequente.
Os médicos desse tempo não tiveram a clarividência de verem que as classes se completavam. Apenas conseguiam pensar que não subjugar, era perder dinheiro e poder.
E se eu posso nesta altura e a esta distância, pedir desculpa por esses colegas, aqui as apresento com toda a sinceridade e não porque esteja na moda fazê-lo, como quando Helmut Kohl pede desculpa aos judeus por ter havido um Hitler e Goerings vários ou o Governo português pede desculpa da Inquisição e dos torresmos que fez.
Não, nada disso. Nós, médicos, fomos estúpidos e há que admiti-lo. E há que lembrar que o dinheiro, nesse tempo e hoje, conferia poder e que foi por isso que tudo isto sucedeu. Colocar o boticário na dependência total do médico, era um acto de poder e de poder ser mais rico. Não sei se me fiz entender.
Nada diferente do que se passa hoje quando assistimos à apresentação de notas de honorários impensáveis, para pagamento de actos médicos que se fazem pelo espelho, mas que, assim engrandecidos por tais números e cifrões, valorizam um acto insignificante e o transformam num grande acto salvador.
E sobre isto mais não digo, não vão alguns colegas, dos tais que assim fazem e que uns séculos antes desprezavam farmacêuticos e cirurgiões, criar uma nova Inquisição. E se outras razões não houvesse, bastava-me odiar e não suportar o calor, sobretudo quando é seco e crepitante. Sou decididamente da geração do ar condicionado, mas não das pessoas condicionadas a ideologias, crenças ou poderes.
O Regulamento de que falámos criou o chamado Dispensatório Geral do Exército, em substituição do Depósito Geral de Medicamentos do Exército. E alguns anos mais tarde, em 1805, novo Alvará manda estabelecer em Lisboa e em Coimbra, Dispensatórios Gerais dos Hospitais Militares, funcionando como depósitos de medicamentos simples e com laboratório próprio para a preparação dos medicamentos compostos.
Mas, mais importante do que isso, era o que lá se determinava sobre as obrigações do farmacêutico do hospital que «deveria fazer digressões botânicas nas estações próprias devendo colher as plantas medicinais conhecidas e que se desenvolvessem à volta do hospital, devendo fazer-se acompanhar dos ajudantes e praticantes que tivesse para assim, e de uma forma prática, os tornar capazes de conhecer as plantas medicinais. E, estabelecia que para além dessa aprendizagem fossem esclarecidos na forma de as colher, secar e conservar».
E já em 14 de Junho de 1816, tinha sido publicado novo Alvará em que se fixava o número de farmacêuticos do Exército e os seus vencimentos, sendo atribuídos 50$000 réis mensais ao 1º Farmacêutico, 24$000 réis mensais aos 2º Farmacêuticos, havendo um por cada Hospital e em número de seis, 15$000 réis mensais para cada um dos seis ajudantes de farmácia dos Hospitais de Divisão e o mesmo vencimento para aqueles que trabalhassem nos Hospitais que não fossem de Divisão. Medida que parecia sensata e conforme com as necessidades, mas que rapidamente deixou de ser executada, após a deliberação de 20 de Dezembro de 1821, elaborada por Borges Carneiro, a quem, provavelmente por isso, deram nome de rua, bem perto do Parlamento, por ter proposto e ter conseguido a aprovação da extinção dos Hospitais Militares do Beato António, Abrantes, Évora, Lamego, Porto e Chaves, criando os Hospitais Regimentais e ordenando que os medicamentos fossem fornecidos pelos farmacêuticos civis das localidades onde se situassem os Regimentos.
E assim se criou um bom negócio para as farmácias civis e um mau negócio para o erário público, medida pouco inteligente que, hoje em dia, se pretende pôr novamente em prática, segundo me consta. E o negócio era tão bom que se metiam empenhos vários para uma farmácia trabalhar, em exclusividade, para a Tropa.
Como exemplo, posso citar-lhes um caso curioso passado em Chaves, uma das cidades em que fecharam o Hospital Militar e que por sinal tinha em funcionamento a melhor Aula de Anatomia e Cirurgia, alfobre de bons cirurgiões.
Datado de 27 de Setembro de 1798, existe um ofício enviado por Joachim José Gomez de Abreu, a Luiz Pinto de Souza, Governador das Armas, em que lhe comunica que o Tenente Coronel do Regimento da Infantaria Real e Governador interino, juntamente com o Prior do Hospital se opõem à Real Provisão que determina que o abastecimento de medicamentos se faça na Botica de Manoel António Ferreira e o mandam fazer na Botica que ficou do antigo boticário defunto, Domingos Gomes de seu nome.
Veja-se o interesse que haveria por detrás disto, para que quem isto determinava se opor e não cumprir, deliberadamente, uma decisão real.
Em 12 de Novembro de 1825, é criado o Depósito de Medicamentos do Exército, mas reduz-se o número de farmacêuticos a três, o que redundou em completo fracasso do sistema. Este, apesar da criação do Quadro dos Farmacêuticos Militares em 1859, só se recomporia já no século XX, no ano de 1918, com a criação da Farmácia Central do Exército.
Mas foi a 16 de Abril de 1859, exactamente há 138 anos, que, assinado por El Rei D. Pedro e sendo Ministro da Guerra e Presidente do Ministério o Duque da Terceira, se publica a Lei que cria finalmente o Quadro dos Farmacêuticos do Exército. Nesta Lei só se fala em farmacêuticos legalmente habilitados e determina-se que será 1º Farmacêutico do Exército, por inerência, o Director do Depósito Geral de Medicamentos do Exército e todos aqueles que sendo 2º farmacêuticos tivessem dez anos efectivos de bom serviço.
Seriam farmacêuticos de 2ª classe todos aqueles que estivessem colocados nos Hospitais militares e também o praticante de farmácia do Depósito Geral de Medicamentos, quando tivesse habilitação legal, e só então, e se chamaria ajudante do director do depósito. E ressalvavam-se os direitos anteriores, contando-lhes o tempo de serviço já prestado, para efeito de reforma, em igualdade com os médicos militares.
Equiparava o 1º Farmacêutico aos cirurgiões mores, com a patente de capitão e o vencimento de 34$000 réis, já incluídos os 10$000 réis de gratificação. E os 2º Farmacêuticos, eram equiparados aos ajudantes de cirurgião, com a graduação de Tenente e o vencimento de 27$000 réis, sendo 5$000 réis de gratificação.
Em consequência da criação deste Quadro, coube a João Florindo da Silva ser o primeiro 1º Farmacêutico, embora tenha sido António Joaquim Labate o primeiro farmacêutico a usar galões. Sucedia, no entanto, que João Florindo da Silva dirigia já nessa data o Depósito de Medicamentos, razão por que, continuando no exercício dessas funções lhe competia, por inerência, ser o 1º Farmacêutico. Não chegou a gozar muito tempo esta graduação nesse cargo, por estar em curso o seu processo de reforma.
Seguiu-se nesse lugar António José Teixeira Emiliano. Quatro meses depois dá-se a promoção a 1º farmacêutico, de António Joaquim Labate, que passa a ocupar o lugar de Director e foi farmacêutico distinto, chegando a ser o Presidente da Sociedade Farmacêutica Lusitana.
Neste mesmo ano e com o atraso de alguns meses, a 20 de Outubro, é criado também o Quadro dos Farmacêuticos da Armada, em tudo semelhante ao do Exército, em graduações e vencimentos.
Foi preciso esperar até ao ano de 1884, para que o 1º Farmacêutico passasse a ter a graduação de Major, graças ao empenho do médico militar Manuel António da Cunha Belém, que na sessão de 10 de Maio de 1882, na Câmara dos Deputados, entre outras e acertadas coisas, disse:
«É esta uma classe scientífica que não tem protecção, que não tem apoio; os farmacêuticos militares são quasi considerados filhos espúrios no seio da corporação sanitária do exército. Eu porém não seguirei as ideias que tenho encontrado adoptadas por muitos dos meus collegas, dos mais distinctos; entendo que o pharmacêutico é um elemento activo, um elemento importante, sem o qual não se pode fazer boa medicina. Entendo que os pharmacêuticos militares são oficiaes scientíficos como os facultativos, como os artilheiros, como os engenheiros, como os do estado maior, enfim como todos os outros officiaes que têm um curso, e conseguintemente (sic) merecem todas as garantias que as leis lhes negam, concedendo-as a outros. Ora dá-se uma circunstância com relação a esta classe, e é que sendo o quadro muito limitado, sendo a sua vida muito sedentária, porque raras vezes têm de sair da sede das suas estações, há muito poucas vacaturas, de maneira que quando entram para o serviço militar é já n’uma idade avançada; entram já muitos aos quarenta anos e quem entra nesta idade para o serviço militar, dificilmente atinge os trinta e cinco anos de serviço para ter a reforma no posto imediato, na conformidade da lei. Acontece além disto, que o posto mais elevado que há naquela classe é o de capitão e por conseguinte esses funcionários não se podem reformar senão no posto de capitão com 24$000 réis. Ora 24$000 réis nas circunstâncias actuais, em vista da carestia dos géneros, equivale a morrer de fome e creio que o País não pode exigir que um funcionário que durante trinta anos lhes prestou o seu serviço com dedicação e probidade, morra de fome com 24$000 réis. É mister portanto atender a esta classe de funcionários, e crear pelo menos um posto de major, que será a porta aberta para as reformas nesse posto e a única garantia que esta classe tenha pelos serviços importantes que presta ao Estado. Ainda há pouco, um pharmacêutico militar muito distincto, que foi Presidente, creio eu, da Sociedade Pharmacêutica Lusitana e que prestou muitos bons serviços ao País, caiu doente gravemente; devia talvez ser reformado, mas a tolerância que adoça muitas vezes o rigor da lei, no nosso paiz, consentiu que continuasse na effectividade, porque se fosse reformado, tinha, como prémio de todos os seus serviços, de morrer na miséria e sem meios de subsistência».
Referia-se Cunha Belém, neste último parágrafo, a António Joaquim Labate, considerado, por alguns, o pai do Quadro dos Farmacêuticos Militares.
E a 27 de Maio de 1882, a proposta de Cunha Belém é convertida em Projecto de Lei, segundo o parecer de João Carlos Rodrigues da Costa, relator do parecer da comissão de guerra da Câmara dos Deputados.
Nesse parecer, escreveu que «o projecto de lei nº 175-C do senhor deputado Cunha Belém, atende principalmente a fazer elevar, na consideração do cargo exercido, e nas remunerações justamente alcançadas, uma classe pequena e desprotegida, porém de muita importância no exército, onde é a natural e indispensável auxiliar da benemérita corporação médico - castrense. O diminuto quadro de cinco farmacêuticos estatuídos na carta de lei de 16 de Abril de 1859, está claramente indicando que as condições de acesso e os demais benefícios concedidos aos outros quadros, são neste quase completamente desconhecidos. Por outro lado as habilitações scientíficas, impreterivelmente exigidas, a essencial aptidão do pharmacêutico, a responsabilidade do serviço que presta, estão impondo melhor retribuição e um justo incitamento, que tragam a esta classe quem nela seja verdadeiramente prestável à medicina militar, nos multiplices e arriscadíssimos lances em que esta última tem de ser um elemento essencial às forças combatentes. Havendo o Governo proposto recentemente, que na reorganização do corpo de saúde naval, ao pharmacêutico naval mais antigo, chefe da respectiva classe, se dê a graduação de capitão-tenente, aí se encontra egualmente provado já quanto convém estatuir análogo direito ao chefe da mesma classe no exército de terra».
E assim conseguiram os farmacêuticos passar a contar com o posto de major no topo da sua hierarquia, por projecto aprovado em 15 de Julho de 1882, tendo sido feita uma alteração à proposta inicial que estabeleceu como condição da promoção a major ter dez anos de bom e efectivo serviço. Mas, quando este projecto foi apreciado na Câmara dos Pares, sofreu nova emenda passando a ser de 25 anos a exigência para ser promovido a major.
De tudo quanto se transcreveu se pode concluir que o problema dos farmacêuticos militares começara a ser considerado e a caminhar para uma resolução favorável e proporcionada à sua importância e em que todos os intervenientes no processo pareciam estar de acordo.
Pois, mesmo assim, o parecer da Câmara dos Pares só seria dado com data de 14 de Junho de 1883 e só foi aprovado em 1 de Março de 1884 e passou a produzir efeito em 3 de Maio de 1884. A demora foi grande para um despacho sobre matéria tão pouco extensa.
Refira-se, como marco importante na vida dos farmacêuticos militares, o facto de ter sido este decreto o primeiro que legislava exclusivamente para os farmacêuticos e não aparecia em consequência de reformas do serviço de saúde.
Os portugueses são uma raça à parte. Em nenhum outra Nação sucederiam coisas semelhantes, já não digo iguais, às que a nós nos têm sucedido.
E ninguém se espante com a Estação Nova de Coimbra que só quando foi inaugurada se reparou que lhe faltavam as bilheteiras, razão porque ainda hoje lá estão, em madeira, quais quiosques. Que ninguém se espante que só quando se preparava a inauguração de uma piscina no antigo Estado da Índia alguém reparasse que a piscina estava feita mas não havia água, nem canalização....
A nossa história está cheia de factos assim e na história dos farmacêuticos militares, exactamente no último facto que referimos, um houve bem típico da maneira de ser portuguesa. A 3 de Maio de 1884 foi, de facto, aprovado o posto de major para o 1º farmacêutico militar, mas alguém se esqueceu não das bilheteiras nem da água, mas daquilo com que se compram os bilhetes ou a água da Companhia.
Ninguém se lembrou que era preciso estabelecer a gratificação a atribuir-lhe, já que ela era variável conforme as armas e serviços. E sucedeu que o feliz farmacêutico que teve a honra de ser o primeiro major do seu quadro, de seu nome Antero da Costa Oliveira, ficou a receber menos do que recebia quando era capitão, porque apenas lhe era pago o soldo e deixou de receber gratificação por não ter sido estabelecida.
Meses e meses se passaram até que esta situação fosse resolvida e não bastaram as reclamações do prejudicado, tendo sido necessário dar escândalo nos jornais e usar o simples argumento de que a promoção a major não lhe tinha retirado a sua condição de 1º farmacêutico e que sendo assim devia, pelo menos, receber a gratificação correspondente a esse cargo.
A 25 de Maio de 1911, já com as ideias e leis republicanas, o Quadro dos Farmacêuticos é alterado, aumentando o número de cinco para oito, criando um lugar de tenente coronel e dois de subalternos. A República parecia estar com os farmacêuticos e disposta a corrigir os erros que até ali a monarquia cometera.
E foi assim que, a 11 de Outubro de 1913, foi publicado um decreto que criava na 5ª repartição da Secretaria da Guerra uma secção farmacêutica, responsável pela superintendência do funcionamento dos serviços técnicos farmacêuticos do exército, pelos assuntos relativos ao material farmacêutico na parte administrativa e pelas relações de carácter técnico administrativo, sobre medicamentos, com os depósitos e estabelecimentos do serviço de saúde e nomeado seu chefe um tenente coronel farmacêutico, de seu nome Sebastião António Delrisco, que passados escassos quatro meses faleceu.
Mas, já anteriormente, em 27 de Setembro de 1913, tinha sido tomada uma importante medida, proposta pelo Ministro da Guerra João Pereira Bastos, que determinava que se acabasse com os concursos documentais para ingresso no quadro e se passasse a fazer depender esse ingresso de concurso de provas práticas, em número de quatro e em que para três das quais eram publicados antecipadamente vinte (20) pontos, dos quais seria tirado apenas um, à sorte, na data do concurso. As quatro provas consistiam em
--prova escrita sobre fermentos, assepsia e antissépsia e alterações e falsificações de medicamentos e alimentos,
-- prova de química com a realização de três análises, sendo uma de águas, outra de uma substância medicamentosa e outra de uma substância alimentar, sendo permitida a consulta de livros técnicos nestas provas.
-- prova de manipulação de dois preparados oficinais e aviamento duma fórmula magistral inscrita no Formulário dos Hospitais Militares.
-- prova oral, versando sobre o modo de execução das provas de química e de manipulação, sobre organização militar, serviço farmacêutico hospitalar e composição do material farmacêutico de campanha.
O Júri tinha voto secreto, metendo numa urna bolas brancas ou pretas, consoante votava a favor ou contra, tal como ainda hoje se usa nalgumas instituições que preservam a dignidade dos concursos, nomeadamente na carreira docente universitária. Havia a classificação em mérito absoluto e relativo.
Com o eclodir da primeira grande guerra foi fácil perceber e verificar que nada estava dimensionado para entrarmos num conflito como aquele. Poucos homens, sem preparação para a missão que teriam de desempenhar e, sobretudo, falta de estruturas que dessem resposta ao acréscimo seguro de pedidos de material e medicamentos.
Tratou-se logo de tentar resolver a situação e foi comprada uma casa na Rua de Campolide, 235, com jardim e horta e que tinha um preço bastante acessível de 14.500$00 escudos.
E em 25 de Novembro de 1917, o Ministro da Guerra, Norton de Matos, escreveu por seu próprio punho, um decreto em que mandava pôr em vigor um projecto já existente que criava a Farmácia Central do Exército, e a mandava instalar naquela casa acabada de comprar.
Mas, por atraso havido na publicação no Diário do Governo de 5 de Dezembro, como estava previsto, não chegou a entrar em vigor, por ter havido entretanto a revolução do dezembrismo que levou ao poder Sidónio Pais.
Acalmados os ânimos que a revolução levantara, e um pouco contra a vontade de Sidónio Pais, foi finalmente criada por decreto de 16 de Fevereiro de 1918, a Farmácia Central do Exército, com um quadro próprio, composto por 14 oficiais farmacêuticos, a colocar na sua sede, em Lisboa e nas suas sucursais de Coimbra e Porto.
E em 25 de Novembro de 1917, o Ministro da Guerra, Norton de Matos, escreveu por seu próprio punho, um decreto em que mandava pôr em vigor um projecto já existente que criava a Farmácia Central do Exército, e a mandava instalar naquela casa acabada de comprar.
Mas, por atraso havido na publicação no Diário do Governo de 5 de Dezembro, como estava previsto, não chegou a entrar em vigor, por ter havido entretanto a revolução do dezembrismo que levou ao poder Sidónio Pais.
Acalmados os ânimos que a revolução levantara, e um pouco contra a vontade de Sidónio Pais, foi finalmente criada por decreto de 16 de Fevereiro de 1918, a Farmácia Central do Exército, com um quadro próprio, composto por 14 oficiais farmacêuticos, a colocar na sua sede, em Lisboa e nas suas sucursais de Coimbra e Porto.
Mas se a lei de 21 de Agosto de 1917, aumentou o quadro para dez farmacêuticos militares e a criação da Farmácia implicava mais 14, não se pense que o número de farmacêuticos militares passou para vinte e quatro. Só em 10 de Maio de 1919, a situação se normalizou e o Quadro passou a contar com 48 oficiais, sendo 2 Coronéis, 4 Tenentes Coronéis, 6 Majores, 12 Capitães e 24 Subalternos.
Agrada-me, como flaviense e amigo da família, que um dos subscritores deste Decreto tenha sido o Ministro António Granjo, que passado algum tempo foi primeiro ministro e barbaramente assassinado na cama.
E este Decreto 5.787, dizia entre outras coisas que os orgãos de funcionamento do serviço farmacêutico militar eram:
-A Inspecção Geral do Serviço farmacêutico
-A 7ª Repartição da 2ª Direcção Geral da Secretaria da Guerra
-A Farmácia Central do Exército, as sucursais de Coimbra e Porto, as delegações dos hospitais militares e cantinas farmacêuticas
-Estabelecimentos militares onde sejam precisos os serviços farmacêuticos
Repare-se que, pela primeira vez, se fala em Serviço Farmacêutico Militar e se cria o lugar de Inspector Geral do Serviço Farmacêutico do Exército que será também o chefe da 7ª Repartição.
É assim que está escrito e não pela ordem inversa, como seria de supor. E atribui-se-lhe o posto de Coronel, determinando que o Inspector Geral ficava directamente subordinado ao Quartel Mestre General, podendo corresponder-se com ele directamente, em tudo quanto dissesse respeito ou se relacionasse com a preparação da guerra e ao Ministro da Guerra em todos os outros assuntos, o que era de grande importância para o serviço farmacêutico pela autonomia que assim lhe era concedida.
Na Farmácia Central do Exército eram criadas quatro secções:
-- A 1ª era a encarregada das análises farmacêuticas, bromatológicas, toxicológicas e outras.
-- A 2ª era responsável por esterilizações e preparação de pensos.
-- A 3ª era responsável pelas preparações farmacêuticas
-- A 4ª tratava da recepção, armazenagem e expedição.
Curiosamente, e um pouco à maneira do que hoje está em moda fazer no sector público, não se entregava a direcção da Farmácia Central do Exército a um director, mas a um Conselho Gerente, composto pelo director, subdirector e tesoureiro, servindo este último de secretário.
Outro facto curioso é a autorização conferida ao Director de contratar pessoal civil, de qualquer dos sexos, o que prova que ainda não existia o BCP, nem a Farmácia estava dele dependente. Chama-se a isto dedução histórica sobre erro histórico.
Já vai longa esta charla. Particularmente longa, por nada vos ter trazido de novo, senão uma interpretação muito pessoal dos factos já conhecidos, mas não suficientemente interessante para manter desperto o auditório.
Tivesse eu tido o tempo suficiente, bem como o cuidado necessário no alinhavar destas linhas, e o respeito que todos vós me merecem sempre presente e outro galo teria cantado, suficientemente ruidoso para os manter despertos. Mas não se podem fazer omoletas sem ovos e muitos dedos meti nos sítios próprios, sem que nada tivesse encontrado.
Não sei se basta pedir-vos desculpa por tão pobres e desajustadas palavras.
Só vos peço que não façam auto de fé, mesmo que vos apeteça, porque isso, sinceramente, também não mereço, nem sou tão culpado assim.
(Palestra proferida em 16 de Abril de 1997, no Laboratório Militar, por ocasião da comemoração do 138º aniversário do Quadro de Farmacêuticos do Exército)
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