quinta-feira, agosto 31, 2006
oito reflexões sobre a capicua
quarta-feira, agosto 30, 2006
e, se eu vos contasse? – 35º programa – história da medicina tropical
e, se eu vos contasse? – 34º programa – a história da medicina em pintura
O primeiro painel, tem como figura central Esculápio e representa o início da História da Medicina ou a chamada «Medicina religiosa».Esculápio, ou Asclépio segundo os gregos, foi considerado como filho de Apolo, o pai da Medicina. Na sua mão direita detém um bastão, símbolo do poder e a seus pés, o galo, símbolo da vigilância. Na mão esquerda, a serpente, símbolo da prudência e dos poderes ocultos e a seus pés, a taça, representando a terapêutica. No painel da direita, Esculápio aparece acompanhado de suas filhas Jaso e Panaceia, curando um cego, representado por Pluto, deus da riqueza e que por ser cego não distribui bem a riqueza. Esculápio dá-lhe a vista, para ele fazer uma distribuição correcta da riqueza. O painel da direita, mostra doentes agradecidos a Esculápio. À Medicina religiosa, segue-se «O início da Ciência», em que a figura central representa Pitágoras, o primeiro filósofo que também foi médico.Pitágoras encontra-se acompanhado por importantes filósofos, como Tales de Mileto, logo à sua direita, considerado um dos sete sábios da Grécia e para o qual a substância primordial é a água. A seu lado, Anaximandro, que defendia o poder das forças opostas (calor e frio, seco e húmido), Anaximenes, para quem a substância fundamental era o ar e Heráclito que centrava no fogo o poder primordial. Pitágoras acreditava na imortalidade e transmigração da alma, mas, por outro lado, lançou as bases da matemática e da geometria, concluindo que «tudo é número» e neste «tudo» englobava o universo, cuja harmonia dependia dos números. Desta teoria, nasceu a ideia dos «dias críticos», muito usada em medicina. Teve vários seguidores, neste painel representados à nossa direita, como Alcmeon de Crotona e Filolau de Tarento. O grande painel seguinte, representa no seu centro, Hipócrates, o homem que liberta a medicina da magia e da religião e corresponde à «Medicina Científica».Corresponde à época em que a medicina caminha para se transformar em ciência, embora ainda muito primitiva, em si. À direita de Hipócrates estão representados nomes grandes da filosofia, da medicina e da botânica, como Empédocles de Agrigento, defensor da teoria dos quatro elementos (ar, água, terra e fogo) Demócrito e a sua teoria atomista, Platão, o filósofo que fundou a Academia, Aristóteles, o introdutor do método experimental e criador do Liceu e Teofrasto de Éfeso, considerado o primeiro grande botânico da Antiguidade. Ao lado esquerdo de Hipócrates são representados médicos importantes das Escolas de Cós, Cnide e Alexandria, como Erasistrato de Cós, considerado o fundador da fisiologia e Herófilo da escola de Alexandria e que estudou a anatomia do cérebro e criou os termos duodeno, próstata, osso hióide, para sempre. Hipócrates viria a aproveitar a teoria dos quatro elementos de Empédocles e a criar a teoria dos quatro humores, defendendo que o homem é constituído por partes líquidas e partes sólidas, sendo as líquidas o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra, resultando do equilíbrio destes humores o estado de saúde ou crase. São desta época da medicina científica, os periodeutas, médicos que percorriam a Grécia de ponta a ponta, tratando os doentes e ensinando. Periodeuta, em grego, significa «eu percorro». O painel seguinte é dedicado por Veloso Salgado, à «Medicina na Idade Média» e tem como figura central o ilustre médico que foi Galeno.São várias as figuras ilustres aqui representadas, mas chamo a atenção especial para duas delas, que representam Celso e Dioscórides. Celso ainda hoje é recordado pelos seus quatro sinais, do calor, rumor, tumor e dor, quando se trata de infecção. Dioscórides foi médico dos exércitos de Nero, mas foi como botânico e farmacologista que se notabilizou. Galeno foi a primeira figura incontestada daqueles tempos, tendo escrito mais de 500 livros e estabeleceu uma doutrina para a circulação sanguínea que perdurou até Harvey. Destaco também Paulo de Egina e Alexandre de Talles. O facto de a Idade Média ter sido uma época altamente perturbada e cheia de conflitos, levou a uma certa estagnação da medicina e grave teria sido o futuro da medicina, se não tivessem aparecido aqueles que a preservaram e transmitiram aos vindouros. Refiro-me aos árabes, que Veloso Salgado, resolveu pintar em dois painéis, cada um de seu lado da mesa da presidência desta Sala de Actos e que dedicou à «Medicina Árabe». No painel da esquerda estão representados, as figuras mais importantes da chamada Escola de Córdova ou escola do ocidente, que foram Abulcasis, Avenzoar e Maimónides, não estando representado Averróis, discípulo destes últimos, e que foi muito ilustre. No painel da direita está representada a escola do oriente ou Escola do Cairo e Bagdade. Neste painel sobressai a importante figura de Avicena, considerado o expoente máximo da medicina árabe. Juntamente com Avicena, podem ver-se as figuras de Razés e de Mesué e Msué o Novo, ali colocados para marcarem bem a importância da farmácia na medicina árabe. E com a chegada ao século XVI, Veloso Salgado dedica-lhe o painel seguinte, que chama de «Medicina da Renascença».Destaca-se em posição central e avançada, Harvey, que comprova e descreve correctamente pela primeira vez a circulação sanguínea, no seu livro «Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animabilus», já no século XVII. Entre os vários e ilustres médicos representados neste painel, destaco as figuras de Vesálio, que com o seu conhecido livro «De Humani Corporis Fabrica», ilustrado por um aluno de Ticiano, revela de uma forma sistematizada e moderna a anatomia do corpo humano, Malpighi, Fabrício d’Aquapendente, Paracelso, nome que adoptou e que gostava de ser assim chamado, por se considerar, e a palavra significar, «acima de Celso» e Ambroise Paré, o pai da cirurgia e de quem várias vezes falei ao longo dos meus programas. Lembro apenas os nomes de Eustáquio e Falópio que deixaram para sempre os seus nomes ligados à anatomia e chamo também a atenção para Leeuwenhoek, que ao usar correntemente o microscópio, contribuiu fortemente para que nos séculos seguintes, a medicina pudesse dar importantes passos em frente. Passos e figuras essas que Veloso Salgado pintou no painel chamado «A Medicina dos séculos XVIII e XIX».É este o painel mais preenchido e que contém mais figuras ilustres, que ajudaram a escrever as páginas notáveis da História da Medicina. Num programa deste tipo, de tempo marcado e curto, torna-se impossível dar o realce merecido a todos eles e muito menos dizer sobre cada um deles, um centésimo do que eles mereciam que fosse dito. Cabe-me o ingrato papel de decidir o que dizer e sobre quem, de modo a que pelo menos consiga transmitir aos telespectadores, um pouco do que foi esta época gloriosa da história da medicina. Começarei por falar-vos em primeiro lugar da figura central do painel que, seguramente, será a figura mais conhecida de todos vós, até porque o seu nome está intimamente ligado a um processo cuja referência é visível no dia a dia das donas de casa, quando compram certos produtos, nomeadamente leite. Refiro-me a Pasteur e aos produtos pasteurizados. Este ilustre homem fundou a bacteriologia, descobriu bactérias e fungos, descobriu as vacinas, entre muitas outras coisas, de que não valerá já a pena falar. Dos outros 18 que aqui estão representados, chamo especial atenção para Koch, o homem que descobriu o bacilo da tuberculose, Charcot, o fundador da neurologia e da neuropsiquiatria, Claude Bernard, o introdutor do método experimental na fisiologia, o cirurgião Dominique Larrey, que já vos referi no programa que fiz sobre as amputações e as próteses, Laenec, o descobridor do estetoscópio e Billroth, cirurgião ilustre e de quem ainda hoje se executam algumas técnicas cirúrgicas por si criadas e descritas. Nomeio ainda Lister que lançou a ideia de antissépsia e Jenner a quem se ficou a dever a vacina contra a varíola. É com este painel que termina a descrição pictórica da História da Medicina ao longo dos tempos, sendo conveniente que não se esqueçam que eu disse, no início do programa, que as pinturas de Veloso Salgado estão datadas de 1906, e não poderiam assim ter figuras do século XX. Há contudo um outro painel e para nós de grande importância e que foi intitulado de «Os Portugueses».Parece ter sido o painel que gerou mais controvérsia, pois havia quem defendesse que todas as pinturas da Sala de Actos deviam representar médicos portugueses, mas Veloso Salgado terá vencido e pintou os portugueses apenas num painel, por cima da porta que dá acesso à Sala de Actos. A figura central é Garcia de Orta, que dá a sua direita a figuras como Manuel Constâncio, assim chamado pela sua constância, a sua persistência em atingir os objectivos que se propunha. Nascido pobre, começou como barbeiro, mas conseguiu estudar e ser sangrador e depois disso cirurgião e passados seis anos era já o regente de Anatomia, acabando por ser cirurgião da família real, tendo aproveitado essa posição para conseguir obter da rainha bolsas para enviar discípulos seus a aprender em Londres e Edimburgo. Foi reconhecido como o restaurador da cirurgia em Portugal. Ribeiro Sanches, que perseguido pela Inquisição saiu de Portugal e correu toda a Europa, tendo sido médico de Catarina II da Rússia e primeiro médico dos Exércitos Imperiais. Escreveu vários livros, de que destaco o importante contributo que deu para a saúde em Portugal, com o seu livro «Método prático para aprender e estudar a Medicina». Manuel Bento de Sousa, foi cirurgião do Hospital de S. José e Lente de Cirurgia e Anatomia, tendo desenvolvido intensa actividade paralela, como escritor, cronista e interventor social e político de nomeada. Câmara Pestana, foi professor de Higiene, Medicina Legal e Anatomia Patológica da Escola de Lisboa, tendo sido o chamado Instituto Bacteriológico de Lisboa criado propositadamente para ele poder trabalhar e dar seguimento aos seus trabalhos. Morreu na cidade do Porto, onde combatia uma epidemia de peste bubónica, infectou-se e disso morreu. Sousa Martins, foi o médico de mais nomeada do seu tempo e dele já falei em programa que lhe foi dedicado. Do lado esquerdo de Garcia de Orta, estão representados Amato Lusitano, de quem já falei conjuntamente com Garcia de Orta, no programa sobre Médicos judeus e a Inquisição e foi o médico português mais destacado do século XVI. Zacuto Lusitano, outro médico perseguido pela Inquisição e que também fugiu de Portugal e é considerado o médico português mais importante e destacado do século XVII. Ambrósio Nunes, foi autor de um «Tratado sobre a Peste», em que responsabilizava como causadores da doença, fenómenos naturais, como o terramoto ou a passagem de um cometa por Lisboa, era apesar disso, professor de medicina na Universidade de Coimbra e depois na de Salamanca, o que mostra bem o grau de atraso que ainda se vivia naqueles tempos. Lourenço da Luz, cirurgião de renome, foi Enfermeiro Mor do Hospital de S. José e foi Presidente da Câmara de Lisboa, deputado, par do Reino e Conselheiro de Estado e espantem-se director do Banco de Portugal. Os tempos eram outros e a vida calma que se vivia permitia estes luxos de dupla actividade. Ser bom cirurgião, ser político e financeiro. Por fim, António Almeida., cirurgião ilustre, considerado o renovador da técnica cirúrgica e que foi um dos beneficiados com as bolsas que Manuel Constâncio tinha conseguido.
Estas imagens foram retiradas do trabalho «Viagem pela Medicina com as pinturas de Veloso Salgado», de José Luís Dória.
domingo, agosto 27, 2006
e, se eu vos contasse? – 31º programa – história das amputações e das próteses
e, se eu vos contasse? – 33º programa – história de um médico e do seu culto
Dirão que já vos falei de alguns médicos e não será esta a primeira vez que o vou fazer. Falei, sim, mas de outra maneira. Se, por exemplo, vos falei de Amatus Lusitanus e de Garcia de Orta, foi porque o programa tratava da história de médicos judeus e da Inquisição e não deles em especial. Hoje o que vos vou contar é apenas a história de um médico e só dele. Vou falar-vos de Sousa Martins, mais exactamente de José Tomás de Sousa Martins, nascido em Alhandra, a 7 de Março de 1843 e que viria a morrer 54 anos depois, a 18 de Agosto de 1897, data em que foi sepultado no cemitério da sua terra natal. E se disto vos falo logo de início, é porque me parece importante que fiquem desde já assentes alguns factos, os quais são, não ter nascido em cidade onde pudesse estudar, ter nascido em família humilde, filho de um carpinteiro, ter tido uma vida muito curta, apanhado que foi por contágio de doentes tuberculosos que tratava e ter na sua morte regressado às suas origens, mesmo depois de ter atingido a maior notoriedade.Sousa Martins fez apenas a instrução primária na sua terra natal, pois partiu logo de seguida para Lisboa, para casa de um tio, de seu nome Lázaro Pereira e boticário de profissão e lucro já que era dono da Farmácia Ultramarina. Como disse o nosso ilustre colega e historiador Augusto da Silva Carvalho, este Lázaro Pereira foi mais boticário do que tio para a criança que era Sousa Martins, quando este se albergou em sua casa e teve que pagar com o seu trabalho quase escravo, a cama e a comida que o tio lhe dava. Apesar do pouco tempo que lhe restava do seu ofício de marçano e de criado da botica, Sousa Martins conseguiu ir estudando com regularidade e aplicação e sobretudo com a facilidade e o gosto que o acompanharam toda a vida. Em 1860, já fazia o seu primeiro exame na Escola Politécnica, onde tirou Física, Química, Zoologia, Química Orgânica e Análise Química. Cumulativamente frequenta o curso de Medicina a partir de 1861 e termina o curso de farmácia em 1864 e o de medicina em 1866, tendo obtido prémios em todas as cadeiras. Logo após o curso e sem ter ainda clínica, começou a dar aulas de Física, Química e História Natural no Colégio da Conceição, no Convento das Bernardas e onde continuou a exercer clínica, tempos depois. Mas logo em 1868, apenas dois anos depois da sua licenciatura, concorre ao lugar de demonstrador da Escola Médica, opondo-se a Silva Amado e vencendo-o, tornando-se num caso único na história daquela Escola Médica, onde até aí não houvera ninguém tão novo, com apenas 25 anos de idade, a aceder ao magistério de uma escola superior. Entretanto, fora criada a cadeira de Patologia Geral, até ai associada à Patologia Interna.Sousa Martins irá ser o seu proprietário daí para a frente, depois do seu titular inicial, o cirurgião Joaquim Teotónio da Silva, alterando o programa que este estabelecera e juntando-lhe Semiologia e História da Medicina. Como professor da Escola Médica sempre foi considerado demasiado teórico, crítica que também lhe era feita, enquanto clínico. Mas, todos os que se lhe referem, enaltecem a grande capacidade para interessar os alunos nas matérias a dar, pela sua eloquência e pela amabilidade, afecto e delicadeza com que tratava os alunos, qualidades que também lhe são reconhecidas em relação aos seus pares. Sousa Martins era sociável, mas ao mesmo tempo avesso a festas e à vida social vazia e enfatuada. Quando Sousa Martins inicia a sua vida clínica, talvez não soubesse como ela lhe iria absorver todo o tempo e iria ter características de tão grande intensidade. A sua clientela era especialmente do bairro da Bica, mas passado algum tempo cobria toda Lisboa, rica e pobre. Aliás uma das características de Sousa Martins era dar muitas consultas gratuitas e não digo todas, porque não se perceberia como, não recebendo honorários de ninguém, tinha dinheiro para distribuir por uns e outros. Sousa Martins estava sempre pronto a ajudar o próximo, era um perfeito filantropo e todos sabiam que em estado de aflição podiam bater-lhe à porta que ele os ajudaria. Seria essa característica que, conjuntamente com a sua eficácia clínica, levaria a que se começasse a tecer a teia da sua fama, apesar de muitos acharem que ele era ríspido, seco e duro nas relações com os doentes, contrariamente à sua postura em relação aos alunos, colegas e familiares. Sousa Martins vivia modestamente juntamente com sua mãe e irmãs. Houve quem se apresentasse como seu filho, mas essa questão nunca foi esclarecida e Sousa Martins sempre negou que tivesse um filho. Sousa Martins foi um percursor em várias e importantes coisas. Foi ele que, conjuntamente com alguns colegas, fundou a Casa de Saúde Lisbonense, situada em Campo de Ourique e que durou 21 anos, dando lugar a uma outra, a Policlínica de Lisboa, instalada no Palácio dos Condes de Redondo, a Santa Marta, que se destinava a dar consultas gratuitas e que durou apenas três anos e sempre sem grande afluência, o que é inexplicável, dada a fama de Sousa Martins e o facto de ser gratuita. Foi fundador da Sociedade de Geografia, da Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha e do Jardim Zoológico e foi Presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, académico da Academia Real das Ciências, como teria sido presidente da Associação dos Médicos Portugueses, a Ordem dos Médicos de então, se não tivesse morrido um ano antes da sua criação. Foi sócio efectivo da Sociedade Farmacêutica Lusitana, logo após a sua formatura em farmácia e no pouco tempo em que aí desenvolveu actividades, fez muitas e variadas coisas, destacando-se de todos os confrades. Entre essas coisas, conseguiu vencer as dificuldades que havia com os chamados medicamentos de segredo, tendo conseguido que eles não fossem desalfandegados e participou activamente na redacção da Farmacopeia Portuguesa. Teria sido ele o primeiro a usar bata branca no seu serviço do hospital, a que alguns chamavam guarda pó… Ajudou a recuperar o prestígio perdido da Sociedade das Ciências Médicas, embora não tenha sido ele o único responsável dessa recuperação. A sua influência junto do Governo e do Rei, levou a que a Sociedade de Ciências Médicas começasse a ser consultada regularmente sempre que havia problemas graves de saúde pública. Representou o nosso país em vários congressos internacionais e conseguiu impôr-se como homem de ciência, impressionando lá fora como impressionava aqui com os seus manifestos dotes de orador, que muitos gostariam de ter visto aplicados à política, o que sempre recusou. Escrevia quase tão bem como falava, mas a sua obra não foi tão importante como foi a sua acção. Quando morreu, o celebrado Manuel Bento de Sousa, à frente de uma comissão para esse fim constituída, puseram em marcha a construção de uma estátua que perpetuasse o nome e a obra de Sousa Martins. O rei associou-se e deu importante verba e em 1900 foi inaugurada uma estátua da autoria de Queiroz Veloso, prestigiado artista dessa época e que esculpiu Sousa Martins sentado na sua cátedra, um pouco inclinado para a frente, de braço esticado, como se estivesse dando uma aula. As pessoas não gostaram e a troça instalou-se, o que levou a que essa estátua desaparecesse e fosse substituída pela que agora continua a perpetuar a sua vida em frente à Escola Médica do Campo de Santana. Foi inaugurada em 1904 e da autoria de um artista menos conhecido, Costa Mota.Contra esta ninguém protestou. Foi então que nasceu este culto que ainda hoje se mantém, e cada vez mais intenso, que de uma forma incompreensível transformou um homem de ciência num milagreiro, tal a crendice das pessoas que lhe pedem milagres como se fosse santo e lhe têm devoção profunda.Esta devoção deverá ser alimentada por aqueles que sempre vivem à custa de outros, sem esforço e sem mérito. Todos aqueles que viram neste culto a Sousa Martins o negócio chorudo da fabricação de estampas, de bustos, de ex-votos e na venda de flores, um magnífico negócio e não um objecto de beleza.Sousa Martins não deve ser visto desta maneira. Deve ser recordado como foi e como actuou e como continua nas páginas da história da medicina portuguesa. O Hospital de São José conserva várias peças que pertenceram a Sousa Martins e que criam sempre interesse público sempre que são mostradas nalguns eventos médicos. Tivesse sido mais um teórico do que um prático, mais mal encarado e rude do que cortês, como alguns dizem, psicopata ou degenerado superior como alguns inimigos ou invejosos lhe chegaram a chamar, o certo é que Sousa Martins foi um médico ilustre, um percursor, um orador, um perito, um professor, um académico, um congressista, um filantropo e sobretudo um romântico. Como disse Augusto Silva Carvalho, é nesse ser romântico que se concentram todas as facetas de Sousa Martins. Ali coabitam a eloquência, fantasia, amor da família, dos humildes, crianças, árvores, flores, animais, música e belas letras, caridade, desinteresse, sensualidade e ciúme, elogios e hipérboles, arrogância e teimosia, brio e zelo, sacrifício e dignidade. Dele, disse Manuel Bento de Sousa – homem ilustre, porque ajuntou em si as duas bases de todo o enobrecimento – foi brilhante e útil.
sexta-feira, agosto 25, 2006
e, se eu vos contasse? – 32º programa – história do hospital real da luz
quarta-feira, agosto 23, 2006
e, se eu vos contasse? – 30º programa – história dos médicos judeus e a inquisição
Já num programa anterior me referi a Garcia de Orta e dele disse o que agora vos quero repetir. Nasceu em Castelo de Vide, no ano de 1500, licenciou-se em Medicina em Espanha, onde frequentou as Universidades de Salamanca e Alcalá de Henares, exerceu algum tempo na sua terra natal e depois em Lisboa, onde foi professor da Universidade e depois, muito novo, em 1534, embarcou na nau de Martim Afonso de Sousa a caminho da Índia, onde conheceria Camões e onde escreveria a sua obra ímpar «Colóquios dos simples e das cousas medicinais da Índia....», com a permissão expressa e licença censória dada pelo muito reverendo Senhor, o licenciado Alexos Diaz Falcão, desembargador da Casa da Suplicação, Inquiridor nestas partes... Os colóquios foram escritos de uma forma exactamente coloquial, em que Garcia de Orta conversa com um personagem inventado, o Dr. Ruano e com o médico Dimas Bosque, licenciado por Valência. Esta obra teria sido condenada ao esquecimento, por ter sido escrita em língua portuguesa, não tivesse sido o interesse e o cuidado do botânico belga Charles de l’Écluse em a difundir em toda a Europa, através de uma tradução que cuidadosamente fez, tendo desse modo, tornado os Colóquios no famoso livro em que se tornou, com mais de cinquenta edições nas mais variadas línguas. Disse-vos também nessa altura, mas não será de mais repeti-lo, que o primeiro poema impresso de Camões foi aquele que escreveu ao Conde de Redondo, Vice-Rei da Índia, intercedendo pelo apoio oficial para aquela magnífica obra
"Favorecei a antigua Sciencia / que já Achiles estimou; / Olhai que vos obrigua, / Verdes que em vosso tempo se mostrou / O fruto daquella Orta onde florecem Prantas novas, / que os doutos não conhecem. / Olhai que em vossos annos / Produze huma Orta insigne varias ervas / Nos campos lusitanos, / As quaes, aquellas doutas protervas / Medea e Circe nunca conheceram, / Posto que as leis da Magica excederam"
Só quero voltar a dizer-vos porque isso se prende com o tema de hoje, que depois de Garcia de Orta ter morrido em 1568, no dia 4 de Dezembro de 1580, doze anos depois da sua morte, foram os seus ossos mandados desenterrar na cidade de Goa, pela chamada Santa Inquisição e queimados em praça pública, juntamente com todos os exemplares encontrados dos Colóquios. Chamava-se «Santa» Inquisição a entidade mandadora de tal crime.
Encontro-me em Castelo Branco, ao lado desta estátua que perpetua a memória deste filho ilustre da cidade onde nasceu em 1511, com o nome de João Rodrigues. Passados alguns anos passaria a João Rodrigues de Castelo Branco, associando para sempre o nome de sua terra, ao seu. João Rodrigues de Castelo Branco viria a ser o médico português mais ilustre e famoso do século XVI, celebrado em todo o mundo com o nome de Amatus Lusitanus, mais uma vez integrando no seu nome a sua origem, agora a sua pátria.
Pensa-se que o nome Amatus resultou de uma derivação latina da palavra hebraica Habib, nome de sua família e que significava querido, dilecto. Nascido numa família de posses pode estudar e licenciar-se em medicina na Universidade de Salamanca. Depois de ter terminado o curso, João Rodrigues de Castelo Branco nunca mais parou. Regressou a Portugal no fim do curso, mas por pouco tempo, cedo se apercebendo que tinha que abandonar o país, antes que a Inquisição tomasse conta dele e o enviasse para uma qualquer fogueira de um qualquer auto de fé. Com a idade de 23 anos, em 1534 portanto, já vivia em Antuérpia, onde rapidamente conseguiu notoriedade e publicou 2 anos depois o seu primeiro livro o «Index Dioscoridis», que ainda não foi assinado com o nome de Amatus Lusitanus. Em 1541 e a convite do Duque d’Este desloca-se para a cidade italiana de Ferrara, para reger uma cadeira na Faculdade de Medicina da Universidade de Ferrara, ou Studium Generali, como ainda eram chamados nessa altura e uma das mais prestigiadas universidades italianas. Aí conheceu e desenvolveu trabalhos e uma sólida amizade com o médico João Baptista Canano, seu assistente e que viria ser um prestigiado e respeitado anatomista. Contudo, mais uma vez sentiu o calor das fogueiras da Inquisição e seis anos depois de chegar a Ferrara, parte para Ancona, em 1547. Durante o período de permanência em Ancona deu-se a entronização de Paulo IV, como Papa e rapidamente se assiste à sua transformação no Papa da Contra Reforma, que, naturalmente, arrastou consigo um aumento da perseguição aos judeus. Amatus Lusitanus sentiu-se inseguro e oito anos depois de ter chegado, muda-se outra vez, com o novo destino de Pesaro. Mostrou ter sido uma escolha mal feita, não tendo ficado a salvo das perseguições, o que o leva passado um ano a mudar-se para Ragusa, hoje Dubrovnik. Esta mudança não foi ainda a última, e uma vez mais teve que se mudar, em 1559, dessa vez para Salónica, sob o domínio do Sultão da Turquia, sendo a cidade onde Amatus Lusitanus viria a morrer. Todas estas mudanças se deveram ao esticar imparável da teia da Inquisição, do estender dos seus poderosos tentáculos, a que ninguém escapava, desde que acusado, bem ou mal, com verdade ou vingança e inveja. Amatus durante todos estes anos foi acumulando um capital de prestígio e notoriedade médica, verdadeiramente invejável. Foi médico do Papa Paulo III, de inúmeros nobres e casa senhoriais de Veneza e Florença, de grande poderio económico e político, mas que nem por isso, o conseguiam proteger ou livrar das teias da Inquisição. A última escolha foi a acertada, pois em Salónica nunca a Inquisição o viria buscar. Infelizmente, só pode viver em paz durante mais nove anos, pois em 1568, com a idade de 57 anos, morre em Salónica vítima da epidemia de peste, enquanto contra ela combatia. Como médico, podemos dizer que morreu em combate. Para além do prestígio que lhe vinha, e o acompanhava para todo o lado, de ser um magnífico médico e também cirurgião, caso raro e de salientar, já que o habitual era os médicos se recusarem a praticar actos cirúrgicos, outra coisa fez que ele fosse notado e conhecido de todos. Refiro-me à publicação da sua mais importante obra «As sete centúrias», que começou a escrever em 1546, em Ferrara e terminou em Salónica, em 1561.
Paralelamente com as Centúrias, Amatus Lusitanus foi publicando outras obras de que se destaca «Comentários a Dioscórides», editados em 1553, em Veneza. Mas, sem qualquer sombra de dúvida, temos que considerar as Centúrias a sua grande obra. Porque se chamavam Centúrias? Porque cada uma delas, descrevia 100 casos clínicos reais, da sua própria clínica. Cada caso recebia um número de ordem e constava da descrição do caso, seguida de comentários a esse caso, justificando a forma como actuou e comparando a sua actuação com a forma como outros actuaram em casos semelhantes e mostrando a razão porque discorda deles. Amatus Lusitanus, em cada caso das Centúrias, serve-se das suas próprias experiências clínicas, mas não esquece a literatura médica existente, mostrando claramente a sua formação universitária. Escreveu as suas obras em latim, o que facilitou extraordinariamente o seu conhecimento e difusão. Os seus biógrafos apontam para 59 edições da sua obra, mas acreditam que terão sido mais. Como disse, Amatus invadia frequentemente o domínio da cirurgia, para emitir opiniões, para inventar técnicas, para realizar operações e para investigar. As suas opiniões sobre os melhores locais para realizar as sangrias, a descrição pela primeira vez das válvulas das veias ázigos ou a sua prótese para a abóbada palatina, ficaram célebres e foram cenário de várias discussões e disputas, nem sempre limpas de invejas e mal dizer e de que já vos falarei. É dele a primeira descrição da encefalite letárgica e também da púrpura. No que respeita a operações cirúrgicas, sabemos que Amatus Lusitanus realizou inúmeras trepanações craneanas, toracotomias, herniorrafias, curas cirúrgicas do hidrocelo, etc... Para se avaliar do prestígio de Amatus bastará dizer-vos que, por exemplo, em relação ao melhor local para executar a sangria no caso daquilo que chamavam a pleurite, os seus opositores foram os respeitados Vesálio, Falópio e Eustáquio, qualquer deles com o seu nome ligado para todo o sempre à medicina. Consideravam Amatus um dos seus pares e por isso discutiam com ele. Neste caso concreto, Amatus defendia que se devia sempre sangrar do lado da pleurite, enquanto Vesálio defendia que a sangria devia ser sempre do lado direito. A prótese da abóbada palatina foi durante muito tempo atribuída a Ambroise Paré, personalidade ímpar da história da medicina e de quem já vos falei mais do que uma vez, sendo para sempre o pai da cirurgia. Pois bem, hoje sabe-se que foi Amatus o inventor desta prótese e que Paré apenas a terá usado nos seus doentes. Historiadores respeitados como Leibowitz, Samoggia e Paiva Boléo, provam nos seus estudos e trabalhos publicados que a paternidade deste invento é de Amatus. Mas, o caso que mais celeuma deu e que chegou a ter contornos pouco limpos, quase mafiosos, foi o da descoberta das válvulas da veia ázigos. A situação chegou a tal ponto que se podia resumir de uma forma bem ilustrativa, dizendo que aqueles que não acreditavam na existência das válvulas, acusavam Amatus de se referir a elas e defender a sua existência. Por outro lado, aqueles que acreditavam, acusavam Amatus de plágio e diziam que o inventor tinha sido João Baptista Canano, de quem já vos falei, assistente e amigo de Amatus. Ora, isto era um ataque ignóbil a Amatus. Se pensarmos que Canano queimou toda a sua obra e portanto nunca referiu tais válvulas e se pensarmos que Amatus se refere ao seu assistente Canano, como colaborador na descoberta das válvulas, temos de concluir que se hoje falamos de Canano é apenas porque Amatus o refere nas suas obras. O mais terrível adversário de Amatus nesta triste história foi Pietro Andrea Mattioli, que se sujou para sempre no jogo feio e sujo em que se lançou, chegando ao ponto de denunciar Amatus Lusitanus como «marrano», expondo-o assim ao ódio da Inquisição e chegando ao ponto de acrescentar um H ao nome Amathus, para fazer um trocadilho com a palavra latina que significava «ignorante» e «sem ciência». Esta controvérsia foi de tal modo conhecida, que Johann Bauhin, quando publicou a sua obra «História Plantarum Universalis», colocou no frontispício do livro, Amatus e Mattioli, como referência a tão grave discussão.
A verdade é que, hoje em dia, o respeito que os historiadores têm pela figura ímpar de Amatus Lusitanus, é inquestionável. Num livro recente editado pelo Instituto di Storia della Medicina dell’Universitá di Roma, Mirko Malavoti, escreve que as «Centúrias» são «una della maggiori testimonanze dello stato della Medicina nei cinquecento», o que não pode deixar de agradar a qualquer português que isto leia. Mas, Amatus Lusitanus, levou mais longe o seu perfil de vida e deixou-nos ainda um importante legado. Na sua Centúria VII, apresenta o seu «Juramento», que nos traz à memória o célebre Juramento de Hipócrates que ainda hoje todos seguimos e juramos. É sabido que Amatus Lusitanus tratou um Papa, cardeais, nobres, generais, mas também tratou soldados, mercadores, marinheiros, prostitutas...Por isso, pode escrever no seu Testamento que «Sempre tratei os meus doentes com igual cuidado, quer fossem pobres ou nascidos em nobreza, sem procurar saber se eram hebreus, cristãos ou sequazes da lei Maometana; Sempre fui parcimonioso nos honorários e muitas vezes sem qualquer paga, tendo sempre mais em vista que os doentes recobrem a saúde do que tornar-me rico pelos seus dinheiros; Como autor de escritos médicos e ao publicar os meus livros quis só promover que a fé intacta das coisas chegasse ao conhecimento dos vindouros, sem outra ambição que não fosse contribuir de qualquer modo para a saúde da humanidade, sem nada fingir, acrescentar ou alterar em minha honra». Grandes palavras para todos meditarem. A começar pelos juízes da Santa Inquisição...
e, se eu vos contasse? – 29º programa – história da anestesia
sábado, agosto 19, 2006
um certo amargo de boca
Dá já para perceber que a minha fase lunar está em quarto minguante acelerado. De facto, o mundo aparece-me como aquela bola achatada, que por força da rotina de girar, se entretém a baralhar tudo que nele se contém.
Talvez por isso, seja qual for o lado para que me volte, só vejo o que não quero ver, o que pensava não ter que ver; só ouço o que não quero ouvir e pensava nunca vir a ouvir; e o mundo aparece-me de pernas para o ar, em que tudo é e não é, ao mesmo tempo. Um mundo em que cada vez é mais difícil saber quando as coisas, os valores, os princípios, as palavras, ainda são o que eram ou quando já deixaram de o ser.
Reparem. Como explicar um mundo em que o tio big brother Sam, anuncia as guerras como se fossem espectáculos de circo? Quase todos os dias, destes últimos meses, os desgastados, rotineiros e vazios noticiários dos media, se referem à próxima guerra lá para o lado do oriente. A próxima. Ainda sem data. Única razão porque ainda se não deu a invasão de todos os outdoors de todos países, por vistosos cartazes, graficamente perfeitos e chamativos, que nos anunciarão que no próximo dia tal, pelas tantas horas, se efectuará «uma guerra uma», contra o país Y, sendo objecto e objectivo dessa guerra a destruição do perigoso facínora S. Neles se lerá que a guerra desenvolver-se-á em vários ataques e que o facínora será lidado por alguns milhares de categorizados atacantes, que actuarão por ar, mar e terra. E, em letras garrafais, o cartaz dirá ainda que a guerra será de surpresa. O anúncio do dia e da hora, tem apenas por finalidade avisar o facínora que deverá estar devidamente sentado no seu gabinete de trabalho, onde será procurado pelos atacantes ou atingido pelo míssil. A surpresa, será apenas para iludir o facínora, que pensando que a hora não é para respeitar, se deslocará por toda a casa e poderá assim ser apanhado de calças na mão.
Isto é o que se passa lá fora. Nós, portugueses, que estamos fora de tudo ou à sua margem, apenas nos espantamos quando vemos que todos mandam e decidem por nós. Mas vejamos o que se passa no rectângulo mais a oeste de tudo.
Também aqui se anunciam várias coisas. Por exemplo, que há Universidades, e cada vez mais, como há, e cada vez mais, licenciaturas, e que estas terão que desaparecer por não haver alunos e porque não se vê grande necessidade de ter licenciados a servir bicas. E, se houver falta, que venham os espanhóis, nuestros hermanos. Quanto ao ensino primário (de primeiro) e não digo básico, porque não gosto, também se anuncia que vão ser encerradas várias escolas. Talvez venham a ser, como sucedeu a algumas estações dos caminhos de ferro, transformadas em belíssimos bares, discotecas ou salas de fumo. Anuncia-se também que há disciplinas nucleares, que a acreditar no nome, constituem o núcleo do saber que vai ser construído à sua volta. Em linguagem de pato bravo lobbista, assim uma espécie de caboucos ou fundações. E depois, informam-nos os responsáveis deste silly país, que qualquer fundação serve, mesmo que seja abaixo do limite da resistência, mesmo que seja negativa ou quase zero. Silly, silly country.
E, nos mais importantes rectângulos deste rectângulo, todos bem relvados e bem iluminados para os festejos nocturnos, onde correm, quando correm, 22 homens atrás de uma bola e da barriga ou da mãe do árbitro, como poderemos entender, desde que não se esteja a fazer figura de parvo, que alguns deles sejam pagos com ordenados vinte vezes superiores ao do Presidente Mor do rectângulo, que, da tribuna de honra, algumas vezes os aplaude? Como entender que os «donos» desses homens, gestores dessas grandes empresas, que criaram essa máxima de que o que é bom para eles é bom para o país (estavam enganados se pensavam que tinha sido a General Motors), se dispensem de pagar os impostos devidos e o façam entregando uns maços de papéis sem valor? Silly, silly country.
O que se deve pensar ao sabermos que existe um novo sistema remuneratório para os médicos em serviço na urgência, que consta do pagamento de incentivos consoante o número de altas que derem aos doentes? Poder-se-á dizer que dar alta pressupõe tratar primeiro, e também verificar que não há doença, como pode suceder na Urgência. E, dito assim, pode parecer correcto. Mas, o incentivo diz apenas que será pago a quem der mais altas e consoante o número que for atingido. Dar alta, é assinar a papeleta. É colocar o doente dali para fora. Get out. Tu sais e eu recebo. Eles não estão lá para trabalhar e não são pagos para isso? Ah, isso era se fosse no estrangeiro? O. K., já percebi.
E que país é este, em que num programa em prime time, duma estação televisiva de grande audiência, um dos artistas mais considerados do rectângulo, o berdadeiro presidente da Juuuunta, convidou para o seu programa um outro artista, de várias artes, parece, apenas para ir ali declarar que sim, que era verdade que dormia com a mulher de fulano e que até passou a simpatizar com ele quando o conheceu, coitado, que até era muito simpático e que não, isso não, não era verdade que os filhos assistissem...
E que dizer de ... e de .... e de .... e de .... . Ide. Ide em paz.
Que país, que gente, que férias, que silly mundo.
Que crónica, meu Deus!
Publicado no n.º 160 da Revista do Auto Clube Médico Português Julho/Setembro de 2002 e publicado neste blog em Novembro de 2005, sem imagens