quarta-feira, agosto 30, 2006

e, se eu vos contasse? – 35º programa – história da medicina tropical

Quando se fala de Medicina Tropical, referimo-nos àquele tipo de doenças que aparecem exclusiva, ou mais frequentemente, em países tropicais, onde o calor e a humidade próprias dos trópicos são condicionantes da saúde das populações que ali habitam, não esquecendo que àqueles dois factores se associam normalmente outros, tanto ou mais importantes do que aqueles, como sejam as condições sociais, a promiscuidade, a poligamia, a falta de higiene e saneamento e a falta de cuidados médicos. Se quisermos restringir o conceito de medicina tropical àquelas doenças que são exclusivas desses países, ficaremos apenas com a doença do sono, a doença de Chagas, o pian, as filaríases, o paludismo e a febre amarela. As primeiras referências de doenças tropicais remontam às datas de 3.000 A. C., com a existência de vermes em múmias do Egipto e de 600 A. C. com a menção, por hindus e persas, dos sintomas da filária de Bancrofti, causadora das elefantíases. Do mesmo modo há referências milenares à triquinose que afectava os porcos, pelo que é de supor que afectaria igualmente os homens. Estas doenças atravessariam os séculos quase completamente desconhecidas e sem avanços no seu diagnóstico e tratamento, até ao século XIX e às descobertas e estudos de Pasteur e de Claude Bernard. O papel dos portugueses no que respeita à Medicina Tropical iniciou-se com Pedro Hispano no século XIII, depois no século XVI, com Amato Lusitano que descreveu as sezões e a elefantíase, Garcia de Orta que descreveu a cólera e as febres, onde estava incluído o paludismo, António Galvão que descreveu a pulga penetrante, Gabriel Soares que fez a «Descrição geográfica da América Portuguesa» e no século XVIII, com Ribeiro Sanches, que no seu livro «Tratado da conservação da saúde dos povos», faz a descrição da cólera e do escorbuto. Os portugueses foram tão sensíveis a esta espécie de doenças que, já em 1542, iniciaram o ensino da medicina na Índia, onde ficou célebre o Colégio de S. Paulo, em Goa, que tinha 3.000 camas e em 1568, criaram da Escola de Naban, em Kioto, no Japão, fundada por Luís de Almeida. E nos meados do século XVI, o rei D. Manuel I, fundou em Tavira, um hospital para «nele se internarem os doentes que viessem nas nossas naus». E no Brasil, com a criação das Misericórdias, fundou-se em 1543, o primeiro hospital na cidade de Todos os Santos, ou Bahia como hoje se chama. Mas foi no final do século XIX e princípio do século XX, que se criaram as condições necessárias para o desenvolvimento científico da Medicina Tropical e se começou a ensinar este ramo da medicina. Em Portugal, o ensino da Medicina Tropical foi iniciado no ano de 1902, com a criação da Escola de Medicina Tropical de Lisboa, por carta de lei, datada de 24 de Abril de 1902, que foi instalada no rés do chão da ala norte da Cordoaria Nacional, funcionando no primeiro andar o chamado Hospital Colonial, depois chamado Hospital do Ultramar e que, em 1930, ainda ali se mantinha.Os estudos assentavam em duas secções, a de Patologia Exótica e a de Higiene Naval. A quem estranhe que uma das secções diga respeito à Higiene Naval, devo dizer-lhes que foram os médicos da Armada, aqueles que mais se preocuparam com esta patologia e mais contactos tinham com ela, devido à sua presença nos navios portugueses em missões de soberania pelo mundo. Foi um médico naval o encarregado de estudar a organização das cadeiras a ministrar, de seu nome Ayres Kopke e era também médico naval o primeiro professor de Higiene Naval, o Dr. D. António de Lancastre. Passado pouco tempo, em 1905, foram criados os chamados «Arquivos da Higiene e Medicina Patológica Exótica» e a actividade de investigação era grande e consubstanciada por acções profiláticas e de erradicação das doenças, como a célebre campanha de erradicação da mosca tsé-tsé e da doença do sono, realizada em 1907, em Angola e de 1911 a 1914, na Ilha do Príncipe e que culminaria com a eliminação desse flagelo. Devo dizer que 42 anos depois, voltou a haver mosca tsé-tsé, na Ilha do Príncipe, tendo sido novamente combatida e erradicada dois anos depois, por acção do então chamado Instituto de Medicina Tropical. Várias outras campanhas de mérito foram sendo desenvolvidas na Guiné, Cabo Verde, Moçambique, para estudo da ancilostomíase, da febre biliosa hemoglobinúrica e outras doenças. Em 12 de Dezembro de 1958, foi inaugurado o edifício em que ainda hoje se encontra o Instituto de Higiene e Medicina Tropical, situado em local privilegiado, com grande envolvente ajardinada, contemplando o rio e o mar que levou os portugueses ao contacto de tais doenças.È um edifício de razoável imponência arquitectónica, bem dimensionado e dispondo de todos os requisitos para o ensino e investigação da Medicina Tropical. Defronte do imponente edifício, foi inaugurada em 8 de Setembro de 1958, uma estátua de Garcia de Orta, considerado o primeiro escritor de Medicina Tropical, com elogio feito pelo Professor Luís de Pina, que, em termos eloquentes, descreveu a obra de Garcia de Orta e não deixou de chamar a atenção para o facto de em pleno século XVI, com uma vida centrada em Portugal, Espanha e Índia, Garcia de Orta conhecer e dominar várias línguas, como o árabe, grego, latim, italiano, francês e espanhol, o que mostra a personalidade distinta que ele era. Em 1943, começaram a publicar-se os «Anais do Instituto de Medicina Tropical», bem como uma informação bibliográfica trimestral, que eram enviados gratuitamente a todas delegações ultramarinas. Em 29 de Maio de 1935, foi alterada a designação de Escola Nacional de Medicina Tropical, passando a chamar-se Instituto de Medicina Tropical. Mas, em 16 de Julho de 1966, com a criação da Direcção Geral de Saúde e da Assistência do Ultramar, foi extinto o Instituto de Medicina Tropical, que passou a designar-se como Escola Nacional de Saúde Pública e Medicina Tropical. Rapidamente se verificou que tinha sido uma má decisão, mas apesar disso, só em 21 de Setembro de 1972, se corrigiu o erro, criando duas instituições separadas – Escola Nacional de Saúde Pública e Instituto de Higiene e Medicina Tropical. Tendo sido a quarta escola a ser fundada na Europa, desempenhou ao longo destes quase cem anos, um papel notável na investigação, profilaxia, tratamento e ensino da Medicina Tropical. Foi graças ao Instituto de Medicina Tropical que centenas de médicos dos quadros do Ultramar, puderam tirar essa especialização, tornando-se assim capazes de fazer frente àquele tipo de patologia, bem como puderam beneficiar também grande parte dos médicos mobilizados para a guerra colonial, para quem as doenças tropicais eram completamente desconhecidas. O Instituto de Medicina Tropical sempre se destacou entre os vários Institutos congéneres de todo o mundo, sendo uma instituição respeitada e ouvida. Hoje, com a perda das antigas colónias e o nascimento dos novos países, poderia pensar-se que o seu papel diminuiu de importância e se esvaziou a sua finalidade. Nada disso sucedeu. O Instituto de Higiene e Medicina Tropical continua a ser útil e a ter mérito, ajudando e ensinando os médicos e técnicos dos novos países, oferecendo serviços de vacinação e aconselhamento, como a notável consulta do viajante, em que são examinados e aconselhados todos aqueles que vão viajar para países tropicais ou do terceiro mundo e desenvolve acção notável no apoio aos cooperantes portugueses a trabalhar nos Palop’s. O Instituto de Medicina Tropical continua a ser uma referência positiva da Medicina Portuguesa.

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