quinta-feira, agosto 31, 2006

oito reflexões sobre a capicua

São várias as coisas e os factos que nos levam a dar corda ao neurónio que é como quem diz, a pensar sobre as coisas. São inúmeras essas razões. Mas hoje, sinto que a corda está no limite e deve precisar que se mantenha em tensão até ao fim, para poder aguentar o tic tac que aí vem. É que sinto atravessarem-me o pensamento várias coisas determinantes para este brain-storming (fica sempre bem um estrangeirismo em discursos deste tipo), neste caso, individual, já que a escrita é um acto solitário, embora povoado por uma multidão de factos e de gentes. A corda está no limite, a tensão mantida e as regras também. Como se pode fazer um brain-storming com regras? Como pode dizer-se ao cérebro – pensa, mas não penses mais do que 5.000 caracteres, que são o limite que impuseram ao teu texto, ao registo escrito do que pensares nos momentos que se vão seguir? Vou tentar, pois é coisa que todos andamos a fazer há muito tempo. A tentar qualquer coisa, mas sempre a tentar. A tentar escrever, a tentar arranjar emprego, a tentar amar, a tentar ser feliz, a tentar, sempre a tentar. Será assim mais uma vez. E, só no fim poderei dar título a este escrito, depois de saber no que tudo isto dá. Vamos a isto, neurónios meus.Embora estejamos já no dia 21 de Novembro de 2001, data em que rabisco ou passo a papel aquilo que se passa no andar superior do meu corpo, na penthouse (como diriam os americanos) ou na cobertura (como dizem os brasileiros), andar nobre do corpo e da construção civil, verifico que ainda anda por lá, a bailar, uma capicua mágica e trágica, feita por dois uns. 11, onze, é o número, agora definitivamente ligado ao mês de Setembro, fazendo esquecer todas as outras razões que, anteriormente, nos faziam pensar nessa data - aniversários, acontecimentos outros.Agora e para sempre, o 11 de Setembro passará a ser a data que o mundo inteiro fixou, como sendo a data em que o mundo mudou.Primeira reflexão – E, mudou mesmo? Ou apenas acelerou o processo de mudança em curso? Ou tornou apenas mais visível essa mudança? E, mudou para sempre ou só por algum tempo ainda indeterminado?Segunda reflexão – Se mudou, o que mudou? A forma de encarar o futuro? A consciencialização do medo? A noção da nossa pequenez? A inevitabilidade das coisas? O caminhar acelerado para um qualquer abismo? A generalização da desconfiança? Os limites da confiança? O racismo? O fim da democracia? O renascer da ditadura, da mão de ferro?Terceira reflexão – A eterna luta entre o bem e o mal. Onde está um e onde está outro? E, definido o lado de cada um, poderemos dizer que eles estão sempre no lado que lhes compete, ou só às vezes? O bem e o mal têm pátrias ou são universais e, umas vezes estão num lado e logo depois noutro?Quarta reflexão – Se não estivéssemos tão acelerados no processo aparentemente imparável da globalização, teria tido esta dimensão o hediondo atentado de 11 de Setembro? Estariam as companhias aéreas, a indústria do turismo, a economia global a sofrer esses efeitos? Estaria a bolsa numa dança constante entre a vida e o crash? (mais bonito do que morte, concordem). O exemplo recente do salvadorenho Salomon Vides, que viveu 32 anos na selva, fugido de uma guerra que tinha durado apenas quatro dias, servirá de exemplo para contrapor à globalização, ou é apenas um fait-divers? (hoje estou imparável)Quinta reflexão – Entrámos mesmo numa guerra sem fim? Ou já andávamos nela desde que nos conhecemos? Quem se lembra de haver algum ano em que não tenha havido um conflito armado, forma subtil de escrever guerra, em qualquer parte do mundo? Há quantos anos vivemos paredes meias com o terrorismo, venha ele vestido com as roupagens várias com que se pode disfarçar? E, a guerra santa, é só de agora?Sexta reflexão – O efeito que todos estamos a sentir, de uma forma global, universal, afecta mais os estados, as organizações, as famílias ou os indivíduos? Sofrem todos igualmente ou, aqui como em tudo, há sempre uns que são sempre mais qualquer coisa do que outros, para o bem ou para o mal?Sétima reflexão – Chegaremos ao ponto de num casal, um dos seus elementos, ou cada um por sua vez, ou os dois igualmente, verem no outro um possível terrorista? Vamos ter a desconfiança instalada, a dúvida possível e constituída em realidade comum? Do terrorismo mental, ao psicológico, ao verbal e por último ao físico. Será esse o caminho? E, as crianças? Vão ser os novos desalojados? Do coração dos pais? A intifada verbal pode instalar-se, antes de atiradas as pedras, antes das Kalashnikoves dispararem?Oitava e última reflexão – Será que temos de voltar aos tempos e templos antigos dos gregos, deitarmo-nos no «abaton» disponível, deixar que os deuses nos visitem e nos aconselhem e também a quem de nós tratar, se houver quem, e pensando e sonhando tentarmos sobreviver e endireitar este triste e torto mundo? Ou muito simples e pragmaticamente, devemos deixar crescer as barbas, comprar uma burqua para a nossa mulher, desligar ou destruir rádio e televisão, queimar os livros, e deixar de rir e de sonhar?
Responda quem saiba.
Por mim, que sempre fui um outsider (lá estou eu, outra vez), em vez de deixar crescer a barba, cortei o pouco cabelo que tinha, rio, às vezes nem sei de quê, mas rio e sonho o que posso e garanto-vos que tento que seja cada vez mais.
Pesadelos? O que é isso?
Publicado no n.º 157 da Revista do Auto clube Médico Português (Outubro/Dezembro de 2001) e neste blog em 05NOV05, sem imagens.

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