Se há assunto de que se possa dizer, sem medo de errar, que a sua história se prende totalmente à história do homem, o parto será sem dúvida o escolhido ou, pelo menos, um dos escolhidos. Desde que houve Adão e Eva que se pode falar de parto. Mas, a história do parto consegue estar para além disso, pois são várias as lendas que nos falam do nascimento de deusas e deuses, em que esse acto de nascer não foi precedido de um parto normal, como desde sempre o entendemos, mas de estranhas formas de nascer, por influência divina, de árvores, coxas, etc... Quando a mulher de Zeus, movida pelo ciúme, diz a Zeus que lhe faça realidade um seu desejo, este diz-lhe que sim. Apanhado pela sua promessa, tem de matar a sua amante grávida e tirar a criança prematura que ela trazia no seu ventre. E, logo como Deus, resolve salvar essa criança, seu filho, para o que corta profundamente a sua coxa e mete dentro da ferida o pequeno Dionísio, para ali se desenvolver até ao fim da sua vida fetal. Mas, não deixem de reparar, contudo, que Dionísio foi retirado do ventre de sua mãe por uma incisão que se pode ver na região inguinal esquerda, paralela à arcada púbica, uma cesariana como hoje se faz por razões estéticas. Podem ver agora a imagem deste estranho nascimento de que vos falei, neste magnífico fresco pintado por Jean Boulanger, em 1600. Na imagem seguinte, uma reprodução do acto de nascer, não do parto, de Dionísio, já com tempo de gravidez completo, saindo da coxa de Zeus, numa pintura decorativa em porcelana do século V, A. C.. Exemplos destes não faltam, mas falarei apenas de mais um pela beleza da imagem que depois vos mostrarei. Mirra apaixonou-se pelo pai , o rei de Chipre e uma noite, na ausência da mãe e com a ajuda de uma empregada, introduz-se no leito do pai, o que volta a fazer mais do que uma vez. Uma noite, o pai com a luz de uma tocha apercebe-se que se trata da própria filha e agarra na espada para a matar. Mirra, que está grávida, foge e passa toda a gravidez, todos os nove meses fugindo do castigo de seu pai e completamente cansada chega ao reino de Sabá, desgostosa da vida e com medo da morte e pede aos deuses que a transformem numa árvore que produz a resina do seu próprio nome. Adónis, assim se chamava o filho desta relação incestuosa, acaba o seu tempo e procura sair de baixo da casca, procurando uma abertura para o fazer. Mirra, espreme-se e geme, procurando fazer o trabalho de parto e finalmente Adónis nasce. Nesta belíssima gravura que agora vos mostro, que se pensa ter sido inspirada num óleo de António Franceschini, feito em finais de 1600, em Bolonha, Mirra ainda não se transformou completamente em árvore, aparece rodeada de anjos e mulheres, uma das quais se prepara para amamentar Adónis. Esta história vem contada em Ovídio. Mas, lendas são lendas e a realidade é a realidade. Desde sempre que os homens nascem da mesma maneira e ao fim do mesmo tempo de gravidez, partindo do princípio que a gravidez e o parto se passaram em perfeita normalidade. O que variou, e muito, ao longo dos tempos e permite e obriga a fazer essa história, foram as posições de parto usadas pelas grávidas, as ajudas ao parto e a importância relativa que mãe e filho foram tendo ao longo dos tempos e nas diferentes regiões do globo. Por exemplo, nos países africanos e menos desenvolvidos, ainda há poucos anos o parto era feito em posições esquisitas, mas que pareciam àquelas gentes serem as melhores posições para facilitar o parto. Reparem nas imagens que agora vão passar e poderão ter uma ideia do que estou a querer dizer-vos. Mas, se repararem bem poderão ver que embora estas posições pareçam muito primitivas e sem relação com as atitudes do mundo civilizado, poderão ver que no meio delas se encontram pequenos pormenores que se aproximam muito daquilo que actualmente defendemos. Há 3 desenhos muito curiosos que são os dois que apresentam a grávida recebendo vapor na região perineal, numa tentativa de humedecer, relaxar e facilitar a saída da criança e aquela que mostra a grávida a respirar vapor com a finalidade de anestesiar ou diminuir a dor, sem fazer perder completamente a capacidade de fazer força para a expulsão da criança. São desenhos feitos em 1878 por Robert William Felkin, um jovem estudante de medicina inglês que foi convidado para uma missão na África Central, por parte da Sociedade Missionária e pôde testemunhar todas estas posições e atitudes. O último desenho que se mostrou e que agora se volta a mostrar é a forma rudimentar da cadeira de parto usada na Europa civilizada de então e que agora vêem também em desenho. E não posso deixar de vos dizer que nesta Europa dita civilizada e neste país à beira mar plantado ainda na década de trinta deste último século, havia mulheres muito religiosas que tinham os filhos de joelhos, mesmo sendo gente socialmente bem colocada e culturalmente evoluída. Até arrepia que depois de ter escrito o que escrevi tenha dito depois que era gente culturalmente evoluída. Mas, o que parece um contra-senso, não o é, realmente. Porque uma coisa era a cultura humanista, musical e das artes e outra era a posição face ao esconder tudo que à mulher, enquanto mulher, representava e a imagem que a Igreja ajudava a construir de vergonha e decoro. Ainda na década de 40 e 50 a grande maioria das mulheres que viviam na província tinham os seus filhos em casa, apenas assistidas pela parteira, herdeira moderna das comadres, ao contrário de Lisboa e Porto e também Coimbra, onde começava a ser frequente as mulheres terem os seus filhos nas maternidades. As parteiras ou comadres durante muito tempo não tinham qualquer habilitação que as recomendasse para tais funções. Eram simples curiosas que, com mais ou menos habilidade, procuravam ajudar as mulheres a parir e diga-se, se ajudavam a elas mesmas ganhando o dinheiro para as suas sobrevivências, dado que grande parte delas vivia do exercício dessa profissão. Em Portugal, só em 1836 é que foi criado um curso regular para formação de parteiras. Antes disso e durante algumas décadas foram obrigadas a fazer exame perante um cirurgião e uma parteira aprovada, mas estes exames não davam qualquer garantia de qualidade, razão porque naquela data se instituiu o curso de formação. Podem perguntar se esse curso passou a habilitar devidamente as parteiras e eu terei que vos dizer que as passou a habilitar com os conhecimentos que até aí havia e que eram muito poucos, sempre que os partos se complicavam e não se resolviam facilmente. Se vos disser que em 1752, um médico, Sebastião de Sousa traduziu do francês um livro intitulado «Luz de Comadres. Breve tratado de como se deve acudir aos partos perigosos e como se hão-de tratar e pensar as crianças e como se hão-de curar a madre quando sai fora ou aboca, publicado por Sebastião de Sousa e à sua custa», que passou a ser um livro respeitado e no qual entre variadas coisas se diz que «para ajudar o trabalho de parto quando este estiver difícil ou demorado, se deve pôr sobre o umbigo meia dúzia de folhas verdes de loureiro bem mastigadas ou untar o ventre com óleo de víboras» ou ainda «a pele de cobra posta sobre as cadeiras ou congida a barriga com ela de sorte que toque na carne, facilita muito o parto, por virtude oculta que Deus lhe deu. Duas oitavas de pó de testículo de cavalo, que não tivesse morrido de doença, seco no forno, e dado em duas onças de vinho branco ou em quatro onças de cosimento de raiz de rubia, tem eficacíssima virtude para fazer parir». Não deviam as comadres permitir que as mulheres parissem deitadas, mas sim de pé ou sentadas ou quando a houvesse na chamada cadeira obstétrica que ainda se usou no século XX. Se faltassem os «puxos», as contracções, aconselhava-se que «se aplicasse sobre o umbigo, fel de galinha negra, esfregando com ele todo o ventre». Ou ainda, se o parto fosse demorado, aconselhava «tomar-se o vergalho de um veado e moer-se um pouco com vinho ou água e dar-se a beber, que ela logo parirá». E, nos casos em que a criança após um parto difícil, viesse debilitada, aconselhava-se que «dormisse com uma donzela de idade juvenil, de hábito e temperamento cálido e que tendo-o consigo na cama, o alente e verifique com o seu calor bafo» ou então «deve abrir-se um carneiro e meter dentro nele o menino, que com isso cobrará novos alentos». Este último processo e recomendação, logo me trouxe à memória aquilo que vos contei anteriormente de Zeus metendo o menino na sua coxa até ao seu completo desenvolvimento. Como por isto podem ver o estado dos conhecimentos no final do século XIX e princípio do XX, não eram famosos e pouca diferença fariam do tempo de César, descontando alguns progressos como a invenção do forceps e o seu uso nos partos difíceis. Desde sempre que em todos os casos em que o parto não é natural e a criança não saía facilmente se tornou necessário retirá-la de dentro do útero da mãe, de forma cirúrgica. Esta técnica de parto tem o nome de cesariana, como toda a gente sabe e é também noção corrente que a razão de se chamar assim se deve ao facto do imperador romano César ter nascido dessa maneira. O certo é que os historiadores mais recentes, baseando-se em dados que de todo desconheço, afirmam que César nunca nasceu de cesariana e que sua mãe viveu longos anos depois de ele ter nascido. Não sei se este facto, que parece verdadeiro, será a única razão em que fundamentam a sua tese, uma vez que era habitual a morte da mãe nas cesarianas e algumas delas seriam feitas apenas depois de a mãe morrer, imediatamente após a morte. O certo é que desde sempre se atribui a César a razão do nome cesariana e em várias reproduções que existem nos museus ou nas bibliotecas aparece sempre César nascendo por cesariana, como é o caso que agora podem ver na página deste livro com iluminuras, editado em Paris em 1364 e existente na Biblioteca Nacional de Paris, em que se pode ver no quadrante superior esquerdo, Gaio Júlio César nascendo por cesariana. E em todas as outras que podem ver se assiste ao nascimento de César, por cesariana. Hoje, felizmente estamos num estado muito avançado no que aos partos diz respeito. Hoje, nas maternidades, como esta em que nos encontramos, as grávidas podem contar com uma assistência moderna e tecnicamente evoluída, com elevado grau de segurança, quer no que respeita á grávida quer à criança que vai nascer. O apoio ao parto, seja com anestesia epidural, seja com as técnicas assistidas do parto sem dor, é uma realidade. E o recém nascido conta com uma enorme diferenciação técnica que lhe permite sobreviver, na maioria dos casos, às várias complicações, prematuros ou que nasçam com problemas de patologia hereditária ou congénita.
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