Poderá parecer estranho que eu vos queira contar hoje a história das revistas de medicina militar. Porquê da medicina militar e não da medicina em geral? Por mais que uma razão, e qualquer delas bastante, para justificar esta minha escolha ou decisão. Primeiro, porque no alvorecer da imprensa médica os médicos militares foram mais produtivos do que os seus colegas civis. Segundo, porque é frequente o público em geral esquecer-se que há esta pequena especialização da medicina, que toma o nome de militar, porque está sobretudo ao serviço dos militares. Terceiro, e vamos ficar por aqui, porque a qualidade destas revistas de medicina militar era enorme e nelas escreveram grandes vultos da medicina portuguesa dos dois últimos séculos.
Apesar destas três razões que acabo de apontar, não foi militar a primeira revista médica que se publicou em Portugal. Em 1749, terá sido editada na cidade do Porto a primeira revista médica de que há notícia e que se chamava «Zodíaco Luzitano», mas que se publicou apenas de Janeiro a Março. Mas passaram quase cem anos até ao aparecimento da primeira revista de medicina militar. Parece muito, mas não foi, se tivermos em conta o pouco merecimento da maioria das que se publicaram e se tivermos em conta que a primeira revista médica verdadeiramente importante que se publicou só iniciou a sua publicação no ano de 1835, tendo como nome «Jornal das Sciências Médicas de Lisboa» e que ainda hoje existe. Houve entretanto outras publicações de que recordo o nome, mas com pouca duração e duvidoso interesse: «Médicos Perfeitos», «Diário Universal de Medicina, Cirurgia e Pharmácia», «Anno Médico», esta também editada no Porto, «Hospital do Mundo», «Annaes de Medicina Dinâmica» e «Jornal Médico-Cirúrgico e Pharmacêutico de Lisboa». Este último iniciou a sua publicação no mesmo ano em que apareceu o «Jornal das Sciências Médicas de Lisboa», órgão da recém criada Sociedade das Sciências Médicas de Lisboa» e durou ainda dois anos.
Passaram oito anos apenas sobre a criação deste Jornal das Sciências Médicas de Lisboa e o aparecimento da primeira revista de medicina militar. Foi publicada pela primeira vez no ano de 1843, sob o nome de «Jornal dos Facultativos Militares». Era de publicação semanal, tinha apenas oito páginas durante o primeiro semestre e passou a ter dezoito páginas a partir do segundo semestre. Entre Outubro de 1846 e Setembro de 1847, foi obrigada a interromper a sua publicação pelos acontecimentos políticos e militares que ocorreram no país e obrigaram a saír de Lisboa os seus redactores e responsáveis. Foi sempre uma revista médica muito considerada e merece uma especial referência no livro «Homens e Livros da Medicina» de Guilherme José Ennes.
Em 1851, os seus responsáveis resolveram introduzir-lhe modificações, embora mantendo o formato, número de páginas e periodicidade, mas garantindo uma melhor revisão de provas e uma feição altamente científica. Passou a chamar-se «O Escholiaste Médico, Jornal dos Facultativos Militares». Passou-se com esta revista um facto que eu não quero deixar de vos contar por me parecer ser suficientemente elucidativo sobre dois factos que nos podem dar a medida exacta do seu valor e sobre o pensamento político de então. Fazia parte dos seus estatutos a obrigação de empregar todos os seus lucros na compra de livros de medicina para a biblioteca do Hospital Militar da Estrela e todas as despesas editoriais corriam por conta dos redactores, não sendo portanto subsidiada. Ora isto significa duas coisas: a primeira era a certeza de que ela tinha qualidade e tinha muitos assinantes e compradores, em número bastante para pagar as despesas e ainda haver lucros para comprar livros; a segunda é que já naquela altura o poder político estava pouco interessado em fornecer devidamente a biblioteca de tão importante hospital, aplicando o dinheiro em outras coisas, esperemos que não de interesse duvidoso.
Mas quero contar-vos ainda outra história que se prende com esta revista. Já vos disse que ela dava lucro e que ele era bem empregue. Mas, em 1855, resolvem os seus redactores constituírem-se em empresa particular e assinam um contracto com a Repartição de Saúde do Exército, em que se comprometem a que a revista sairá aos dias 15 e último de cada mês e terá doze páginas e em contrapartida passa a ser impressa gratuitamente na Imprensa Nacional. Certamente que os telespectadores se porão a mesma pergunta que eu próprio me pus – então se a revista dava lucro e pagava a sua impressão, o que justificou que a impressão passasse a ser gratuita, exactamente quando se transforma em empresa privada? Será que isto nos faz lembrar outras situações mais actuais? É assim que, em 1851, começa a sua publicação «O Escholiaste Médico, publicado sob os auspícios da Repartição de Saúde do Exército», aparecendo com a indicação de Volume 6, o que significa que queria marcar bem a sua continuidade e herança da anterior revista. Publicou-se até 31 de Dezembro de 1869, com 360 números publicados e 20 volumes. O Escholiaste Médico foi considerado o primeiro jornal médico do país, em termos de qualidade científica e interesse despertado nos leitores. Tinha ainda a qualidade de, a par com a sua qualidade científica, ter qualidade literária já que os seus redactores e colaboradores mais frequentes eram cultores das letras e das artes. Tinha inclusivamente uma secção chamada «Folhetim», destinada à cultura, letras e artes. Após o desaparecimento do «Escholiaste Médico», só oito anos mais tarde voltou a haver uma revista médica militar, de publicação regular e que se viria a chamar Gazeta dos Hospitais Militares. Durante esses 8 anos, foram publicadas duas revistas de vida efémera, a «Ambulância Médica» e a «Revista Médico-Militar da Índia Portuguesa».
A «Gazeta dos Hospitais Militares» era publicada sob os auspícios do Ministério da Guerra, durou apenas sete anos, com publicação quinzenal e com doze páginas por número. Não era impressa na Imprensa Nacional, e a sua impressão era paga; o ministério cedia-lhe o patrocínio mas não entrava com o essencial, que seria o seu pagamento. Uma das fontes de rendimento da revista eram os anúncios a 50 réis por linha. Uma coisa curiosa e que eu vos quero dizer é que esta revista era impressa na Typografia das Horas Românticas, nome bem sugestivo do ideal dos seus redactores.
Em Outubro de 1886, dois anos depois de ter cessado a sua publicação a «Gazeta dos Hospitais Militares», começou a publicar-se a chamada «Revista de Medicina Militar», inicialmente impressa no Porto e tendo como redactor chefe um jovem médico, pouco conhecido da comunidade médica. Para tudo há uma razão e quando as razões são do género da que justificava tal fenómeno, digamos assim, nada nos espanta, pois isso está na maneira de ser portuguesa, o uso das influências e dos proteccionismos. Sucedia que o dito redactor desconhecido era filho de outro médico, esse sim, bem conhecido e influente, o Dr. Joaquim Theodorico Perdigão, cirurgião de Divisão e Director do Hospital Militar do Porto. Outra coisa curiosa e que tem a ver com a importância que este cirurgião tinha é que ele assina no primeiro número da revista de que seu filho é director, um artigo de opinião em que critica vivamente o poder e o acusa de não considerar devidamente a classe médica e de lhes pagar pouco, muito longe do que o mérito e importância da profissão exigiriam. A «Revista de Medicina Militar» publicou-se apenas até 1890, apesar de ter obtido vários apoios oficiais durante a sua publicação. Não sei bem porque razão ou razões, mas admito que algumas se prendam com a instabilidade da monarquia, a implantação da república, a 1ª guerra mundial e os tempos difíceis das 1ª e 2ª repúblicas, o certo é que foram tempos maus para a imprensa médica aqueles que mediaram entre o fim da Revista de Medicina Militar, em 1890, e o aparecimento do «Boletim da Direcção do Serviço de Saúde Militar», em 1938, primeira revista criada pelo próprio poder político e totalmente paga por ele. Como característica louvável daquela publicação, criaram uma secção totalmente inovadora em que se dava conta do sumário e resumos das várias revistas existentes na biblioteca daquela direcção de serviço, quer portuguesas quer estrangeiras. Destas ainda hoje por lá se encontram vários exemplares espanhóis, brasileiros, americanos, belgas, etc..., mas inexplicavelmente não existe naquela biblioteca nenhum exemplar do número um do «Boletim...» editado por aquela direcção. Durou este Boletim 13 anos, até 1950 e as razões invocadas, no seu último número, pelo seu director para cessar a sua publicação, assentavam na necessidade de alargar o âmbito da Revista aos 3 ramos das Forças Armadas.
Esta razão acabou por ser concretizada em 1953 com o aparecimento da Revista Portuguesa de Medicina Militar que acabou por se publicar até ao ano 2000, altura em que foi substituída pela Revista Portuguesa de Saúde Militar, porque se entendeu que ela se devia dirigir a todo o serviço de saúde e não só aos médicos. A «Revista Portuguesa de Medicina Militar» tinha publicação trimestral e 80 páginas por revista, sendo pluridisciplinar, com alguns números temáticos. Durante a publicação desta revista, foram ainda publicados alguns números dos «Anais do Hospital Militar de Luanda», durante a guerra colonial, e também a «Informação Terapêutica» do Hospital Militar Principal e órgão da Comissão de Farmácia e Terapêutica daquele hospital.
Como devem ter percebido por tudo que vos disse, pode considerar-se extremamente positiva a publicação de revistas de medicina militar durante os séculos XIX e XX, mesmo quando comparada com as publicações civis.
Apesar destas três razões que acabo de apontar, não foi militar a primeira revista médica que se publicou em Portugal. Em 1749, terá sido editada na cidade do Porto a primeira revista médica de que há notícia e que se chamava «Zodíaco Luzitano», mas que se publicou apenas de Janeiro a Março. Mas passaram quase cem anos até ao aparecimento da primeira revista de medicina militar. Parece muito, mas não foi, se tivermos em conta o pouco merecimento da maioria das que se publicaram e se tivermos em conta que a primeira revista médica verdadeiramente importante que se publicou só iniciou a sua publicação no ano de 1835, tendo como nome «Jornal das Sciências Médicas de Lisboa» e que ainda hoje existe. Houve entretanto outras publicações de que recordo o nome, mas com pouca duração e duvidoso interesse: «Médicos Perfeitos», «Diário Universal de Medicina, Cirurgia e Pharmácia», «Anno Médico», esta também editada no Porto, «Hospital do Mundo», «Annaes de Medicina Dinâmica» e «Jornal Médico-Cirúrgico e Pharmacêutico de Lisboa». Este último iniciou a sua publicação no mesmo ano em que apareceu o «Jornal das Sciências Médicas de Lisboa», órgão da recém criada Sociedade das Sciências Médicas de Lisboa» e durou ainda dois anos.
Passaram oito anos apenas sobre a criação deste Jornal das Sciências Médicas de Lisboa e o aparecimento da primeira revista de medicina militar. Foi publicada pela primeira vez no ano de 1843, sob o nome de «Jornal dos Facultativos Militares». Era de publicação semanal, tinha apenas oito páginas durante o primeiro semestre e passou a ter dezoito páginas a partir do segundo semestre. Entre Outubro de 1846 e Setembro de 1847, foi obrigada a interromper a sua publicação pelos acontecimentos políticos e militares que ocorreram no país e obrigaram a saír de Lisboa os seus redactores e responsáveis. Foi sempre uma revista médica muito considerada e merece uma especial referência no livro «Homens e Livros da Medicina» de Guilherme José Ennes.
Em 1851, os seus responsáveis resolveram introduzir-lhe modificações, embora mantendo o formato, número de páginas e periodicidade, mas garantindo uma melhor revisão de provas e uma feição altamente científica. Passou a chamar-se «O Escholiaste Médico, Jornal dos Facultativos Militares». Passou-se com esta revista um facto que eu não quero deixar de vos contar por me parecer ser suficientemente elucidativo sobre dois factos que nos podem dar a medida exacta do seu valor e sobre o pensamento político de então. Fazia parte dos seus estatutos a obrigação de empregar todos os seus lucros na compra de livros de medicina para a biblioteca do Hospital Militar da Estrela e todas as despesas editoriais corriam por conta dos redactores, não sendo portanto subsidiada. Ora isto significa duas coisas: a primeira era a certeza de que ela tinha qualidade e tinha muitos assinantes e compradores, em número bastante para pagar as despesas e ainda haver lucros para comprar livros; a segunda é que já naquela altura o poder político estava pouco interessado em fornecer devidamente a biblioteca de tão importante hospital, aplicando o dinheiro em outras coisas, esperemos que não de interesse duvidoso.
Mas quero contar-vos ainda outra história que se prende com esta revista. Já vos disse que ela dava lucro e que ele era bem empregue. Mas, em 1855, resolvem os seus redactores constituírem-se em empresa particular e assinam um contracto com a Repartição de Saúde do Exército, em que se comprometem a que a revista sairá aos dias 15 e último de cada mês e terá doze páginas e em contrapartida passa a ser impressa gratuitamente na Imprensa Nacional. Certamente que os telespectadores se porão a mesma pergunta que eu próprio me pus – então se a revista dava lucro e pagava a sua impressão, o que justificou que a impressão passasse a ser gratuita, exactamente quando se transforma em empresa privada? Será que isto nos faz lembrar outras situações mais actuais? É assim que, em 1851, começa a sua publicação «O Escholiaste Médico, publicado sob os auspícios da Repartição de Saúde do Exército», aparecendo com a indicação de Volume 6, o que significa que queria marcar bem a sua continuidade e herança da anterior revista. Publicou-se até 31 de Dezembro de 1869, com 360 números publicados e 20 volumes. O Escholiaste Médico foi considerado o primeiro jornal médico do país, em termos de qualidade científica e interesse despertado nos leitores. Tinha ainda a qualidade de, a par com a sua qualidade científica, ter qualidade literária já que os seus redactores e colaboradores mais frequentes eram cultores das letras e das artes. Tinha inclusivamente uma secção chamada «Folhetim», destinada à cultura, letras e artes. Após o desaparecimento do «Escholiaste Médico», só oito anos mais tarde voltou a haver uma revista médica militar, de publicação regular e que se viria a chamar Gazeta dos Hospitais Militares. Durante esses 8 anos, foram publicadas duas revistas de vida efémera, a «Ambulância Médica» e a «Revista Médico-Militar da Índia Portuguesa».
A «Gazeta dos Hospitais Militares» era publicada sob os auspícios do Ministério da Guerra, durou apenas sete anos, com publicação quinzenal e com doze páginas por número. Não era impressa na Imprensa Nacional, e a sua impressão era paga; o ministério cedia-lhe o patrocínio mas não entrava com o essencial, que seria o seu pagamento. Uma das fontes de rendimento da revista eram os anúncios a 50 réis por linha. Uma coisa curiosa e que eu vos quero dizer é que esta revista era impressa na Typografia das Horas Românticas, nome bem sugestivo do ideal dos seus redactores.
Em Outubro de 1886, dois anos depois de ter cessado a sua publicação a «Gazeta dos Hospitais Militares», começou a publicar-se a chamada «Revista de Medicina Militar», inicialmente impressa no Porto e tendo como redactor chefe um jovem médico, pouco conhecido da comunidade médica. Para tudo há uma razão e quando as razões são do género da que justificava tal fenómeno, digamos assim, nada nos espanta, pois isso está na maneira de ser portuguesa, o uso das influências e dos proteccionismos. Sucedia que o dito redactor desconhecido era filho de outro médico, esse sim, bem conhecido e influente, o Dr. Joaquim Theodorico Perdigão, cirurgião de Divisão e Director do Hospital Militar do Porto. Outra coisa curiosa e que tem a ver com a importância que este cirurgião tinha é que ele assina no primeiro número da revista de que seu filho é director, um artigo de opinião em que critica vivamente o poder e o acusa de não considerar devidamente a classe médica e de lhes pagar pouco, muito longe do que o mérito e importância da profissão exigiriam. A «Revista de Medicina Militar» publicou-se apenas até 1890, apesar de ter obtido vários apoios oficiais durante a sua publicação. Não sei bem porque razão ou razões, mas admito que algumas se prendam com a instabilidade da monarquia, a implantação da república, a 1ª guerra mundial e os tempos difíceis das 1ª e 2ª repúblicas, o certo é que foram tempos maus para a imprensa médica aqueles que mediaram entre o fim da Revista de Medicina Militar, em 1890, e o aparecimento do «Boletim da Direcção do Serviço de Saúde Militar», em 1938, primeira revista criada pelo próprio poder político e totalmente paga por ele. Como característica louvável daquela publicação, criaram uma secção totalmente inovadora em que se dava conta do sumário e resumos das várias revistas existentes na biblioteca daquela direcção de serviço, quer portuguesas quer estrangeiras. Destas ainda hoje por lá se encontram vários exemplares espanhóis, brasileiros, americanos, belgas, etc..., mas inexplicavelmente não existe naquela biblioteca nenhum exemplar do número um do «Boletim...» editado por aquela direcção. Durou este Boletim 13 anos, até 1950 e as razões invocadas, no seu último número, pelo seu director para cessar a sua publicação, assentavam na necessidade de alargar o âmbito da Revista aos 3 ramos das Forças Armadas.
Esta razão acabou por ser concretizada em 1953 com o aparecimento da Revista Portuguesa de Medicina Militar que acabou por se publicar até ao ano 2000, altura em que foi substituída pela Revista Portuguesa de Saúde Militar, porque se entendeu que ela se devia dirigir a todo o serviço de saúde e não só aos médicos. A «Revista Portuguesa de Medicina Militar» tinha publicação trimestral e 80 páginas por revista, sendo pluridisciplinar, com alguns números temáticos. Durante a publicação desta revista, foram ainda publicados alguns números dos «Anais do Hospital Militar de Luanda», durante a guerra colonial, e também a «Informação Terapêutica» do Hospital Militar Principal e órgão da Comissão de Farmácia e Terapêutica daquele hospital.
Como devem ter percebido por tudo que vos disse, pode considerar-se extremamente positiva a publicação de revistas de medicina militar durante os séculos XIX e XX, mesmo quando comparada com as publicações civis.
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