Numa dia de festa, como é hoje, pode parecer estranho e, no mínimo, inconveniente, que eu venha quebrar a alegria desta celebração com palavras, que por serem de História, podem sugerir, ou ser mesmo, palavras com sabor a mofo.
Mais deslocadas poderão ser, se pensarmos que o que mais interessa nesta celebração não é falar do passado, mas sobretudo do futuro desta antena do Serviço de Saúde Militar e por arrasto deste Serviço no seu todo.
Se, de facto, assim fosse, teria sido eu o primeiro a escusar-me ao convite que muito gentil e benevolentemente o Senhor Director me fez. Sobretudo, tendo em conta que só uma forte relação de amizade justificaria tal convite, mal pareceria que eu viesse aqui colocar uma nódoa negra e bafienta num dia que se quer festivo, estando-me nas tintas para a amizade. E, evidentemente, colocando mal o meu amigo, perante vós.
Mas, não é do bolor da História que eu vos quero falar, mas do motor que ela pode ser para o progresso das Instituições, para o engrandecimento das mentalidades e para o desenvolvimento da ciência médica.
Vejo já, entre vós, quem me queira interromper e argumentar, contrapondo que nunca se ouviu tamanha barbaridade. Onde se viu a História fazer progredir e avançar fosse o que fosse?
Mas, como a delicadeza e educação de quem me ouve não vai, por certo, levar a essa pronta intervenção contraditória, eu fico com a vantagem de poder prosseguir, e tentar demonstrar, o que até aqui parece indemonstrável.
Como avança o mundo? Com progressos por um lado e retrocessos pelo outro. Se agarrarmos no dia de hoje, que só é presente até amanhã, vemos logo que a noção de passado é de uma grande relatividade e é um engano profundo pensarmos que, para ser passado, tem que ter distância. Se cometermos esse erro, podemos cair naturalmente na conclusão simples e óbvia que o passado pouco nos deixou de positivo e, por exagero manifesto, pode até pensar-se que tínhamos passado bem sem ele. Mas, este é um raciocínio muito simplista e niilista.
O passado, e a História que é o seu registo, foram sempre fonte de progresso. Ou porque o houve, realmente, ou pela afirmação dos erros cometidos, como exemplos a não seguir.
Quem não olhar para isso, está pronto a persistir no erro. E, então, vai seguramente haver retrocesso. É por isso que a lição da História é importante. Pela positiva, quando o foi, e pela negativa, permitindo tirar lições e ensinamentos para o futuro, que, relembro, é já amanhã.
Mas, não queria persistir muito tempo nesta faceta filosófica da História e preferia antes passar a olhar a História no seu capítulo restrito da Medicina e ainda mais especificamente na sua secção de Medicina Militar.
Queria apenas referir alguns factos que me parecem muito importantes e que a maioria das vezes estão afastados do pensamento imediato de quem nesta agitada vida que vivemos ainda encontra algum tempo para pensar.
História da Medicina Militar. Que raio de coisa é essa? Então ela não é igual à História da Medicina? O que é que a distingue? Talvez fosse atrevimento a mais, e verdade a menos, dizer que, absolutamente tudo. Como seria ignorância a mais e verdade a menos, dizer que nada as distingue.
Tenho a tarefa facilitada, porque falando para uma assembleia de militares, é garantia quase absoluta que fazer referência às guerras é falar de qualquer coisa com sentido real e quase palpável. Sendo assim, poderia desde já avançar com a primeira afirmação a ter em conta, e dizer que a Medicina Militar tem a sua própria História e que contribuiu, e continua a contribuir, para o progresso da Medicina em latu sensu.
No tempo em que a Cirurgia era uma parente pobre da Medicina e era considerada uma mera arte que podia ser exercida por todos que para isso mostrassem aptidão manual, já que de estudos não careciam, foi a cirurgia militar a mostrar como se tratavam as feridas de armas brancas e posteriormente após a introdução da pólvora, como se tratavam as feridas por arma de fogo. As amputações e o desenvolvimento das várias técnicas têm raízes profundas nos campos de batalha e na cirurgia militar. Se a isto acrescentarmos que o pai da Cirurgia mundial foi Ambroise Paré, esse ilustre cirurgião militar dos Exércitos franceses que serviu vários reis e que para além de ser um exímio cirurgião era uma grande figura de homem, penso esclarecer de vez que o desenvolvimento da Cirurgia está indissoluvelmente ligado à cirurgia militar. Embora fugindo um pouco ao tema, não resisto a referir uma célebre frase de Paré, quando foi nomeado médico do Rei de França. Quando este lhe disse que, a partir desse momento, esperava que o tratasse ainda melhor, Paré respondeu-lhe, simplesmente, que tal não faria, pela simples razão que, a todos, sem excepção, tratava como se fossem reis. Uma boa resposta e uma boa lição de moral e ética médicas.
Tudo isto passava até ao século XVI. E, depois disso? Quem vemos nós tratando os feridos nas frentes de batalha? Simplesmente os melhores cirurgiões que a Europa tinha, muitos dos quais se notabilizaram, de tal modo, que ainda hoje são padrões respeitados da Cirurgia.
Não é por acaso que tenho falado, só de Cirurgia. È que, embora tendo em conta, que a Cirurgia era uma actividade médica desconsiderada, por parte dos médicos que faziam os seus cursos nas Universidades, o facto é que os maiores progressos se verificaram na cirurgia e o exercício da Medicina encontrou-se até ao século XX num estado de adormecimento e de apatia, e não se pode dizer que a forma de tratar as doenças tenha sofrido alterações que mereçam registo. Se disser que os Aforismos de Hipócrates ainda se ensinavam, e eram seguidos, em finais do século XIX podemos entender bem o estado da Medicina daquele tempo. Há que ressalvar, no entanto, esporádicos avanços, nomeadamente na Anatomia (que em verdade vinha ajudar a cirurgia) e no uso de alguns medicamentos.
Mas, voltemos à Medicina Militar. Quando é que verdadeiramente se pode dizer que a Medicina se desenvolveu e se transformou no que é hoje ? A resposta é chocante, mas é verdadeira. Nos últimos 40 anos. E, se se perguntar agora o que é que fez com que a Medicina evoluísse desta maneira, em tão escasso espaço de tempo? A resposta é igualmente chocante e verdadeira. As guerras. Não tivesse havido a guerra da Coreia e posteriormente a do Vietname e seguramente estaríamos ainda mais atrasados. A necessidade de tratar feridos em massa, ajudada pelo desenvolvimento de novas tecnologias de guerra, que culminou com a aventura do espaço, permitiu os pulos, cada vez mais longos e cada vez mais altos, que a Medicina tem dado.
Como é que nasce a ideia de cuidados intensivos, senão daquelas duas guerras? Como se desenvolve a neurocirurgia, a ortopedia, a cirurgia de queimados, as próteses, a autotransfusão, um sem número de técnicas, senão por necessidade de dar resposta aos doentes, feridos e deficientes de guerra?
A própria ideia de stress foi assim que apareceu. Foi a partir de esmagamentos, em soldados, que o conceito se desenvolveu. O tão conhecido ADN, como e quando aparece? Há escassos 40 anos. E o enorme contributo dos aviões de caça supersónicos e dos submarinos nucleares? A quantos estudos isso obrigou e quantas vantagens vieram para os doentes em geral.
Onde é que o Presidente dos EUA se trata? No Hospital de Walter Reed, naturalmente. A Medicina Militar é uma medicina diferenciada, humana e tecnologicamente bem equipada.
Em Agosto próximo vai decorrer em Lisboa o Congresso Mundial de Cirurgia. Qual é uma das suas secções? O Forum Ambroise Paré, discutindo a especificidade e o futuro da cirurgia de guerra.
Ainda pensam que não se justifica falar em História da Medicina Militar?
E que fizemos nós portugueses no meio disto tudo? Que aproveitamos nós da História e da guerra colonial? A resposta é triste, mas é verdadeira. Nada.
Da História continuamos a babar-nos com o que alguns médicos ilustres fizeram, e a recordar os seus nomes. Quer civis, quer militares. E da guerra? O zero absoluto. Para além do enriquecimento humano, profissional e pessoal de cada um dos médicos que a fizeram e que ali puderam viver uma experiência profissional inesquecível, o que resultou a mais do que isso? Eu repito. O zero absoluto.
Não houve a capacidade de atentar na lição da História e, recordar apenas a mais recente, bastaria. Aonde, a Directiva superior que determinasse recolha obrigatória de informações, comparações de resultados, estudos concertados, políticas de actuação comuns? Aonde? Como diria o Esteves, todos à molhada e fé em Deus. Cada um usando técnicas, métodos e medicamentos a seu belo prazer, impossibilitando estudos e possíveis progressos.
Que ficou realmente da guerra colonial no que à Medicina respeita? O zero absoluto em termos de País e uma experiência única para quem lá esteve.
Não creio que houvesse grande vantagem em que a Comissão encarregada de fazer a História da Guerra Colonial tentasse fazer agora algum estudo, mas o facto de ela não integrar nenhum médico militar que a tenha feito, é prova clara que se continua autista nesta matéria.
E, neste momento? O tal que já é história amanhã. Alguma coisa é diferente? Por força de pertencermos à Nato, alguns médicos militares fazem parte integrante e de direito de alguns Grupos de Trabalho que se encarregam de estudar vários aspectos directamente ligados à Medicina Militar. Todos, à sua maneira, fazem o melhor que podem e sabem. E, vão produzindo trabalho. Mas, pergunta-se, a quem aproveita? A título de exemplo posso referir-vos que, durante dez anos, pertenci como representante de Portugal ao Grupo de Trabalho de Emergência Médica. O nosso trabalho foi reconhecido pelo Plenário do Euromed como tendo muito mérito e decidiu que ele devia ser vertido em livro, que seria a bíblia da emergência médica, para uso dos médicos em serviço no 1º e 2º escalões. O livro foi editado pela Itália que o distribuiu por todos os Países e com a recomendação de que haveria conveniência em que cada país o traduzisse na sua própria língua. O que se fez em Portugal? Que fosse traduzido já se não esperava, mas esperava-se ainda, que, pelo menos, fosse dado a conhecer a todos os médicos militares e lhe fosse distribuído. Na reunião do Vimeiro, em princípio deste mês, ficou claro que ninguém o conhecia. Os exemplares, que a Itália pagou, repousam em gavetas ou prateleiras para exclusiva leitura do pó e da traça.
Isto é um exemplo, mas é já História. No nosso caso, quando seremos capazes de olhar e construir o futuro olhando os erros da nossa História, já que pouco mais temos para aprender do que não cair na sua repetição e tudo fazermos para os evitar.
Foi uma passagem rápida pela História da Medicina Militar, como convinha numa palestra deste tipo. Muito gostaria que tivesse conseguido despertar o interesse de alguns, para um conhecimento mais pormenorizado desta matéria. Terei sido pessimista, mas não fui com certeza menos verdadeiro.
Muito obrigado a todos.
Mais deslocadas poderão ser, se pensarmos que o que mais interessa nesta celebração não é falar do passado, mas sobretudo do futuro desta antena do Serviço de Saúde Militar e por arrasto deste Serviço no seu todo.
Se, de facto, assim fosse, teria sido eu o primeiro a escusar-me ao convite que muito gentil e benevolentemente o Senhor Director me fez. Sobretudo, tendo em conta que só uma forte relação de amizade justificaria tal convite, mal pareceria que eu viesse aqui colocar uma nódoa negra e bafienta num dia que se quer festivo, estando-me nas tintas para a amizade. E, evidentemente, colocando mal o meu amigo, perante vós.
Mas, não é do bolor da História que eu vos quero falar, mas do motor que ela pode ser para o progresso das Instituições, para o engrandecimento das mentalidades e para o desenvolvimento da ciência médica.
Vejo já, entre vós, quem me queira interromper e argumentar, contrapondo que nunca se ouviu tamanha barbaridade. Onde se viu a História fazer progredir e avançar fosse o que fosse?
Mas, como a delicadeza e educação de quem me ouve não vai, por certo, levar a essa pronta intervenção contraditória, eu fico com a vantagem de poder prosseguir, e tentar demonstrar, o que até aqui parece indemonstrável.
Como avança o mundo? Com progressos por um lado e retrocessos pelo outro. Se agarrarmos no dia de hoje, que só é presente até amanhã, vemos logo que a noção de passado é de uma grande relatividade e é um engano profundo pensarmos que, para ser passado, tem que ter distância. Se cometermos esse erro, podemos cair naturalmente na conclusão simples e óbvia que o passado pouco nos deixou de positivo e, por exagero manifesto, pode até pensar-se que tínhamos passado bem sem ele. Mas, este é um raciocínio muito simplista e niilista.
O passado, e a História que é o seu registo, foram sempre fonte de progresso. Ou porque o houve, realmente, ou pela afirmação dos erros cometidos, como exemplos a não seguir.
Quem não olhar para isso, está pronto a persistir no erro. E, então, vai seguramente haver retrocesso. É por isso que a lição da História é importante. Pela positiva, quando o foi, e pela negativa, permitindo tirar lições e ensinamentos para o futuro, que, relembro, é já amanhã.
Mas, não queria persistir muito tempo nesta faceta filosófica da História e preferia antes passar a olhar a História no seu capítulo restrito da Medicina e ainda mais especificamente na sua secção de Medicina Militar.
Queria apenas referir alguns factos que me parecem muito importantes e que a maioria das vezes estão afastados do pensamento imediato de quem nesta agitada vida que vivemos ainda encontra algum tempo para pensar.
História da Medicina Militar. Que raio de coisa é essa? Então ela não é igual à História da Medicina? O que é que a distingue? Talvez fosse atrevimento a mais, e verdade a menos, dizer que, absolutamente tudo. Como seria ignorância a mais e verdade a menos, dizer que nada as distingue.
Tenho a tarefa facilitada, porque falando para uma assembleia de militares, é garantia quase absoluta que fazer referência às guerras é falar de qualquer coisa com sentido real e quase palpável. Sendo assim, poderia desde já avançar com a primeira afirmação a ter em conta, e dizer que a Medicina Militar tem a sua própria História e que contribuiu, e continua a contribuir, para o progresso da Medicina em latu sensu.
No tempo em que a Cirurgia era uma parente pobre da Medicina e era considerada uma mera arte que podia ser exercida por todos que para isso mostrassem aptidão manual, já que de estudos não careciam, foi a cirurgia militar a mostrar como se tratavam as feridas de armas brancas e posteriormente após a introdução da pólvora, como se tratavam as feridas por arma de fogo. As amputações e o desenvolvimento das várias técnicas têm raízes profundas nos campos de batalha e na cirurgia militar. Se a isto acrescentarmos que o pai da Cirurgia mundial foi Ambroise Paré, esse ilustre cirurgião militar dos Exércitos franceses que serviu vários reis e que para além de ser um exímio cirurgião era uma grande figura de homem, penso esclarecer de vez que o desenvolvimento da Cirurgia está indissoluvelmente ligado à cirurgia militar. Embora fugindo um pouco ao tema, não resisto a referir uma célebre frase de Paré, quando foi nomeado médico do Rei de França. Quando este lhe disse que, a partir desse momento, esperava que o tratasse ainda melhor, Paré respondeu-lhe, simplesmente, que tal não faria, pela simples razão que, a todos, sem excepção, tratava como se fossem reis. Uma boa resposta e uma boa lição de moral e ética médicas.
Tudo isto passava até ao século XVI. E, depois disso? Quem vemos nós tratando os feridos nas frentes de batalha? Simplesmente os melhores cirurgiões que a Europa tinha, muitos dos quais se notabilizaram, de tal modo, que ainda hoje são padrões respeitados da Cirurgia.
Não é por acaso que tenho falado, só de Cirurgia. È que, embora tendo em conta, que a Cirurgia era uma actividade médica desconsiderada, por parte dos médicos que faziam os seus cursos nas Universidades, o facto é que os maiores progressos se verificaram na cirurgia e o exercício da Medicina encontrou-se até ao século XX num estado de adormecimento e de apatia, e não se pode dizer que a forma de tratar as doenças tenha sofrido alterações que mereçam registo. Se disser que os Aforismos de Hipócrates ainda se ensinavam, e eram seguidos, em finais do século XIX podemos entender bem o estado da Medicina daquele tempo. Há que ressalvar, no entanto, esporádicos avanços, nomeadamente na Anatomia (que em verdade vinha ajudar a cirurgia) e no uso de alguns medicamentos.
Mas, voltemos à Medicina Militar. Quando é que verdadeiramente se pode dizer que a Medicina se desenvolveu e se transformou no que é hoje ? A resposta é chocante, mas é verdadeira. Nos últimos 40 anos. E, se se perguntar agora o que é que fez com que a Medicina evoluísse desta maneira, em tão escasso espaço de tempo? A resposta é igualmente chocante e verdadeira. As guerras. Não tivesse havido a guerra da Coreia e posteriormente a do Vietname e seguramente estaríamos ainda mais atrasados. A necessidade de tratar feridos em massa, ajudada pelo desenvolvimento de novas tecnologias de guerra, que culminou com a aventura do espaço, permitiu os pulos, cada vez mais longos e cada vez mais altos, que a Medicina tem dado.
Como é que nasce a ideia de cuidados intensivos, senão daquelas duas guerras? Como se desenvolve a neurocirurgia, a ortopedia, a cirurgia de queimados, as próteses, a autotransfusão, um sem número de técnicas, senão por necessidade de dar resposta aos doentes, feridos e deficientes de guerra?
A própria ideia de stress foi assim que apareceu. Foi a partir de esmagamentos, em soldados, que o conceito se desenvolveu. O tão conhecido ADN, como e quando aparece? Há escassos 40 anos. E o enorme contributo dos aviões de caça supersónicos e dos submarinos nucleares? A quantos estudos isso obrigou e quantas vantagens vieram para os doentes em geral.
Onde é que o Presidente dos EUA se trata? No Hospital de Walter Reed, naturalmente. A Medicina Militar é uma medicina diferenciada, humana e tecnologicamente bem equipada.
Em Agosto próximo vai decorrer em Lisboa o Congresso Mundial de Cirurgia. Qual é uma das suas secções? O Forum Ambroise Paré, discutindo a especificidade e o futuro da cirurgia de guerra.
Ainda pensam que não se justifica falar em História da Medicina Militar?
E que fizemos nós portugueses no meio disto tudo? Que aproveitamos nós da História e da guerra colonial? A resposta é triste, mas é verdadeira. Nada.
Da História continuamos a babar-nos com o que alguns médicos ilustres fizeram, e a recordar os seus nomes. Quer civis, quer militares. E da guerra? O zero absoluto. Para além do enriquecimento humano, profissional e pessoal de cada um dos médicos que a fizeram e que ali puderam viver uma experiência profissional inesquecível, o que resultou a mais do que isso? Eu repito. O zero absoluto.
Não houve a capacidade de atentar na lição da História e, recordar apenas a mais recente, bastaria. Aonde, a Directiva superior que determinasse recolha obrigatória de informações, comparações de resultados, estudos concertados, políticas de actuação comuns? Aonde? Como diria o Esteves, todos à molhada e fé em Deus. Cada um usando técnicas, métodos e medicamentos a seu belo prazer, impossibilitando estudos e possíveis progressos.
Que ficou realmente da guerra colonial no que à Medicina respeita? O zero absoluto em termos de País e uma experiência única para quem lá esteve.
Não creio que houvesse grande vantagem em que a Comissão encarregada de fazer a História da Guerra Colonial tentasse fazer agora algum estudo, mas o facto de ela não integrar nenhum médico militar que a tenha feito, é prova clara que se continua autista nesta matéria.
E, neste momento? O tal que já é história amanhã. Alguma coisa é diferente? Por força de pertencermos à Nato, alguns médicos militares fazem parte integrante e de direito de alguns Grupos de Trabalho que se encarregam de estudar vários aspectos directamente ligados à Medicina Militar. Todos, à sua maneira, fazem o melhor que podem e sabem. E, vão produzindo trabalho. Mas, pergunta-se, a quem aproveita? A título de exemplo posso referir-vos que, durante dez anos, pertenci como representante de Portugal ao Grupo de Trabalho de Emergência Médica. O nosso trabalho foi reconhecido pelo Plenário do Euromed como tendo muito mérito e decidiu que ele devia ser vertido em livro, que seria a bíblia da emergência médica, para uso dos médicos em serviço no 1º e 2º escalões. O livro foi editado pela Itália que o distribuiu por todos os Países e com a recomendação de que haveria conveniência em que cada país o traduzisse na sua própria língua. O que se fez em Portugal? Que fosse traduzido já se não esperava, mas esperava-se ainda, que, pelo menos, fosse dado a conhecer a todos os médicos militares e lhe fosse distribuído. Na reunião do Vimeiro, em princípio deste mês, ficou claro que ninguém o conhecia. Os exemplares, que a Itália pagou, repousam em gavetas ou prateleiras para exclusiva leitura do pó e da traça.
Isto é um exemplo, mas é já História. No nosso caso, quando seremos capazes de olhar e construir o futuro olhando os erros da nossa História, já que pouco mais temos para aprender do que não cair na sua repetição e tudo fazermos para os evitar.
Foi uma passagem rápida pela História da Medicina Militar, como convinha numa palestra deste tipo. Muito gostaria que tivesse conseguido despertar o interesse de alguns, para um conhecimento mais pormenorizado desta matéria. Terei sido pessimista, mas não fui com certeza menos verdadeiro.
Muito obrigado a todos.