quinta-feira, novembro 17, 2005

dia do pai, 2002

Eu sei. Eu sei que eles acabam por telefonar, um quase a seguir ao outro. Sim. Eu sei que eles telefonam, que eles acabam por telefonar.
Porquê então aquela tristeza, aquela mágoa, aquela opressão? Mágoa de quê? Da falta deles, da incapacidade minha? O que doía mais, o que me faria mais triste?
Quando eu era um optimista completo, parvamente optimista, eu diria que eles tinham telefonado e ainda antes da hora de jantar.
Mas, hoje, que estou menos crédulo, nos outros e em mim, mais desconfiado e mesmo pessimista, eu fico como se o dia tivesse já passado e eles não tivessem telefonado.
Eu sei que um e outro disseram que só então tinham tido tempo para telefonar e que o dia tinha sido uma confusão de obrigações e ocupações. Eu sei. Eu sei até que isso era verdade e que quer um quer outro se devem ter fartado de trabalhar. Eu sei que um e outro são workoolics. Eu sei, garanto que sei. Mas, porquê então aquela tristeza, aquela mágoa, aquela opressão?
Porquê então aquela desconfiança de pensar que a Mun lhes tinha telefonado a avisar. Porquê?
Porque eu era capaz de me esquecer, julgo os outros à minha imagem?
Porquê envolvo os meus filhos na minha própria incapacidade? Se eu não fui e não sou (ou já serei?) capaz de gerar afectos naqueles que me são próximos, naqueles que tudo deveriam ter de mim, porquê não me resigno a perceber e a sofrer os custos dessa incapacidade? Como posso pedir que me amem, quando lhes não fiz chegar esse sentimento?
Seria bastante eles saberem que os amo, apenas porque o sinto e talvez lhes tenha dito? Será que o amor pode ser dito e afirmado? Ou terá que ser sentido? Apenas sentido?Dói-me o provérbio. Dói-me saber que burro velho não aprende línguas. A sabedoria popular é mesmo sabedoria? Será que eu não terei tempo para inverter este caminho? Será que se eu for capaz de dar, de amar, poderei chegar a receber?

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