Recupero a paz sempre que entro numa sala de leitura. Olhando a imensidão desta sala da Torre do Tombo, moderna, alcatifada, ampla e desafogada, com imenso espaço individual, em secretária de dois metros por mais que um, estante de leitura para grandes livros, paredes rasgadas em vidro sobre a cidade universitária, vem-me ao pensamento a memória das bibliotecas dos monges, com livros de páginas envenenadas como as de «Em nome da rosa». Penso na quietude e no silêncio de então, imagino-os e sinto e vivo o de agora, não tão silêncio assim, com a voz de funcionários conversando, em tom mais alto do que o devido e penso que o permitido também, e verifico que, mesmo assim, tudo aqui é monástico, silencioso, grave, aconchegante, reconciliador, convidando ao olhar interior, embora o exterior nos seja descaradamente mostrado e oferecido.
Está muita gente na sala, jovens e idosos, gordos e magros, estudantes e reformados, todos eles com uma característica comum – estão aqui e sabem porquê. Atentos, embrenhados, tomando notas, lendo, pensativos em pausa, alheados, por vezes, mas não desligados.
Um útero. É o que isto é. Um reconfortante útero, em que não flutuamos, mas estamos, e agora já ouvidos. Um útero que nos protege e defende das agressões do exterior, dos ruídos civilizacionais, dos sons gritados da urbe.
Neste momento tenho fome e ainda aguardo que me chegue o primeiro processo da Pide-DGS sobre a Ordem dos Médicos. Não irei petiscar sem lhe passar a vista em cima. Que venha já, mas já, porque eu não pratico castigos corporais, nem jejuns, como os frades antigos. Nisso sou irremediavelmente moderno, colesterólico, gordo a bem dizer. De físico, mas não de mente.
Tenho fome, grito. Ninguém me ouve. Todos no útero, todos no seu útero, cada um no seu. Se agora gritasse mesmo, talvez nem todos se voltassem, mas só alguns, e estes logo retomariam o seu trabalho, o seu prazer.
Não está aqui ninguém contrariado. Todos estão porque querem, porque gostam ou porque precisam. Penso que ainda não há assalariados para salas de leitura. Penso. Logo existo. Mas, não tenho a certeza que não haja Posso ter a certeza que penso? Quem pode ter certezas, hoje?
Está muita gente na sala, jovens e idosos, gordos e magros, estudantes e reformados, todos eles com uma característica comum – estão aqui e sabem porquê. Atentos, embrenhados, tomando notas, lendo, pensativos em pausa, alheados, por vezes, mas não desligados.
Um útero. É o que isto é. Um reconfortante útero, em que não flutuamos, mas estamos, e agora já ouvidos. Um útero que nos protege e defende das agressões do exterior, dos ruídos civilizacionais, dos sons gritados da urbe.
Neste momento tenho fome e ainda aguardo que me chegue o primeiro processo da Pide-DGS sobre a Ordem dos Médicos. Não irei petiscar sem lhe passar a vista em cima. Que venha já, mas já, porque eu não pratico castigos corporais, nem jejuns, como os frades antigos. Nisso sou irremediavelmente moderno, colesterólico, gordo a bem dizer. De físico, mas não de mente.
Tenho fome, grito. Ninguém me ouve. Todos no útero, todos no seu útero, cada um no seu. Se agora gritasse mesmo, talvez nem todos se voltassem, mas só alguns, e estes logo retomariam o seu trabalho, o seu prazer.
Não está aqui ninguém contrariado. Todos estão porque querem, porque gostam ou porque precisam. Penso que ainda não há assalariados para salas de leitura. Penso. Logo existo. Mas, não tenho a certeza que não haja Posso ter a certeza que penso? Quem pode ter certezas, hoje?
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