quarta-feira, novembro 09, 2005

Morte de um amigo

O poeta morreu esta manhã, mas eu não sou obrigado a acreditar.
A dor dói muito, e dói tanto mais quantas mais razões houver para desejarmos não a ter. Não no sentido de a sentir, mas no sentido de não ter, para ela, a razão de a sentir.
O poeta morreu esta manhã, mas eu não sou obrigado a acreditar. Isto é -- eu já senti a dor, ainda agora. E, tão brutal foi, que brutalmente a senti, quando a notícia me atravessou na ponta de sua espada, num golpe rápido e seco, tão rápido, tão seco, que eu não fui obrigado a acreditar.
E, no entanto, o poeta morreu. Esta manhã, dizem. Mas, que sei eu da morte do poeta, se ele , para mim, ainda não morreu e eu não sou obrigado a acreditar naqueles que me dizem que o poeta morreu. Esta manhã, dizem.
Aliás, o que é a morte? O que é isso a que chamam morte? A morte só é, se nós quisermos que ela seja. Com a excepção, bem óbvia, da nossa própria morte. E, mesmo nessa não temos que acreditar, mas apenas aqueles que nos sobreviverem e que se debaterão depois com a dúvida de saberem se nós morremos, ou não.
A morte, o que é? O cessar de todas as funções vitais, dizem alguns, ou quase todos. Mas, será realmente isto? Será realmente, só isto? Ou nem isto será?
Que sabemos nós da morte, para além da sua representação, do seu cerimonial, do teatro da sua dor?
Se pouco sabemos, ou nada sabemos, porque temos que acreditar nela? Da morte, eu só sei da dor que me atravessa quando um amigo morre, ou alguém me diz que um amigo meu morreu, como hoje sucedeu com o poeta, que todos insistem em me dizer que morreu esta manhã. E, para mim o poeta não morreu.
Não sei da morte. Só sei da dor.
E se é verdade que o poeta morreu, mesmo assim, eu não sou obrigado a acreditar.

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