No Diário de Notícias de há seis dias, José Manuel Pureza publicou este esclarecedor artigo que todos devem conhecer. Porque muitos de v+os não o terão lido, aqui o deixo à vossa consideração.
Adeus até
ao meu regresso (aos mercados)
Em 7 de
Fevereiro de 2011, o Governo presidido por José Sócrates procedeu à última
colocação sindicada de dívida pública portuguesa no mercado com maturidade de
cinco anos. 3500 milhões
de euros foram então colocados a um juro de 6,4%. Dois meses depois, o mesmo
Governo estava a solicitar a intervenção da troika.
Esta lembrança pode ser útil para os que vinham
exibindo um olhar sombrio e que subitamente passaram a entoar hossanas a Gaspar.
Tanta exultação faz lembrar o suicida que se atira de
um prédio de vinte andares e que, a meio da sua queda vertiginosa, diz para si
próprio: "Até aqui tudo bem!"
Fosse fundada a versão épica do louvado regresso aos
mercados e a exultação seria adequada. Não é, infelizmente para todos nós. Por
X motivos.
Primeiro, o regresso aos mercados não é
resultado do sucesso da política de austeridade e da execução orçamental.
Os juros das dívidas soberanas na UE têm estado a
descer fortemente desde Setembro, isto é, desde que o Banco Central Europeu, contrariando
a opinião reiterada do Governo português, decidiu assumir a função de garante
dos créditos aos Estados membros.
Na Grécia- tão criticada por alegadamente não cumprir
as mínimas medidas de austeridade - os juros caíram para metade.
Ora, Portugal não é a Grécia, ou afinal é?...O regresso aos mercados não é a
prova de que a austeridade está certa, mas sim a desculpa certa para impor mais
austeridade.
Não só não vão retroceder os aumentos de impostos ou
os cortes brutais nos salários e nas pensões como o Governo acertará com a
troika, com entusiasmo redobrado, a próxima vaga de cortes avassaladores na
educação, na saúde ou na Segurança Social, isto é, nos lugares da democracia social
em Portugal. Como é bom regressar aos mercados, oh gente espoliada de sustento
e de direitos!
Segundo, o regresso aos mercados não é o
resultado da lucidez e sagacidade do Governo português. A lucidez, neste caso,
tem perna curta: aceder aos mercados é uma das condições fixadas pelo BCE em
Setembro para a dívida de um Estado ser susceptível de compra pelo banco.
O que o Governo agora anuncia com pompa como sendo uma
vitória sua não é afinal mais do que um requisito de uma política europeia que
o mesmo Governo sempre combateu.
O
fundamentalismo ideológico do Governo é, na verdade, o grande derrotado de um
regresso aos mercados como este, de que o Banco Central Europeu é avalista
seguro.
Terceiro, o regresso aos mercados não é o sinal
da retoma da soberania financeira de Portugal. Antes fosse.
Portugal regressou
aos mercados no mesmo dia em que o Eurostat tornou público que a dívida pública
portuguesa atingiu o seu valor mais alto de sempre.
Do segundo para
o terceiro trimestre de 2012, a dívida passou de 117,4% para 120,3% do PIB, sendo a terceira mais elevada da
UE, a seguir à Grécia e à Itália. Comparativamente com o terceiro trimestre de
2011, o aumento estimado da dívida foi de 10%. Mais 25 mil milhões de euros de dívida desde que este
Governo iniciou o seu mandato, mais 11 mil milhões do que aquilo que
estava previsto no memorando com a troika.
Uma dívida assim é insustentável. Bem podemos
regressar aos mercados. Será para lhes pedir mais, não para lhes pagar o que
lhes pedimos.
Podem até dar-nos mais tempo para pagarmos os
empréstimos e os juros. Tempo teremos, dinheiro é que não. Como pode um país que decresce
2% pagar aos mercados um juro de 5% (o que os amicíssimos mercados
fixaram esta semana para o empréstimo a 5 anos)?
Regressámos aos mercados. Mudou, pois, a identidade
dos credores. O que não
mudou foi a nossa prisão a uma receita recessiva que nos atolará em dívida até
ao infinito e mais além. Só a ruptura com essa receita nos merecerá
exultação a sério.
In DN, 25.01.13
Sublinhados que acompanhavam o texto
Sublinhados que acompanhavam o texto