quinta-feira, janeiro 31, 2013

o regresso aos mercados!!!

 
 
No Diário de Notícias de há seis dias, José Manuel Pureza publicou este esclarecedor artigo que todos devem conhecer. Porque muitos de v+os não o terão lido, aqui o deixo à vossa consideração.
 
Adeus até ao meu regresso (aos mercados)

por JOSÉ MANUEL PUREZA, Hoje

Em 7 de Fevereiro de 2011, o Governo presidido por José Sócrates procedeu à última colocação sindicada de dívida pública portuguesa no mercado com maturidade de cinco anos. 3500 milhões de euros foram então colocados a um juro de 6,4%. Dois meses depois, o mesmo Governo estava a solicitar a intervenção da troika.

Esta lembrança pode ser útil para os que vinham exibindo um olhar sombrio e que subitamente passaram a entoar hossanas a Gaspar.

Tanta exultação faz lembrar o suicida que se atira de um prédio de vinte andares e que, a meio da sua queda vertiginosa, diz para si próprio: "Até aqui tudo bem!"

Fosse fundada a versão épica do louvado regresso aos mercados e a exultação seria adequada. Não é, infelizmente para todos nós. Por X motivos.

Primeiro, o regresso aos mercados não é resultado do sucesso da política de austeridade e da execução orçamental.

Os juros das dívidas soberanas na UE têm estado a descer fortemente desde Setembro, isto é, desde que o Banco Central Europeu, contrariando a opinião reiterada do Governo português, decidiu assumir a função de garante dos créditos aos Estados membros.

Na Grécia- tão criticada por alegadamente não cumprir as mínimas medidas de austeridade - os juros caíram para metade.

Ora, Portugal não é a Grécia, ou afinal é?...O regresso aos mercados não é a prova de que a austeridade está certa, mas sim a desculpa certa para impor mais austeridade.

Não só não vão retroceder os aumentos de impostos ou os cortes brutais nos salários e nas pensões como o Governo acertará com a troika, com entusiasmo redobrado, a próxima vaga de cortes avassaladores na educação, na saúde ou na Segurança Social, isto é, nos lugares da democracia social em Portugal. Como é bom regressar aos mercados, oh gente espoliada de sustento e de direitos!

Segundo, o regresso aos mercados não é o resultado da lucidez e sagacidade do Governo português. A lucidez, neste caso, tem perna curta: aceder aos mercados é uma das condições fixadas pelo BCE em Setembro para a dívida de um Estado ser susceptível de compra pelo banco.

O que o Governo agora anuncia com pompa como sendo uma vitória sua não é afinal mais do que um requisito de uma política europeia que o mesmo Governo sempre combateu.

O fundamentalismo ideológico do Governo é, na verdade, o grande derrotado de um regresso aos mercados como este, de que o Banco Central Europeu é avalista seguro.

Terceiro, o regresso aos mercados não é o sinal da retoma da soberania financeira de Portugal. Antes fosse.

Portugal regressou aos mercados no mesmo dia em que o Eurostat tornou público que a dívida pública portuguesa atingiu o seu valor mais alto de sempre.

Do segundo para o terceiro trimestre de 2012, a dívida passou de 117,4% para 120,3% do PIB, sendo a terceira mais elevada da UE, a seguir à Grécia e à Itália. Comparativamente com o terceiro trimestre de 2011, o aumento estimado da dívida foi de 10%. Mais 25 mil milhões de euros de dívida desde que este Governo iniciou o seu mandato, mais 11 mil milhões do que aquilo que estava previsto no memorando com a troika.

Uma dívida assim é insustentável. Bem podemos regressar aos mercados. Será para lhes pedir mais, não para lhes pagar o que lhes pedimos.

Podem até dar-nos mais tempo para pagarmos os empréstimos e os juros. Tempo teremos, dinheiro é que não. Como pode um país que decresce 2% pagar aos mercados um juro de 5% (o que os amicíssimos mercados fixaram esta semana para o empréstimo a 5 anos)?

Regressámos aos mercados. Mudou, pois, a identidade dos credores. O que não mudou foi a nossa prisão a uma receita recessiva que nos atolará em dívida até ao infinito e mais além. Só a ruptura com essa receita nos merecerá exultação a sério.

In DN, 25.01.13
Sublinhados que acompanhavam o texto

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