domingo, novembro 06, 2005

Considerações mais ou menos filosóficas à volta da nossa língua

A falar é que nós nos entendemos. É verdade indiscutível que nada, ou pouco, tropeça nos escolhos de todos os argumentos que se lhe queiram contrapor. A fala pressupõe pensamento. E este, pressupõe mente, onde, como sabemos, são infinitos os seus caminhos. Infinitos e tortuosos. Por mais rectas que sejam as ideias ou a formulação dos pensamentos.
Eu penso, ou digo a mim mesmo que vou pensar, que nada há de melhor para uma relação comigo mesmo ou com os outros, para o intercâmbio ou comunhão de ideias e de vidas e sem que por comunhão se entenda pensar forçosamente o mesmo.
Penso isso e assim, desperto em mim o estímulo-ordem para o processamento mental desta ideia, que vai do pensar isso ao dizer isso.
Seja isto ou seja outra coisa, fisiológica e anatomicamente falando, o caminho será o mesmo, não obrigatoriamente pelas mesmas ruas e praças da alma, mas, pelo menos, pelas suas equivalentes. Nisso, parece não haver dúvida ou eu penso que não há. Recuso-me, como médico, a pensar que os caminhos sejam diferentes em cada um destes circuitos. Diferentes na sua estrutura, evidentemente. Embora possa pensar e não me custe a admitir que haja vias largas, de grande e fácil tráfego, para as ideias correntes, de ésimos de segundo e outras vias mais estreitas, onde é preciso ter condução mais cautelosa e atenção reforçada para qualquer chicane apertada que facilite derrapagens não desejadas. Mas voltemos ao início.
Logo, eu penso. E, logo, aguardo ouvir os sons que fazem a tradução verbal daquilo que pensei. Nada mais fácil, nada mais frequente. Porquê, não sempre? Porquê, só quase sempre?
O que sucede então no que está para além do quase sempre? O que é que leva a que, muitas vezes, a seguir à formulação do pensamento não se ouça o som acórdico ou discórdico que se espera e se ouça antes o silêncio? Assim, tal e qual o escrevi. Se ouça o silêncio.
Porque não é só não ouvir a fala da ideia, mas lembrar apenas a partitura da sua música. Ainda pior. É ouvir a ausência da palavra, ouvir o seu silêncio grave, feito de dissonâncias e atonias que arrepiam, constrangem e angustiam.
O que se passa então? Aonde o lápis azul do neurónio censor? Quem coloca nos caminhos da mente as armadilhas e o conhecimento delas, o lápis e o azul? Quem não dá passagem à ideia? Quem causa os engarrafamentos que dificultam a sua circulação? Porquê, não se escapa então a ideia por caminhos secundários e faz by-pass a todas as barragens? Haverá uma GNR-BT (Brigada de Trânsito) no nosso cérebro? Também andará de Toyota? E, a haver, significará ''gestão não racional de bons textos''?
Como pode o próprio fazer mal a si mesmo? Pensando que faz bem, é evidente. Pensando que proibir a tradução verbal da ideia é defender quem a teve, do ataque de outro. Mas isto é um raciocínio simplista de mais para nele se poder acreditar. Porque para se lhe poder dar crédito, haveria que admitir que há limiares de conhecimento e de entendimento. É admitir que a leitura que o cérebro faz de cada informação é feita de igual modo, de acordo com igual programação. Um software de ''hardsheet''... Isso. Merda para tudo isto, se assim for. Mas, se assim não for, como será? Como pode ser? Informação, tratamento a nível correspondente e resposta adequada, mesmo que esta seja o silêncio? Mas se este silêncio vai doer, aonde o sinal de alarme avisador? O aviso da dor? Será o nosso cérebro um IBM? Cérebro de ''indivíduos bem masoquistas''? Ou como diriam os jovens de agora, ''indivíduos bué masoquistas''?

Ah, como eu adorava ouvir aquilo que penso...
O que é que me defende na escrita?
A escrita liberta?

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