Hoje vou contar-vos a história de uma doença antiquíssima que se confunde com a história da humanidade e que ao longo dos séculos tem vindo a preocupar a humanidade e a ser uma das importantes causas de exclusão social. Só em 1874, pela mão de um médico e investigador sueco, de seu nome Hansen, se tornou completamente identificada, enquanto doença. Este médico sueco descobriu, enquanto observava ao microscópio fragmentos de pele de um leproso, que eram observáveis numerosos micróbios em forma de bacilo, que tinham uma grande semelhança com o bacilo da tuberculose, não só na sua morfologia, como nos processos de coloração. Embora inicialmente a descoberta de Hansen não tivesse feito movimentar a comunidade científica, o facto de posteriormente outros cientistas terem feito observações semelhantes, fez com que o bacilo da lepra passasse a ser conhecido como bacilo de Hansen e cientificamente descrito como mycobacterium leprae, com um tropismo especial para os nervos periféricos e para a pele e mucosas mais frias ou expostas.
Valesco de Taranta no seu Philonium, aconselhava a castração para tratamento da lepra.
Bernardino António Gomes preferia tratar a lepra com o cloreto de cálcio em vez do mercúrio ou do arsénio. No princípio do século XIX, discutia-se ainda se a lepra era ou não transmitida por contágio ou por herança.
Em 1898, Zeferino Falcão dizia no Congresso Nacional de Medicina que havia 1500 leprosos em Portugal e fazia um voto para que se estudasse a doença.
A primeira gafaria de que há notícia na Europa, refere-se ao ano de 460 e situava-se em Saint Oyan. No concílio de Orleans, em 549, foi imposta aos bispos a obrigação de se ocuparem da assistência aos leprosos nas suas dioceses. No que se refere à península ibérica, a primeira notícia remonta ao século VI e à cura milagrosa de um leproso na Galiza. Diz-se habitualmente que a primeira gafaria da península ibérica foi criada em Valência em 1037, por El Cid, mas no que respeita ao território que haveria de ser Portugal, as primeiras referências são de 950 e 968, em que «se pede a doença como castigo de quem não cumprisse o estipulado». E, sabe-se que em 1107 foi feita uma doação ao convento de Paço de Soure para que se tratassem os leprosos. Em Portugal, nesse tempo, a lepra não atingia tanta gente como noutros países, embora houvesse bastantes leprosos. Sabe-se que só em França, no século XIII, havia duas mil gafarias e na Europa havia mais de dezanove mil. Havia cidades em Inglaterra e na Escócia com 20 leprosarias cada uma, quase tantas como havia em todo o Portugal. Supõe-se que a entrada e o aparecimento da lepra em Portugal corresponde ao fim da época das cruzadas e apontam-se como elementos favorecedores do contágio, a fadiga, a mudança de clima, as privações de toda a ordem, o uso de roupas de lã e a frequência extraordinária de banhos públicos. Já em 1177 e 1178, há disposições testamentárias a favor dos gafos ou leprosos de Guimarães, Braga, Barcelos, Ponte de Lima e Rates. Começaram a aparecer legados reais, o primeiro dos quais consta no testamento de D. Sancho I e depois dele, destacam-se os de D. Afonso II que morreu de lepra, Sancho II, Afonso III, D. Diniz, a rainha Santa Isabel. Refira-se que as verbas doadas foram sendo cada vez mais elevadas o que faz supor que o número de leprosos foi aumentando. Pensa-se que foi exactamente no reinado do rei lavrador que a lepra atingiu o seu auge em Portugal e o seu mínimo terá sido no século XVI, altura em que se pensava que ela estava em vias de extinção. Houve gafarias em Portugal desde Afonso Henriques, que fundou a de Santarém. Depois apareceram as de Braga, Guimarães, Fafe, Gafes, Ponte de Lima, Valença, Bragança, Mesão Frio, Coimbra, Gafanha no concelho de Ílhavo, Vagos, Valongo, Amarante, Gaia, Porto, Lamego, Lafões, Castro de Aire, Resende, Pinhel, Alcácer do Sal, Alenquer, Torres Vedras, Sacavém, Cascais, Setúbal, Leiria, Porto de Mós, Óbidos, Évora, Portel, Montemor, Pombal, Arraiolos, Crato, Serpa, Tavira. Pode dizer-se que elas foram aparecendo em todas as terras do país, de acordo com a distribuição dos leprosos.As gafarias situavam-se fora das povoações, geralmente em lugares elevados, e os leprosos viviam aí, fora do convívio comum. Portugal foi sempre terra de brandos costumes. Enquanto na Europa eles eram proibidos de coisas elementares, como casar ou fazer testamento, por exemplo, aqui as limitações eram mínimas e nem sequer era obrigatório o internamento em gafaria; este era voluntário ou decidido pela família. Claro que os que recusavam viver nas gafarias tinham que viver igualmente isolados, mas em locais por eles escolhidos e podiam pedir esmola desde que avisassem, para o que tocavam uma espécie de castanholas, para todos saberem que eles se aproximavam. Houve épocas em que tinham que andar vestidos todos de negro, com duas mãos brancas cosidas no peito e um grande chapéu preto também com uma fita branca. Contudo não podiam comer ou dormir na companhia de pessoas saudáveis e não podiam ser eclesiásticos.Havia gafarias situadas junto de fontes de águas termais porque se pensava que essas águas eram boas para o tratamento. As mais procuradas eram as de Aljustrel e as de S. Pedro do Sul.
Ao longo dos séculos a lepra foi tendo oscilações, mas esteve sempre presente e pode dizer-se que nunca desapareceu completamente. Enquanto Portugal tinha as colónias, houve sempre necessidade de haver leprosarias, quer em Angola quer em Moçambique, normalmente entregues aos cuidados de missionários e sendo de louvar a acção meritória que todos tiveram, bem como a dos médicos que dedicaram as suas vidas a cuidar dos leprosos.
No que respeita a Portugal continental, sucedeu uma autêntica revolução no tratamento da lepra, não tanto nos medicamentos usados, mas na política humana e social com que os leprosos passaram a ser tratados e olhados. Refiro-me à construção deste magnífico hospital onde me encontro, o hospital Rovisco Pais, por decisão da chamada Obra Social de Coimbra, com a finalidade de tratar os leprosos. Antes disso, contudo, procedeu-se a um levantamento mais ou menos correcto do número de leprosos existentes no país, das suas idades, das suas capacidades de trabalho e quais eram contagiosos e não contagiosos. Depois desse trabalho inicial foi escolhido o local para a construção do hospital e foi achado o mais conveniente a chamada Quinta da Fonte Quente e parte dos terrenos vizinhos. Nessa grande área foram criadas três zonas distintas: zona sã, zona intermediária e zona contaminada. Foram construídas vivendas para os trabalhadores da leprosaria e um corpo hospitalar de 3 pisos, com o serviço de consultas e especialidades no primeiro piso, o internamento de mulheres e o bloco operatório no 2º piso e o dos homens no 3º piso. Construiu-se ainda um Asilo, para os mutilados, inválidos, deformados e estropiados que tivessem lesões ulceradas impressionantes, havendo o cuidado de criar uma área grande que permitisse a estes desfavorecidos levar uma vida fácil e ter ar livre.
Construíram-se pavilhões de trabalho, oficinas, onde todos aqueles que fossem válidos e pudessem trabalhar, o fizessem contribuindo assim com o seu trabalho para o funcionamento da obra que os acolhia.
Evidentemente este era um trabalho remunerado e, para além do dinheiro que revertia para o hospital, todos os que trabalhavam recebiam dinheiro bastante para enviarem para a subsistência das suas famílias e dos seus filhos.
Havia, por fim, um núcleo chamado familiar e que albergava todos aquelas famílias em que todos os seus membros estavam doentes. Albergava na altura da sua criação 86 famílias, cada uma delas tendo a sua casa, horta, jardim e capoeiras.
A igreja era comum, mas tinha uma disposição estudada de forma a permitir que todos assistissem, mas sem se misturarem, nem classes sociais, nem sexos, nem sãos ou mutilados.
Foi este hospital um bom exemplo de modernidade e de uma nova maneira de ver a lepra e os leprosos. Para além do que já disse, havia o cuidado de dotar o hospital com todas as valências necessárias a uma vida normal, mesmo para aqueles que ali se encontravam forçosamente isolados. Por isso, havia cinema, teatro, música, desporto e trabalho e condições de vida digna mesmo para aqueles mais afastados disto tudo por força da gravidade das complicações.
Apesar do inquérito inicial e do desenho mais ou menos exacto do mapa da lepra em Portugal, mesmo depois continuaram a existir as chamadas brigadas móveis, constituídas por motorista, médicos, analista e assistente social, que percorriam o país não só para detectar novos doentes como para tratar aqueles que, por qualquer razão, não queriam ir para o hospital. Estas brigadas chegaram a ter ao seu cuidado e vigilância cerca de 10.000 pessoas, em perigo de contágio familiar ou laboral. Todos aqueles que eram altamente contagiosos e mutilados eram obrigatoriamente internados neste hospital por força de um decreto lei de 2 de Agosto de 1947, que despertou grande controvérsia e repúdio por parte de muitos leprosos, mas que, tudo parece, teria sido rapidamente saneado.
A 2 kms. de distância foi construída uma creche, no meio da floresta e com magníficas condições climatéricas, para todas as crianças dos 0 aos 3 anos de idade nascidas no hospital e um preventorium para as crianças dos 3 aos 11 anos, onde tudo lhes era fornecido, da alimentação à educação.
Valesco de Taranta no seu Philonium, aconselhava a castração para tratamento da lepra.
Bernardino António Gomes preferia tratar a lepra com o cloreto de cálcio em vez do mercúrio ou do arsénio. No princípio do século XIX, discutia-se ainda se a lepra era ou não transmitida por contágio ou por herança.
Em 1898, Zeferino Falcão dizia no Congresso Nacional de Medicina que havia 1500 leprosos em Portugal e fazia um voto para que se estudasse a doença.
A primeira gafaria de que há notícia na Europa, refere-se ao ano de 460 e situava-se em Saint Oyan. No concílio de Orleans, em 549, foi imposta aos bispos a obrigação de se ocuparem da assistência aos leprosos nas suas dioceses. No que se refere à península ibérica, a primeira notícia remonta ao século VI e à cura milagrosa de um leproso na Galiza. Diz-se habitualmente que a primeira gafaria da península ibérica foi criada em Valência em 1037, por El Cid, mas no que respeita ao território que haveria de ser Portugal, as primeiras referências são de 950 e 968, em que «se pede a doença como castigo de quem não cumprisse o estipulado». E, sabe-se que em 1107 foi feita uma doação ao convento de Paço de Soure para que se tratassem os leprosos. Em Portugal, nesse tempo, a lepra não atingia tanta gente como noutros países, embora houvesse bastantes leprosos. Sabe-se que só em França, no século XIII, havia duas mil gafarias e na Europa havia mais de dezanove mil. Havia cidades em Inglaterra e na Escócia com 20 leprosarias cada uma, quase tantas como havia em todo o Portugal. Supõe-se que a entrada e o aparecimento da lepra em Portugal corresponde ao fim da época das cruzadas e apontam-se como elementos favorecedores do contágio, a fadiga, a mudança de clima, as privações de toda a ordem, o uso de roupas de lã e a frequência extraordinária de banhos públicos. Já em 1177 e 1178, há disposições testamentárias a favor dos gafos ou leprosos de Guimarães, Braga, Barcelos, Ponte de Lima e Rates. Começaram a aparecer legados reais, o primeiro dos quais consta no testamento de D. Sancho I e depois dele, destacam-se os de D. Afonso II que morreu de lepra, Sancho II, Afonso III, D. Diniz, a rainha Santa Isabel. Refira-se que as verbas doadas foram sendo cada vez mais elevadas o que faz supor que o número de leprosos foi aumentando. Pensa-se que foi exactamente no reinado do rei lavrador que a lepra atingiu o seu auge em Portugal e o seu mínimo terá sido no século XVI, altura em que se pensava que ela estava em vias de extinção. Houve gafarias em Portugal desde Afonso Henriques, que fundou a de Santarém. Depois apareceram as de Braga, Guimarães, Fafe, Gafes, Ponte de Lima, Valença, Bragança, Mesão Frio, Coimbra, Gafanha no concelho de Ílhavo, Vagos, Valongo, Amarante, Gaia, Porto, Lamego, Lafões, Castro de Aire, Resende, Pinhel, Alcácer do Sal, Alenquer, Torres Vedras, Sacavém, Cascais, Setúbal, Leiria, Porto de Mós, Óbidos, Évora, Portel, Montemor, Pombal, Arraiolos, Crato, Serpa, Tavira. Pode dizer-se que elas foram aparecendo em todas as terras do país, de acordo com a distribuição dos leprosos.As gafarias situavam-se fora das povoações, geralmente em lugares elevados, e os leprosos viviam aí, fora do convívio comum. Portugal foi sempre terra de brandos costumes. Enquanto na Europa eles eram proibidos de coisas elementares, como casar ou fazer testamento, por exemplo, aqui as limitações eram mínimas e nem sequer era obrigatório o internamento em gafaria; este era voluntário ou decidido pela família. Claro que os que recusavam viver nas gafarias tinham que viver igualmente isolados, mas em locais por eles escolhidos e podiam pedir esmola desde que avisassem, para o que tocavam uma espécie de castanholas, para todos saberem que eles se aproximavam. Houve épocas em que tinham que andar vestidos todos de negro, com duas mãos brancas cosidas no peito e um grande chapéu preto também com uma fita branca. Contudo não podiam comer ou dormir na companhia de pessoas saudáveis e não podiam ser eclesiásticos.Havia gafarias situadas junto de fontes de águas termais porque se pensava que essas águas eram boas para o tratamento. As mais procuradas eram as de Aljustrel e as de S. Pedro do Sul.
Ao longo dos séculos a lepra foi tendo oscilações, mas esteve sempre presente e pode dizer-se que nunca desapareceu completamente. Enquanto Portugal tinha as colónias, houve sempre necessidade de haver leprosarias, quer em Angola quer em Moçambique, normalmente entregues aos cuidados de missionários e sendo de louvar a acção meritória que todos tiveram, bem como a dos médicos que dedicaram as suas vidas a cuidar dos leprosos.
No que respeita a Portugal continental, sucedeu uma autêntica revolução no tratamento da lepra, não tanto nos medicamentos usados, mas na política humana e social com que os leprosos passaram a ser tratados e olhados. Refiro-me à construção deste magnífico hospital onde me encontro, o hospital Rovisco Pais, por decisão da chamada Obra Social de Coimbra, com a finalidade de tratar os leprosos. Antes disso, contudo, procedeu-se a um levantamento mais ou menos correcto do número de leprosos existentes no país, das suas idades, das suas capacidades de trabalho e quais eram contagiosos e não contagiosos. Depois desse trabalho inicial foi escolhido o local para a construção do hospital e foi achado o mais conveniente a chamada Quinta da Fonte Quente e parte dos terrenos vizinhos. Nessa grande área foram criadas três zonas distintas: zona sã, zona intermediária e zona contaminada. Foram construídas vivendas para os trabalhadores da leprosaria e um corpo hospitalar de 3 pisos, com o serviço de consultas e especialidades no primeiro piso, o internamento de mulheres e o bloco operatório no 2º piso e o dos homens no 3º piso. Construiu-se ainda um Asilo, para os mutilados, inválidos, deformados e estropiados que tivessem lesões ulceradas impressionantes, havendo o cuidado de criar uma área grande que permitisse a estes desfavorecidos levar uma vida fácil e ter ar livre.
Construíram-se pavilhões de trabalho, oficinas, onde todos aqueles que fossem válidos e pudessem trabalhar, o fizessem contribuindo assim com o seu trabalho para o funcionamento da obra que os acolhia.
Evidentemente este era um trabalho remunerado e, para além do dinheiro que revertia para o hospital, todos os que trabalhavam recebiam dinheiro bastante para enviarem para a subsistência das suas famílias e dos seus filhos.
Havia, por fim, um núcleo chamado familiar e que albergava todos aquelas famílias em que todos os seus membros estavam doentes. Albergava na altura da sua criação 86 famílias, cada uma delas tendo a sua casa, horta, jardim e capoeiras.
A igreja era comum, mas tinha uma disposição estudada de forma a permitir que todos assistissem, mas sem se misturarem, nem classes sociais, nem sexos, nem sãos ou mutilados.
Foi este hospital um bom exemplo de modernidade e de uma nova maneira de ver a lepra e os leprosos. Para além do que já disse, havia o cuidado de dotar o hospital com todas as valências necessárias a uma vida normal, mesmo para aqueles que ali se encontravam forçosamente isolados. Por isso, havia cinema, teatro, música, desporto e trabalho e condições de vida digna mesmo para aqueles mais afastados disto tudo por força da gravidade das complicações.
Apesar do inquérito inicial e do desenho mais ou menos exacto do mapa da lepra em Portugal, mesmo depois continuaram a existir as chamadas brigadas móveis, constituídas por motorista, médicos, analista e assistente social, que percorriam o país não só para detectar novos doentes como para tratar aqueles que, por qualquer razão, não queriam ir para o hospital. Estas brigadas chegaram a ter ao seu cuidado e vigilância cerca de 10.000 pessoas, em perigo de contágio familiar ou laboral. Todos aqueles que eram altamente contagiosos e mutilados eram obrigatoriamente internados neste hospital por força de um decreto lei de 2 de Agosto de 1947, que despertou grande controvérsia e repúdio por parte de muitos leprosos, mas que, tudo parece, teria sido rapidamente saneado.
A 2 kms. de distância foi construída uma creche, no meio da floresta e com magníficas condições climatéricas, para todas as crianças dos 0 aos 3 anos de idade nascidas no hospital e um preventorium para as crianças dos 3 aos 11 anos, onde tudo lhes era fornecido, da alimentação à educação.
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