quinta-feira, agosto 03, 2006

e, se eu vos contasse? – 20º programa – o hospital militar de d. pedro v

Já várias vezes abordei o tema e insisti na tónica de que durante muitos séculos se chamava hospital a simples casa ou abrigos, umas e outros simples depósitos de doentes, onde estes ficavam protegidos das intempéries, quando protegiam, e aonde os médicos lhes podiam prestar assistência. Verdadeiros hospitais, feitos propositadamente para esse fim e de acordo com as necessidades próprias de instituições deste tipo, eram raros os que ao longo dos tempos se foram fazendo e todos eles eram hospitais civis. Recordo como mais importante e mais representativo o Hospital Real de Todos os Santos e de uma forma aproximada alguns dos que foram instalados em conventos transformados para esse novo fim.
No que aos hospitais militares respeitava, sabe-se que eles sempre foram aproveitando instalações já construídas para outros fins e que depois eram adaptados a hospitais. Foi preciso chegar a 1862 para se dar início à construção do primeiro hospital militar construído de raiz e exclusivamente destinado a esse fim. Estou a referir-me ao Hospital Militar de D. Pedro V, hospital militar do Porto e hoje Hospital Militar Regional nº. 1.
Antes de ser decidida a sua construção, os doentes militares do Porto e do norte do País, eram tratados em hospitais militares adaptados, de que recordo o hospital de S. Bento da Vitória, instalado no Convento de S. Bento dos Frades, às Taipas, que prestou assistência desde 1808 e durante toda a guerra peninsular, estando ainda em funcionamento em 1832, data em que foi praticamente todo destruído pelas tropas absolutistas, tendo os liberais tido muita dificuldade com a sua reorganização; esta situação obrigou a que os doentes tivessem de ser transferidos para o Convento do Anjo e para a Academia da Marinha e do Comércio, à Graça. Recordo que em 1809 se iniciaram as obras para a construção do Hospital de Santo António.

Neste período foi também utilizado como hospital militar o Convento de São João o Novo, dos eremitas de Santo Agostinho, então desocupado após a extinção das ordens religiosas. Em 25 de Agosto de 1861 foi visitado por D. Pedro V. O Rei ficou impressionado pelo asseio e cuidados prestados, embora o hospital não tivesse condições. Tendo solicitado o livro de honra do hospital para nele escrever as suas impressões, teve de o fazer num simples papel, porque o hospital nem isso tinha. Deve ter sido durante essa visita que D. Pedro V resolveu mandar construir um hospital militar de raiz. Em Novembro de 1861 o hospital militar muda do convento de São João o Novo para a Quinta do Melo ou quinta das Águas Férreas, que pertencia à Viscondessa de Vieiros, onde hoje se encontra a Tutoria, que o governo arrenda para ali instalar o hospital que vai permanecer ali até 1869, data em que os doentes foram transferidos para o novo hospital em construção, então só com uma terça parte construída.
D. Pedro V resolveu então mandar construir um hospital militar no Porto que fosse funcional e capaz de assegurar uma boa assistência aos militares do norte de Portugal. Encarregou o Visconde de Sá da Bandeira, o ministro da Guerra de então, para proceder às medidas necessárias à sua construção. Foi escolhido o local, o chamado Campo das Pardelhas ou sítio das Valas e a compra efectuou-se em Fevereiro de 1862 por 1.800$00 reis.
Logo a 22 de Abril foi assente a primeira pedra, tendo sido realizada essa inauguração com grande solenidade. O Visconde de Sá da Bandeira, mandou comparecer no Porto o cirurgião de brigada José António Marques, o fundador da Cruz Vermelha portuguesa, acompanhado do cirurgião ajudante Silva Cardeira. Foram feitos discursos de grande elevação e a pedra fundadora tinha inscrita numa das faces uma legenda que dizia em latim «hospital militar, debaixo do título do rei D. Pedro V, governando Portugal, D. Luiz I. Edificado no ano de 1862» e na outra face, lia-se «este hospital por decreto de 22 de Março de 1862 tomou o nome nos faustos hospícios de D. Pedro V, príncipe óptimo pela sua exímia solicitude à memória dos vindouros».
O edifício foi construído inicialmente com uma capacidade de 280 doentes, podendo esta ser alargada e oferecendo ainda boas condições a 400 doentes.

Quando foram transferidos os primeiros doentes o edifício construído correspondia apenas a uma terça parte do projecto inicial e resumia-se ao corpo central e frontaria e a dois pavilhões laterais do lado poente, encontrando-se todo o edifício restante apenas nos alicerces, já todos visíveis. Apesar disso, a obra quase parou e só após a implantação da República foram inaugurados outros pavilhões em 1912 e posteriormente, em 1914, mais dois pavilhões, a nascente.
Em 27 de Julho de 1918, ocorreu um grande incêndio que atingiu toda a frontaria e as dependências anexas. Estavam internados 300 doentes que foram rapidamente evacuados para os jardins circundantes do hospital e depois levados pela Cruz Vermelha para o seu hospital que ficava não muito distante daquele. As obras de reconstrução foram rápidas, tendo terminado em 1920 e permitiram que se fizessem melhoramentos. Mas, as obras continuaram e em princípio de 1927 foram inaugurados pavilhões separados do edifício principal e ligados a ele por uma passerelle, onde foram instalados os serviços de infecto contagiosas, tendo sido construídas também algumas casernas para o pessoal e uma lavandaria a vapor.
A memória e a gratidão dos homens nem sempre acompanha a justiça que se deve àqueles que, de uma forma ou de outra, fizeram alguma coisa pelo bem de todos ou de grupos e sectores.
No início da construção deste magnífico hospital, primeiro no sector da saúde militar, construído de raiz, houve o gesto de gratidão de colocar na chamada primeira pedra, a legenda que indicava que o nome do hospital era o de D. Pedro V. Depois do hospital construído, já este rei era morto, depressa os militares se esqueceram de quem tinha sido a decisão de dotar a comunidade militar do norte de um hospital tão bom, que podia competir sem vergonha com os melhores que havia por essa Europa fora, no dizer de muitos responsáveis daquele tempo. Os militares preocuparam-se mais em dar-lhe nome militar e rapidamente esqueceram quem tão generoso tinha sido para eles. Passou a ser apenas hospital militar do Porto, hospital militar permanente do Porto e depois hospital regional, hoje hospital militar regional nº1.
A actual direcção deste hospital teve o gesto louvável de há muito poucos anos atrás, homenagear o rei que tão sensatamente tinha percebido as necessidades da saúde militar do norte de Portugal. E em sessão pública, oficial e muito concorrida, inaugurou no átrio de entrada do hospital este magnífico busto de D. Pedro V, assente em pedestal, com a legenda muito regionalista – «A D. Pedro V, os homens do norte».

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