Cada dia que passa parece haver cada vez menos Europa e cada vez mais Alemanha, cada vez menos políticos competentes e cada vez mais vorazes banqueiros. Cada vez menos humanismo e cada vez mais finanças. Cada vez menos espíritos abertos e esclarecidos e cada vez mais folhas de Excel. Sabe bem quando alguém se manifesta e expõe o seu pensamento. Deixo aqui um texto a ler e meditar da autoria de um professor universitário de Direito que vem afirmar o que outros não são capazes de dizer.
A Europa da vergonha
«A União Europeia agoniza, ligada ao
ventilador do Banco Central Europeu. Já é pouco mais do que um prestamista
ávido e zeloso, que contabiliza dívidas, avaliza empréstimos e apresenta
facturas. Gregos, irlandeses, espanhóis, portugueses ou cipriotas – e, em
breve, outros – deixaram de ser povos ou nações, para passarem a ser,
simplesmente, devedores.
É certo que a UE e as anteriores
Comunidades sempre foram mais dos bancos e do capital financeiro do que dos
cidadãos. Mas esse pecado original que, em certo momento, pareceu poder ser
redimido por um baptismo de cidadania, foi-se, ao invés, agravando, com o
esboroar do mito da Europa social, pela pressão conjunta da crise económica, da
mediocridade e estupidez dos líderes europeus e do despertar dos nacionalismos
adormecidos.
Não é a crise do euro enquanto moeda
o mais preocupante. A moeda, esta ou outra, não passa de um instrumento
económico. O preocupante é que o euro é uma moeda comum a vários países, tendo,
por isso, um valor também simbólico. Como a bandeira, ou o hino. E, tal como
estes, somente fazia sentido como etapa de um percurso integrador.
Mas o percurso integrador, perdidos
os marcos que o pontuavam, desvaneceu-se.
O que ficou foi esta frustração
angustiante, sem amanhã à vista, repleta de decisões que se adiam, de reuniões
inconclusivas, de planos que não se cumprem, de mistificações infantis, de
discursos gastos e patéticos. O episódio lastimável da tentativa de confisco
dos depósitos nos bancos cipriotas é apenas o último e mais reles – até ao
próximo.
O estertor da UE resulta de uma
doença incurável, que os tolos de Bruxelas ao serviço de Berlim pretendem curar
com aspirinas. Eu gostava de acreditar que, nos bastidores desta tragédia, não
estão mãos alemãs. Mas tenho dificuldade. Não consigo esquecer que um país com
menos de 150 anos já quase destruiu a Europa por três vezes, sempre com efeitos
devastadores crescentes. Apenas se conteve quando foi obrigado a ajoelhar pela
força ou quando precisou dos outros países, como no período pós unificação.
Mas, graças à indiscutível capacidade dos alemães e à generosidade dos
vencedores, sempre se reergueu.
Agora não precisa de divisões panzer:
bastou-lhe endividar os compradores da sua gigantesca produção industrial,
passando a controlar os seus bancos. Não precisou de ocupar a Europa porque
a comprou. Culpa também nossa, é certo, que nos vendemos.
A humanidade já viu nascer e morrer
reinos e impérios, sociedades brilhantes e tribos isoladas. Regra geral, não se
evaporaram, transformam-se noutras coisas, em resultado de novas ideias, do
progresso técnico, de revoluções, de catástrofes diversas.
Talvez seja de ponderar se esta
Europa ainda nos interessa, àqueles países que apenas divisam um futuro de
incerteza, sacrifício e empobrecimento. Talvez que o Plano B, que o governo diz
que não tem, deva equacionar os custos e as vantagens – também existem algumas
– não só da saída do euro, mas também de uma saída da UE. Talvez que o tempo da
UE se tenha esgotado, devendo ceder o lugar a outra coisa.
Ou talvez quem esteja a mais na UE
não sejamos nós, os espanhóis ou os gregos – mas os alemães».
Declaro que este texto e quaisquer
referências ou citações nele contidas são da minha exclusiva responsabilidade.
Mar.2013 João Caupers