Contar-vos a história dos óculos, obriga desde logo a contar-vos a história da óptica e do vidro, melhor dizendo, do vidro e da óptica, já que se devem colocar as coisas segundo a sua ordem. Poucas pessoas se terão interrogado algum dia sobre a data e o modo como apareceu o vidro. Quase apostava que a maioria delas, seria capaz de nos dizer que se trata de uma matéria de aparecimento recente. Muito dificilmente alguém poderá avançar com uma data correcta sobre esse aparecimento, mas já se poderá avançar com datas muito recuadas em que se sabe que ele já existia. Por exemplo, no século XV A C., já os egípcios conheciam o vidro havia muito tempo e até o usavam já em formas complementares, como os esmaltes. Os romanos sabe-se que usaram o vidro para iluminação das suas casas de banho. Entre os achados vários da antiguidade, têm aparecido lentes encontradas em Pompeia e Knós e também moedas com inscrições de tal forma microscópicas que teriam que ter sido feitas com o auxílio de poderosas lentes. Se neste último caso elas terão servido como auxiliares da visão, pensa-se hoje que as lentes daquele tempo tinham mais funções sagradas ou para acender o lume, do que auxiliares de visão. Confúcio já falava de um sapateiro que usava uns vidros nos olhos, mas também neste caso se pensa que a razão do seu uso seria ornamental ou mágico. Sabe-se também que gregos, romanos e árabes, indus e chineses usaram lentes como cautérios, no tratamento de feridas. Foi Aristóteles quem pela primeira vez se referiu ao facto de haver uma visão para perto e outra para longe. Foram vários os usos das lentes feitas de vidro. Já disse que as usavam para acender o lume, e curiosamente, Arquimedes diz-se ter inutilizado os navios romanos, queimando-lhe as velas e mastros usando espelhos e a luz do sol. Significa que a reflexão era também já conhecida. Nesse tempo usava-se para a fabricação do vidro, madeira seca e leve junta com cobre e posteriormente a areia. Há quem pense que o primeiro vidro terá aparecido, como produto residual das escórias, após a fundição dos metais. Galeno, conhecido nosso de outros programas, escreveu mais de cem trabalhos sobre os olhos e Ptolomeu escreveu um livro sobre óptica, em que já fala de refracção. Sabe-se que com a queda do Império Romano, quase desapareceu a fabricação do vidro, sendo necessário chegar ao século XI D. C., para se assistir ao renascimento da sua fabricação, sobretudo em Veneza e Murano. Parece que a razão da instalação da fabricação do vidro na ilha de Murano, terá sido devida ou a um evitar os riscos de incêndio que os fornos representariam dentro de Veneza, a um controlo mais apertado dos trabalhadores da fábrica no espaço de uma ilha ou ainda a um especial cuidado em preservar os segredos da fabricação, mostrando que já naquele tempo havia a preocupação da espionagem industrial... Tal como sucedeu na medicina, deve-se aos árabes a preservação dos conhecimentos greco-romanos, muito especialmente na Península Ibérica, por feliz confluência de 3 culturas, cristã, árabe e judaica. Também Averróis e Avicena se preocuparam com a visão e as leis da óptica. No século XI, num livro chinês fala-se pela primeira vez em cataratas e diz-se que a causa tem que ver com as radiações térmicas dos fornos. E vai ser no século XIII que aparecem os antolhos como auxiliares da visão. Deve-se a Roberto Grosseteste e ao seu discípulo Roger Bacon (o conhecido doutor Mirabilis ou Admirabilis), ambos frades franciscanos, também no século XIII, a descrição das lentes convexas e a ajuda que dão à visão dos idosos. Na sua obra «Opus Majus», fala ainda das lentes negativas. Petrarca, na sua «Carta à posteridade», diz que aos 60 anos precisava de lentes para poder ler. Parece não haver dúvidas sobre o facto de o aparecimento dos antolhos ter sucedido no século XIII, mas também parece não haver dúvidas, que só quatro séculos depois se generalizou o seu uso. O aparecimento das lentes planoconvexas, terá sido um acaso, em Murano. Esta demora na sua generalização deve-se ao chamado período da «Conspiração do silêncio», que vai de 1285 a 1589 e se deverá ao facto de se terem estabelecido duas correntes ópticas, uma que representava o saber oficial e outra artesanal, que se combatiam e não se ajudavam, o que levou a haver uma sentença que dizia que a visão se tinha colocado sob a batuta do tacto.. Mas, não são apenas descrições em livros que nos garantem que os óculos apareceram no século XIII. Há um tapete espanhol com o motivo da criação de Eva, em que aparece um velho usando óculos e, muito recentemente foram encontrados uns óculos ou antolhos, em escavações na Alemanha num convento do século XIII. Também a pintura nos mostra representações de óculos, mas a primeira que se conhece e que está na Igreja de São Nicolau, em Treviso e mostra o Cardeal Hugo, usando óculos. E também na Basílica de Santo António de Pádua existe a representação de um Bispo usando antolhos. Mas, há quem diga que já havia óculos no século XII, uma vez que um monge dominicano num dos seus sermões em 1305, teria dito e isso está registado, que os óculos tinham sido inventados 20 anos antes. Os primeiros óculos terão sido feitos em madeira, couro e corno. Sabe-se que eram peças caras e há um registo que fala do seu valor, dizendo que valiam tanto como um magnífico cavalo branco. Devo salientar que no Livro de Ofícios de Veneza do ano 1300, consta a profissão de fabricantes de antolhos. Com o aparecimento da impressão trazida por Gutemberg, alarga-se o número de leitores e também a necessidade de ajuda de visão e consequente fabricação de óculos, levando à criação em Nuremberga do primeiro Grémio dos Fabricantes de Óculos. Com a Imprensa, nasce também o Renascimento. O primeiro retrato de óculos com lentes correctivas negativas é o do Papa Leão X, um Medici, pintado por Rafael. As lentes só deixaram de ser mágicas e misteriosas, depois de Galileu Galilei as tornar ciência, no seu livro «Dioptrias». Kepler discorda de Galileu quanto ao uso das lentes negativas e propõe as positivas e Copérnico considera a retina o orgão receptor, acabando com a ideia antiga de que era o cristalino. Diz-se que foi Nero o primeiro a usar antolhos de sol, mas foi no século XVI e XVII que foram dadas várias ideias sobre eles, como aqueles que defendiam que a cor das lentes devia ser verde, porque era essa a cor da natureza e assim não faria sentido serem amarelos ou vermelhos. No Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Benfica, existem azulejos num dos tanques, que representam crianças atrás de corais e de pérolas, protegidas por óculos de mergulho, isto num palácio seiscentista. Foi ainda no século XVI que apareceu um livro sobre a refracção e inteiramente dedicado à óptica. Leuwenhoech descobre o microscópio o século XVII. O astigmatismo é descrito pela primeira vez no século XVIII, por Thomas Young. É também neste século que os óculos começam a ter hastes, primeiro curtas e depois compridas. E aparece o monóculo. E aparece o primeiro vidro com chumbo. No século XIX, Helmholtz apresenta a sua teoria da visão cromática e introduz as lentes cilíndricas no astigmatismo, tendo desenhado o primeiro oftalmómetro. Em 1823, Purkinje, descreve o primeiro oftalmoscópio. Depois da Revolução Francesa assiste-se à transformação dos óculos em verdadeiras jóias e desenvolve-se a fabricação e o uso das lunetas e dos monóculos. Pode dizer-se que o fundador da moderna oftalmologia foi Von Graefe, que em meados do século XIX, curiosamente, publicou um anúncio em todos os jornais de Berlim, em que oferecia os seus serviços gratuitos. No princípio do século XX, em 1905 mais exactamente, Max Planck apresenta a sua teoria quântica que permite no campo da luz, justificar fenómenos como a emissão e a absorção. E tal como Newton dissera muito tempo antes, ficou assente de vez que a luz se propaga corpúsculo a corpúsculo, fotão a fotão, quanta a quanta. Louis de Broglie, reabilita a teoria ondulatória
Não posso deixar de falar sobre os óculos e os portugueses. Fomos um povo que cedo os usou. Mas o período talvez mais significativo tenha coincidido com os descobrimentos portugueses e com a espantação que chineses e japoneses tiveram com a quantidade de portugueses que usavam óculos. Parece ter sido Francisco Xavier o introdutor dos óculos no Japão, embora o grande sucesso pelo seu uso se tenha ficado a dever ao padre Francisco Cabral que quando desembarcou em 1571 em Guifu, levou ao ajuntamento de uma pequena multidão de 4 a 5 mil pessoas para verem o homem dos quatro olhos. Nos biombos Nanbam existentes no Museu de Arte Antiga de Lisboa, em que a chegada dos portugueses ao Japão está registada como que em banda desenhada, são vários os casos de portugueses com óculos. Os mais idosos e respeitáveis usando óculos para a presbiopia, outros com óculos de sol e outros para a miopia, com os seus óculos parecendo fundos de garrafas, chegando primeiro que os proprietários... No século XIX, imperava a luneta e qualquer dandy que se tivesse em boa conta, tinha que usar uma, ou então um monóculo. A maioria destas lunetas ou monóculos nem lentes graduadas tinham e eram só por puro exibicionismo e petulância. Foi uma altura em que se passaram a usar materiais nobres e caros na confecção das armações, bem como nas caixas para os guardar e proteger, algumas delas de grande beleza. Era de tal modo que o jornal Diário de Notícias, no seu Folhetim, publicava um dia um extenso artigo intitulado o «Elogio dos óculos, em prejuízo da luneta, feito por um cegueta que não vê dois palmos adiante do nariz», em que entre outros preciosismos se lia que «ter luneta é o mesmo que deixar os olhos da cara na algibeira do colete que ficou em casa», ou então «estou vendo isto por um óculo. Jamais se disse: por uma luneta!». Em 1828, imprime-se em Lisboa um livro intitulado «Arte de conservar a vista em bom estado até à extrema velhice....Sobre os inconvenientes e perigos que resultam do uso dos óculos ordinários....». E são ordinários aqueles em que os dois vidros são irregulares, com um foco diferente cada um deles, que não tem grossura igual, que não são bem polidos, que as lentes têm manchas e em que a convexidade não é regular..... Eça de Queirós parodia os cuidados a ter com a limpeza das lentes, contando o caso daquele lord inglês que espantado com uma notícia do Times, que lhe parece inaceitável, tira os óculos e os limpa cuidadosamente, por imaginar que leu mal. Ao longo dos tempos, o formato e tamanho dos óculos sofreu grandes alterações, como se pode ver nestas belíssimas imagens. A primeira mulher representada usando óculos encontra-se na tela existente no Museu de Aveiro, «A Princesa Santa Joana toma hábito no Convento de Jesus. Cerimónia do corte dos cabelos», em que uma das freiras que assiste à cerimónia foi pintada com óculos. Também na gravura em madeira, «Retrato de Clara Lopes, cristaleira» esta é representada usando óculos. Para além daqueles que usavam lunetas, monóculos ou mesmo óculos por pura vaidade e adorno, há que ter em conta aqueles que usavam os óculos por necessidade e porque aquilo que faziam exigia uma boa visão, o mais correcta possível, para que não comprometesse uma acertada execução da tarefa que tinham em mãos. É o caso, por exemplo desta magnífica tela do Museu de Arte Antiga de Lisboa que mostra um Bispo, de óculos, executando uma circuncisão a uma criança. Os pintores, na maior parte dos casos, procuraram dar as características dos óculos, através da luz que atravessava as lentes e das imagens que através delas se viam, o que mostra um certo domínio das teorias da luz da reflexão e da refracção. Atente-se neste magnífico exemplo do retrato de São Tomás de Aquino existente no Museu Nacional de Arte Antiga, em que parte de uma lente está fora da mesa, permitindo com a passagem da luz uma ideia da lente que está em causa. Porque são muitos os casos de pintura portuguesa que retrata pessoas com óculos, deixo-os agora com algumas dessas belíssimas obras que penso não precisarem de palavras para que produzam o efeito desejado de se tornarem objectos visuais de grande beleza.
Não posso deixar de falar sobre os óculos e os portugueses. Fomos um povo que cedo os usou. Mas o período talvez mais significativo tenha coincidido com os descobrimentos portugueses e com a espantação que chineses e japoneses tiveram com a quantidade de portugueses que usavam óculos. Parece ter sido Francisco Xavier o introdutor dos óculos no Japão, embora o grande sucesso pelo seu uso se tenha ficado a dever ao padre Francisco Cabral que quando desembarcou em 1571 em Guifu, levou ao ajuntamento de uma pequena multidão de 4 a 5 mil pessoas para verem o homem dos quatro olhos. Nos biombos Nanbam existentes no Museu de Arte Antiga de Lisboa, em que a chegada dos portugueses ao Japão está registada como que em banda desenhada, são vários os casos de portugueses com óculos. Os mais idosos e respeitáveis usando óculos para a presbiopia, outros com óculos de sol e outros para a miopia, com os seus óculos parecendo fundos de garrafas, chegando primeiro que os proprietários... No século XIX, imperava a luneta e qualquer dandy que se tivesse em boa conta, tinha que usar uma, ou então um monóculo. A maioria destas lunetas ou monóculos nem lentes graduadas tinham e eram só por puro exibicionismo e petulância. Foi uma altura em que se passaram a usar materiais nobres e caros na confecção das armações, bem como nas caixas para os guardar e proteger, algumas delas de grande beleza. Era de tal modo que o jornal Diário de Notícias, no seu Folhetim, publicava um dia um extenso artigo intitulado o «Elogio dos óculos, em prejuízo da luneta, feito por um cegueta que não vê dois palmos adiante do nariz», em que entre outros preciosismos se lia que «ter luneta é o mesmo que deixar os olhos da cara na algibeira do colete que ficou em casa», ou então «estou vendo isto por um óculo. Jamais se disse: por uma luneta!». Em 1828, imprime-se em Lisboa um livro intitulado «Arte de conservar a vista em bom estado até à extrema velhice....Sobre os inconvenientes e perigos que resultam do uso dos óculos ordinários....». E são ordinários aqueles em que os dois vidros são irregulares, com um foco diferente cada um deles, que não tem grossura igual, que não são bem polidos, que as lentes têm manchas e em que a convexidade não é regular..... Eça de Queirós parodia os cuidados a ter com a limpeza das lentes, contando o caso daquele lord inglês que espantado com uma notícia do Times, que lhe parece inaceitável, tira os óculos e os limpa cuidadosamente, por imaginar que leu mal. Ao longo dos tempos, o formato e tamanho dos óculos sofreu grandes alterações, como se pode ver nestas belíssimas imagens. A primeira mulher representada usando óculos encontra-se na tela existente no Museu de Aveiro, «A Princesa Santa Joana toma hábito no Convento de Jesus. Cerimónia do corte dos cabelos», em que uma das freiras que assiste à cerimónia foi pintada com óculos. Também na gravura em madeira, «Retrato de Clara Lopes, cristaleira» esta é representada usando óculos. Para além daqueles que usavam lunetas, monóculos ou mesmo óculos por pura vaidade e adorno, há que ter em conta aqueles que usavam os óculos por necessidade e porque aquilo que faziam exigia uma boa visão, o mais correcta possível, para que não comprometesse uma acertada execução da tarefa que tinham em mãos. É o caso, por exemplo desta magnífica tela do Museu de Arte Antiga de Lisboa que mostra um Bispo, de óculos, executando uma circuncisão a uma criança. Os pintores, na maior parte dos casos, procuraram dar as características dos óculos, através da luz que atravessava as lentes e das imagens que através delas se viam, o que mostra um certo domínio das teorias da luz da reflexão e da refracção. Atente-se neste magnífico exemplo do retrato de São Tomás de Aquino existente no Museu Nacional de Arte Antiga, em que parte de uma lente está fora da mesa, permitindo com a passagem da luz uma ideia da lente que está em causa. Porque são muitos os casos de pintura portuguesa que retrata pessoas com óculos, deixo-os agora com algumas dessas belíssimas obras que penso não precisarem de palavras para que produzam o efeito desejado de se tornarem objectos visuais de grande beleza.
1 comentário:
Bom dia:
Estou a contactá-lo, porque numa consulta que fiz na "net" verifiquei uma referência ao Pombalinho no seu perfil e como sou natural desta aldeia ribatejana, agradou-me o facto de tal descoberta. Estas as minhas primeiras palavras sobre "dar corda ao neurónio" .
Um bom fim de Semana
Enviar um comentário