terça-feira, junho 03, 2008

estou farto das pessoas morninhas de portugal


A leitura de um artigo de Pedro Vieira. na Visão do passado dia 22 de Maio, sobre Mircea Eliade, criou-me a necessidade de vos dar conta da sensação que me deixou a leitura da transcrição de algumas opiniões daquele escritor romeno, sobre Portugal.
Não é de hoje que se publicam opiniões pouco simpáticas sobre algumas características dos portugueses, desde a falta de limpeza pessoal e das cidades, a falta de organização, a tristeza e por aí adiante.
Recordo-me que no século XIX, um dos oficiais médicos que acompanhou as tropas inglesas que nos vieram ajudar a combater os franceses, escreveu um demolidor livro sobre os portugueses que intitulou «Observations on the present state of the portuguese army ... with account of the different military establishement and laws of Portugal ...», que levou à dispensa dos seus serviços pela parte de Portugal e à publicação de um outro livro intitulado «Reflexoens sobre observações do Dr. Andrew Halliday a respeito do Estado Presente do Exército de Portugal», pelo ilustre cirurgião António d'Almeida que saiu à liça em defesa da honra de Portugal (a que se devia juntar algum ódio aos ingleses, já que era tido como "afrancesado").
Mas o que hoje me trouxe a esta reflexão não foi a frequência com que outros nos atacam, mas a forma como Mircea Eliade o fez. Este escritor romeno nascido em 1907 e falecido em 1986, viveu em Portugal 4 anos, vindo expulso de Inglaterra, por ter pertencido e militado num movimento fascista, a Guarda de Ferro. Em Portugal esteve ligado à Embaixada da Roménia, como Adido de Imprensa e depois como Adido Cultural. Interessou-se muito pela cultura portuguesa e escreveu "Diário Português" e "Salazar e a Revolução em Portugal", não chegando a escrever um livro sobre Camões que pretendia publicar. É provavelmente o mais importante e influente especialista em história e filosofia das religiões. Leccionou na Sorbonne e em Chicago.

Pois este filósofo e historiador que tanto amava a cultura portuguesa, emitiu sobre nós estas pérolas que me deixaram a pensar e me obrigaram a trazê-las até vós -
«Quando a febre não é alta, leio literatura portuguesa. Sobretudo Eça e Camões».
«Passei 15 dias em Paris, donde regressei com 200 livros e o coração doente. Estar em Portugal, quando há Paris!».
«Estou farto das pessoas morninhas de Portugal».
«Mas, não sei porquê, Portugal parece-me cada vez mais triste. Prestes a morrer. É um passado sem glória».

Estes quatro desabafos de alma atingem-nos fortemente, não tanto por serem negativos, mas sobretudo porque parece que ele nos passou ao R.X. e viu a chapa com mais nitidez que uma ressonância magnética da alma portuguesa.

É certo que ele tinha-se em grande conta, embora pintasse juntamente com a sua glorificação alguns laivos de aparente modéstia, como quando escreveu - «Sou um Goethe que ainda nem sequer escreveu "Werther", embora já tenha pensado "Fausto II».

Estas citações foram escritas entre 1941 e 1945. É certo que os tempos eram outros e se vivia em regime de medo e de silêncio, de racionamento e polícia política. Mas quem escreveu estas frases, gostava de Salazar. São passadas seis décadas, o Portugal de hoje é outro. Muito, muito diferente. Mas, continuamos morninhos de mais ...

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