Todos os pássaros, todos os pássaros
Asas abriam, erguiam cantos,
De Amor cantavam.
Todos os homens, todos os homens,
De almas abertas, de olhos erguidos,
De Amor cantavam.
José Gomes Ferreira
Assim foi, de facto, nesse dia.
Nesse e nos muitos que se lhe seguiram.
De almas abertas para todos quantos viam, para o vizinho para que nunca tinham olhado, para o empregado que os servia, para o patrão que já antes odiavam.
De olhos erguidos para a luz, para o sol da liberdade, depois dos anos chumbo da ditadura.
Mais do que a 25 de Abril, a catarse total de 1 de Maio. Na verdade todos de amor cantavam. Menos aqueles que apenas cantavam para não se ver o medo interior do acertar de contas possível. Quantos seriam ninguém sabe. A Revolução foi generosa e não houve acerto de contas.
Quem dera que ainda hoje cantássemos com o mesmo amor e de olhos erguidos.
Que saudades tenho de te ver, Zé Gomes, quase todos os fins de tarde a conversar com o Carlos de Oliveira no passeio da Praia da Vitória, frente à casa onde morava o Carlos.
Passado todo este tempo sobre aquele dia e sobre o vosso desaparecimento, acabados muito ideais, emboçados muitos sentimentos, vem-me à cabeça aquele teu verso ímpar – ah, se eu pudesse suicidar-me por seis meses -, que funcionaria como um despertar da esperança, de ao acordar tudo estar diferente.
E se estivesse, como olharíamos para nós por nada termos feito todo esse tempo?
CVR