sexta-feira, abril 10, 2009

o vinho e o mosto - um exercício de intertextualidade 21


Se

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.

Sophia de Mello Breyner Andresen


Por isso me interrogo – se tanto me dói que as coisas passem, deveria ser porque cada instante em mim foi vivo.
Mas verifico honestamente que não. Qualquer pré-filtro, qualquer pré-julgamento, faz com que em mim as coisas sejam já avaliadas antes de serem coisas perante mim, quero dizer perante o “mim” interior. Coisas e sensações entram-me pelos olhos, pelos ouvidos, pelos cheiros, pelo gosto, pela pele, mas é no interior de mim, na central processadora de dados da mente que se faz a verdadeira avaliação, aquela que vai determinar da permanência delas dentro de mim, enquanto lembranças, enquanto memória, apenas despida ou recheada de informação complementar.
Eu sei que este mim, está sempre aberto às coisas e sensações vivas, mas sei também que nem todas se eternizam.
Digamos que tenho memórias vivas de muitas coisas que não consigo reconstruir, o que deveria significar que elas não foram verdadeiramente vivas. Mas foram. Sei que foram. Tão intensamente vivas que apesar da rapidez do processamento ainda deixaram vestígios que, pelos vistos, se mostram indestrutíveis.
Quem me dera que quando o desejasse, pudesse chamar a mim a totalidade dessas vivências, eternizadas, e pudesse voltar a senti-las da mesma forma, com a mesma intensidade, com o mesmo tempo. Seria talvez a melhor forma de me manter vivo.
CVR

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