Reflexão
sobre a planeada destruição dos Hospitais de S. José, Sta. Marta e Sto. António
dos Capuchos
É do desconhecimento geral que há um plano (iniciado em 2009)
para o encerramento e posterior destruição de seis Hospitais de Lisboa ,englobados
na designação de CHLC - Centro Hospitalar Lisboa Central, (S. José, Sta. Marta, Sto. António dos Capuchos, Dona
Estefânia, Curry Cabral e Maternidade
Alfredo da Costa). Esta destruição visa apenas justificar a necessidade da
construção de um novo Hospital dentro da cidade de Lisboa, na zona oriental.
Este Hospital tem sido designado por “Hospital de Todos os Santos”, No entanto,
esta designação não poderá vir a ser usada, por existir já uma anterior patente
do mesmo nome.
Em 2013, o Ministro da Saúde anunciou a anulação do ruinoso
concurso de Parceria Público- Privada do novo Hospital de Todos os Santos (que
já não pode vir a ter este nome) para substituir todos os Hospitais que
constituem atualmente o CHLC . O Governo informou entretanto que vai rever o
negócio deste novo Hospital, embora não exclua que o modelo de PPP venha de
novo a ser escolhido.
Todo este processo, é bem revelador da forma como são
geridos os bens públicos.
Passo a resumir a seguir o que se está a passar com três dos
seis Hospitais do CHLC : S.José, Sta. Marta e Sto António dos Capuchos, apenas
sob o ponto de vista medico. Muito haveria a dizer ainda sobre a destruição
planeada do valioso património, tema que deixo para os especialistas.
1-
Há poucos anos, por meio de engenharia financeira, a Estamo, empresa do Ministério
das Finanças, “comprou” estes Hospitais ao Ministério da Saúde e encomendou discretamente,
sem qualquer Concurso Público, os projetos para os terrenos libertados após a destruição dos referidos
Hospitais. Também não foi dado a conhecer qual o financiamento, no entanto
avançou-se já com projetos e maquetas .
2-
Em julho de 2013,o representante da Estamo, o arquitecto
representante da Câmara Municipal de Lisboa e os arquitectos responsáveis dos
vários projetos apresentaram, em sessão pública na Ordem dos Arquitectos,
sessão onde estive presente, os referidos projetos de arquitectura.
3-
Trata-se de Hospitais instalados em edifícios centenários,
tal como acontece em muitos países da Europa. No Reino Unido, onde foi criado o
primeiro Serviço Nacional de Saúde, terminada a Segunda Guerra Mundial e que
foi o modelo após o 25 de Abril, para o nosso Serviço Nacional de Saúde
(igualdade de acesso aos cuidados de saúde de todos, independentemente das
condições socioeconómicas de cada um) os Hospitais de referência mundial, na
sua área de especialidade, são Hospitais instalados em edifícios centenários,
como o Royal Brompton Hospital, na área da Pneumologia. Também o St. Mary`s
Hospital (o hospital onde nascem os príncipes)
e o King Edward VII Hospital (também usado pela Família Real Britânica)
são Hospitais centenários. Todos eles sitos no centro de Londres. E ninguém se
lembrou de construir hospitais de raiz noutras zonas da cidade, vendendo estas
unidades históricas do centro da cidade para os transformar em hotéis ou
condomínios. Estes exemplos provam, de forma irrefutável, que o Hospital mais
moderno e com as melhores condições pode estar instalado num edifício centenário e localizado no centro
de uma grande cidade.
4-
Estes Hospitais agora ameaçados tiveram início
em edifícios religiosos e desde os anos 80 até ao presente tem havido grandes
investimentos em reconstrução e equipamento dos três Hospitais. Será que os
deputados da Assembleia da República, a ocupar o antigo Convento de S. Bento,
se lembram também de o vender/destruir e construir um novo edifício?
5-
São todos
Hospitais de Referência . É usada
esta classificação para Hospitais que constituem a última linha de cuidados de
saúde em especialidades médicas e cirúrgicas, abrangendo uma população muito
mais vasta que a da sua respetiva área geográfica. As áreas destes três
Hospitais abrangem toda a região de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Regiões
Autónomas e, para algumas terapêuticas muito específicas, todo o País.
Nestes hospitais existem algumas das melhores Unidades altamente
especializadas, com equipas de profissionais de saúde e equipamentos de ponta,
em muitas áreas da Medicina, tais como a Unidade de Queimados no Hospital de S.
José ou a Unidade de Transplante Pulmonar no Hospital de Sta. Marta – única no
país.
6-
Estes três hospitais passaram de um total de
1283 camas no ano de 2003, para um total de 816 camas no ano de 2013. Portanto
em 10 anos perderam-se 467 camas, ou seja
– 37%.
7-
A área ocupada pelos três Hospitais e pelo
Hospital Miguel Bombarda (na Colina de Santana, já encerrado e também com
projeto para os terrenos libertados pela destruição do Hospital) é superior à
área de toda a Baixa Pombalina.
Não parece haver quaisquer estudos que
provem a necessidade de substituição dos seis Hospitais de Referência do Centro
de Lisboa por um novo Hospital em Chelas.
Os responsáveis da Saúde afirmam que esses
estudos existem. No entanto não conseguem dizer quais são e partem do princípio
de que esta decisão é um facto consumado.
O que existe de concreto é o Despacho nº
2025/2007 dos Ministérios das Finanças e
da Saúde que refere que o investimento público na área da saúde deve ser
orientado para a remodelação, ampliação e beneficiação das estruturas
existentes, exatamente o contrário do que está a acontecer.
Parece óbvio que os edifícios do Estado
para a Saúde dentro de uma cidade, de uma região ou dentro do País devem ser
considerados no seu conjunto.
Sabemos que no País não existem Hospitais
de Referência que contenham todas as áreas de ponta de todas as especialidades.
Portanto, a forma correta (que é a que
existe atualmente) é aproveitar os recursos finitos do SNS - os transplantes de
pulmão no Hospital de Sta. Marta, os transplantes de fígado no hospital Curry
Cabral ou os implantes cocleares no CHUC, em Coimbra.
Por aqui se vê como é incorreto, o mais
frequente argumento de, num único Hospital, concentrar todas as Especialidades Médicas,
não falando no absurdo da decisão e dos custos
de destruir Hospitais de Referência em pleno funcionamento!
Se os critérios utilizados para a destruição
destes hospitais fossem generalizados a outros hospitais, tanto no país como no
estrangeiro, muito poucos ficariam de pé.
Concluindo:
o que o Governo diz é que dentro da cidade de Lisboa não precisamos do Hospital
de S. José, do Hospital de Sta. Marta, do Hospital de Sto. António dos Capuchos
e também não precisamos do Hospital Curry Cabral, do Hospital D. Estefânia, da
Maternidade Alfredo da Costa, do Hospital Pulido Valente, do Instituto Gama
Pinto, do Hospital de S. Lázaro… mas precisamos de um novo Hospital, a poucos
quilómetros destes…
Também já precisámos de um novo IPO, na altura da negociata IPO/Isaltino/Duarte Lima…
Fica bem claro que, o que se pretende, é
servir outros interesses, nomeadamente:
1.
Favorecer o negócio das grandes Empresas de
Construção e a Especulação Imobiliária,
2.
Abrir espaço para o negócio privado da saúde,
desarticulando o Serviço Nacional de Saúde .
Constatamos assim que esta
destruição e venda está perfeitamente de acordo com a política a que já nos
habituámos: a alienação dos bens mais valiosos do nosso país.
Elsa Soares Jara
Médica Pneumologista Hospitalar
.
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