quarta-feira, maio 14, 2008

um homem e sua casa-museu


José de Mascarenhas Relvas nasceu na Golegã, a 5 de Março de 1858, filho de Carlos Augusto Mascarenhas Relvas de Campos e Margarida Amélia Mendes de Azevedo Relvas. Passou a maior parte da sua vida, em Alpiarça, no Solar dos Patudos (propriedade que lhe foi oferecida por seu pai em 1888) e onde viria a falecer a 31 de Outubro de 1929. Casou com Eugénia de Loureiro de Queirós do Couto Leitão. Pode dizer-se que não teve uma vida feliz, pois assistiu à morte dos seus 3 filhos (dois deles por febre tifóide e Carlos, exímio pianista, por suicídio em 1919, na manhã seguinte a ter pedido a namorada em casamento).


José Relvas estudou Direito em Coimbra, durante 2 anos, tendo mudado para o Curso Superior de Letras, em Lisboa, que terminou com distinção, em 1880, com uma tese sobre história do direito feudal. Nunca, em situações oficiais ou privadas, permitiu o uso do título académico, gostando de ser tratado por Senhor Relvas.


José Relvas era excelente violinista, tendo sido aluno do espanhol Nicolau Medina Ribas, um dos fundadores da Sociedade de Quartetos do Porto, que se deslocou propositadamente à Golegã para lhe dar aulas.Fundou em 1899, com Michelangelo Lambertini, Costa Carneiro, D. Luís da Cunha e Menezes e Cecil Mackee, a Sociedade de Câmara, cujo primeiro concerto foi no Real Coliseu de Lisboa, a 30 de Janeiro desse ano. Para comemorar este concerto, Malhoa caricaturou individualmente os cinco músicos. Supõe-se que tocou com Guilhermina Suggia, de quem era amigo, num dos serões musicais que aconteceram na Casa dos Patudos. Desta casa alguém disse que "(nela..) amam-se todas as artes mas só uma se cultiva: a Música".


Ao contrário de seu pai, abandonou a monarquia em 1907, influenciado pelas ideias da Geração de 70 e das Conferências do Casino, por discordar da ditadura de João Franco e da solução encontrada para o problema vinícola e também pelas perseguições políticas que se faziam sentir por todo o País. Logo em 1909, José Relvas foi eleito membro do Directório do Partido Republicano Português.


Passou a ser um dos mais acérrimos defensores dos ideais republicanos, pelo que não se deve estranhar que cerca das 10 horas da manhã do dia 5 de Outubro de 1910 tenha sido José Relvas, na varanda da Câmara Municipal de Lisboa, a anunciar a Implantação da República. Carlos Ferrão disse na apresentação das Memórias Políticas de Carlos Relvas, que foi ele quem “preparou em Janeiro de 1910 a reunião que precedeu o plano insurreccional desse ano. (...) Conduziu a missão que foi a Londres e a Paris, (...) esclarecer os meios influentes da Inglaterra e da França, foi a batuta vigilante, (...) andando sempre na rua, nas trinta e três horas que (a revolução) durou (...). Foi o cérebro da revolução.


Desempenhou importantes funções na I República, tendo sido Ministro das Finanças, em 1910-11 (tentou equilibrar as finanças portuguesas sem recorrer a empréstimos; introduziu o escudo como moeda; promulgou um decreto que abriu um crédito de 100 contos para a construção de bairros operários. Acabou ainda com a censura à Imprensa). Em 1911, foi iniciado na loja maçónica Acácia, de Lisboa. De 1911 a 1914 foi Ministro Plenipotenciário em Madrid (pacificou as relações diplomáticas com Espanha, promoveu uma Exposição de Arte Portuguesa, em Madrid, que teve honras de inauguração pelo rei Afonso XIII, com obras de Columbano, Malhoa, Constantino Fernandes, Teixeira Lopes, Veloso Salgado e Carlos Reis, entre outros. Ainda em 1914, foi Senador por Viseu. Foi Chefe do Primeiro Governo em 1919, apenas de Janeiro a Março. Nele incluiu todas as forças políticas e, pela primeira vez, um representante socialista.


Após esta experiência, Relvas sentiu-se desiludido com a vida política. Como cita Eulália Teigas Marques, ele próprio escreveu a um amigo "O erro único de que me penitencio, foi não ter constituído o Governo com pessoas livremente escolhidas e exigir dos partidos o apoio de todas as suas forças, mas sem as características partidárias". Durante toda a sua vida foi um incansável promotor do Associativismo e do Sindicalismo.


O desgosto político e a dor sentida com o suicídio do filho, fizeram com que regressasse a Alpiarça. Refugiou-se na escrita, na organização e continuação da sua colecção de Arte e na Música. Não imaginaria que em Outubro de 1927, a Ditadura Militar faria uma busca à sua casa, o que sentiu como uma grande humilhação.


As Memórias Políticas de José Relvas são um documento imprescindível para a compreensão desse momento de mudança na História de Portugal, que foi a I República.


A sua casa, conhecida como Casa dos Patudos, tinha sido remodelada de 1905 a 1909, segundo projecto do arquitecto Raul Lino (discípulo de A. Haupt), que conseguiu criar uma residência que englobava de uma forma harmoniosa um museu particular dentro de si, onde coabitam a arquitectura, pintura, escultura, artes decorativas (azulejaria, faiança, porcelana, mobiliário, têxteis), desde finais da Idade Média até ao século XX.


Não vou falar do Museu detalhadamente, pois parece-me melhor ouvirem as explicações das habilitadas guias durante a visita. Mas não posso deixar de dizer que nele há de tudo para admirar, desde a casa, aos materiais usados, soluções encontradas, cantarias de pedra de Ançã, aldrabas e ferrolhos de ferro, janelas de guilhotina, lampiões suspensos, chaminés, pináculos, tudo conferindo a esta casa uma vista única, que nos diz muito de quem a desenhou e de quem a mandou construir.


E entrando nela, é um regalo para os olhos ver pintura portuguesa (Malhoa, Columbano, Josefa d’Óbidos, Carlos Reis, etc…) e estrangeira da melhor (Rubens, Memling, Zurbarán, etc…), escultura, azulejaria de Jorge Pinto, tapetes de Arraiolos e Aubusson, porcelanas, cristais, lustres, pratas e mobiliário único, cuidado e de fino gosto.


"Singular residência de um homem de bom gosto", como escreveu Gustavo de Matos Sequeira, a Casa dos Patudos está incluída na lista dos dez primeiros museus portugueses e referida pelos especialistas como o mais importante museu autárquico do país. A reorganização e o estudo do seu valioso espólio, foram feitos ultimamente em parceria com os museus do Louvre, Prado e National Gallery.


Por testamento lavrado em 1929, ano em que morreu, José Relvas legou a Quinta dos Patudos e praticamente todos os seus demais bens ao município de Alpiarça, determinando, entre outras cláusulas, que a residência fosse conservada como museu e mantivesse sempre a designação de Casa dos Patudos. Determinou que fossem os rendimentos da parte rústica, a suportar os encargos com a construção de uma Instituição de auxílio a idosos e crianças, o que espelha bem o ideal republicano de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Impôs as mais singulares condições, como as rosas no seu escritório, os biscoitos no seu quarto, o piano que fora de seu filho, selado.


Tenho visitado esta Casa Museu várias vezes e em todas elas fico com a sensação que é a primeira vez que ali vou. Reconheço a casa, as peças, os espaços e, no entanto, é como se tudo fosse novo para mim, talvez porque há sempre um detalhe que me escapou, um pormenor que me passou despercebido. Por isso, considero que visitar este Museu é uma boa escolha e o nascimento duma ligação que, de vez em quando, se renova. Também me parece aconselhável ler as Memórias Políticas ou a correspondência de José Relvas, pois é bom ler história escrita por quem nela participou. Não percam, porque não se arrependerão.

1 comentário:

Ana Maria Coelho disse...

Muito obrigada pela explicação