quinta-feira, abril 23, 2009

o vinho e o mosto - um exercício de intertextualidade 23


Todos os pássaros, todos os pássaros
Asas abriam, erguiam cantos,
De Amor cantavam.
Todos os homens, todos os homens,
De almas abertas, de olhos erguidos,
De Amor cantavam.

José Gomes Ferreira


Assim foi, de facto, nesse dia.

Nesse e nos muitos que se lhe seguiram.

De almas abertas para todos quantos viam, para o vizinho para que nunca tinham olhado, para o empregado que os servia, para o patrão que já antes odiavam.

De olhos erguidos para a luz, para o sol da liberdade, depois dos anos chumbo da ditadura.

Mais do que a 25 de Abril, a catarse total de 1 de Maio. Na verdade todos de amor cantavam. Menos aqueles que apenas cantavam para não se ver o medo interior do acertar de contas possível. Quantos seriam ninguém sabe. A Revolução foi generosa e não houve acerto de contas.

Quem dera que ainda hoje cantássemos com o mesmo amor e de olhos erguidos.

Que saudades tenho de te ver, Zé Gomes, quase todos os fins de tarde a conversar com o Carlos de Oliveira no passeio da Praia da Vitória, frente à casa onde morava o Carlos.

Passado todo este tempo sobre aquele dia e sobre o vosso desaparecimento, acabados muito ideais, emboçados muitos sentimentos, vem-me à cabeça aquele teu verso ímpar – ah, se eu pudesse suicidar-me por seis meses -, que funcionaria como um despertar da esperança, de ao acordar tudo estar diferente.

E se estivesse, como olharíamos para nós por nada termos feito todo esse tempo?

CVR


2 comentários:

msg disse...

Muito boa noite

Foi o Amor que aqui me trouxe. O Amor!
Amor, que se pode definir como identificação com uma coisa,ser ou causa. É,em última aálise,uma anulação,uma negação,um apagão.
O Amor existe quando alguém se anula,se nega,se apaga,por uma pessoa querida,por uma causa. Por um filho,o pai,a mãe,a cara metade,o vizinho do lado,eu sei lá. O Amor existe porque há pessoas,há sentimentos,há consciência.
Será assim? Sendo assim,onde mora ele,esse Amor,anulação,negação,
apagão?
Não sendo assim,o que é o Amor?
Desculpe,Doutor,mas não resisti,
que o Amor,às vezes,parece-me coisa de Poeta,coisa para Anjos,e não para Homem,ou Mulher. É uma palavra.
Muito boa saúde.

msg disse...

Muito bom dia,Doutor

Em primeiríssimo lugar,o meu muito obrigado pela aceitação do comentário.Animado com a sua benevolência,atrevo-me a acrescentá-lo.
É que passara em branco o 25 de Abril. Mais um, Doutor,mais um fogacho.É a nossa sina,nossa,aqui,nossa,à escala deste pobre mundo.
O 5 de Outubro,o 1820,outros fogachos.Neste segundo passo,Garrett,muito zangado com os "barões",desafando,"antes os frades,que,esses,sempre tinham alguma poesia".
Lá fora,veja o Doutor a Revolução Francesa. Mais uns anitos,e lá estava Napoleão coroando-se e coroando sua mulher,o que ficou bem registado por Jacques-Louis David. Não era de esperar outra coisa de um descendente de florentinos,se não me engano.
Depois,é o clássico "daqui para cá
é nosso,não mais de outros". O Território. A Fronteira.
Para trás,invasões,a seguir a invasões,um cortejo interminável.
O nosso Eça,fazendo-se eco de um dizer antigo,cristalizado,a escrever que a "História é uma velhota que se repete sem cessar".
Um outro clásico não fica aqui nada mal,o"tira-te tu daí,que,agora,é a minha vez".
Tinha de ser tudo isto,e muito mais,porque a triste realidade é esta,Doutor,a suprema realidade,é o Eu e o Tu,todo-poderosos,sem tirar,nem pôr. E enquanto o Eu e o Tu não forem Um Só,mimhas ricas encomendas,nada feito. É o Sua Magestade o Umbigo.É um Caim a "matar"um Abel.
Onde cabe aqui o AMOR? A grande esperança,a última esperança,está no CRIADOR,num outro Big Bang,ou lá o que possa ser,refazendo o Homem e a Mulher,com um novo gene,pelo menos,o da Fraternidade Compulsiva.
Até lá,não há 25 de Abril que nos valha. Só fogachos,só auroras fugidias. É o vira o disco,e toca o mesmo,ainda que com mais ou menos uma notita.
Desculpe,Doutor,mas prometo não reincidir.
Muito boa saúde.