quarta-feira, novembro 18, 2009

o vinho e o mosto - um exercício de intertextualidade 25


91.
(….) Houve tempo em que me irritavam aquelas coisas que hoje me fazem sorrir. E uma delas, que quase todos os dias me lembram, é a insistência com que os homens quotidianos e activos na vida sorriem dos poetas e dos artistas. Nem sempre o fazem, como crêem os pensadores dos jornais, com um ar de superioridade. Muitas vezes o fazem com carinho. Mas é sempre como quem acarinha uma criança, alguém alheio à certeza e à exactidão da vida. (…) E se antigamente eu considerava esse sorriso como um insulto, porque implicasse uma superioridade, hoje considero-o como uma dúvida inconsciente; como os homens adultos muitas vezes reconhecem nas crianças uma agudeza de espírito superior à própria, assim nos reconhecem, a nós que sonhamos e o dizemos, uma qualquer coisa diferente de que eles desconfiam como estranha. Quero crer que, muitas vezes, os mais inteligentes deles entrevejam a nossa superioridade; e então sorriem superiormente para esconder que a entrevêem. (…)

Bernardo Soares, Livro do Desassossego


Se é verdade que também comigo se passa algo de semelhante, tenho desde já que dizer que as razões serão diversas e, sobretudo, grande parte delas ainda não me faz rir. O que fazia sorrir Bernardo Soares, em mim desperta sobretudo tristeza, já que tenho pena daqueles que querem ser superiores e estarão sempre muito longe de o virem a ser. Se nestes casos sorrisse só poderia ser por desprezo, pelo que, tendo em conta o eu ser fundamentalmente um conciliador (mas guerreiro quando no limite), me fico pela pena (que provavelmente, se bem analisada, acaba por ser pior que o desprezo e fará de mim um ser pior do que, ao ter apenas pena, aparento ser).
Sorrir, sorrir (por vezes gargalhar), é quando me deparo com aqueles «periquitos engravatados» (como diz o meu amigo APG), todos acelerativos, nariz arrebitado, cheios de aparente poder, cheios de falsa cultura e eficácia profissional, decisores de nada, convencidos que estão no centro das grandes decisões e que o mundo pára se eles pararem. Aqueles a quem nunca se deve falar de poesia ou de sonhos, porque não sabem o verdadeiro significado dessas duas palavras, Aqueles que nunca perceberão a importância de ser artista ou sonhar (em que é que isso me ajuda a chegar ao topo da carreira? perguntarão eles). A arte só lhes interessa enquanto negócio de grande rentabilidade. Por isso a compram como investimento, embora nunca saibam ou descubram a razão da sua rentabilidade.
E tenho que confessar que o bonzinho que pareço ser, sou muito mais drástico que o Bernardo era. Porque há situações em que não tenho pena, nem sorrio, nem sinto desprezo e, muito simplesmente me irritam e me deixam em transe. Mas não vou enumerá-las ou defini-las. Já fui muito longe no meu id.

CVR

1 comentário:

msg disse...

Muito boa noite,CARO DOUTOR

Não sei porquê,a leitura do seu texto fez-me lembrar um caso passado há muito. Tratava-se dum colega que dispunha de uma memória excepcional. Olha lá,às vezes não te dá para agradeceres,pelo menos aos teus pais,essa tua excelente memória? Eu,agradecer? A memória que eu tenho fui eu que a fiz. Isto,com cara muito séria,de convencido.
Coitado,já lá vai,também há muito.
Enfim,DOUTOR,há que ter paciência,
sorrindo,e levar as coisas com humor.
Muito boa saúde,CARO DOUTOR.