quarta-feira, junho 16, 2010

o vinho e o mosto - um exercício de intertextualidade 30

Salieri

106.
(…) De que me serve citar-me génio se resulto ajudante de guarda-livros? Quando Cesário Verde fez dizer ao médico que era, não o Sr. Verde empregado no comércio, mas o poeta Cesário Verde, usou de um daqueles verbalismos do orgulho inútil que suam o cheiro da vaidade. O que ele foi sempre, coitado, foi o Sr. Verde empregado no comércio. O poeta nasceu depois de ele morrer, porque foi depois de ele morrer que nasceu a apreciação do poeta.
Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se o não fizerem ali?

Bernardo Soares, Livro do Desassossego (Assírio e Alvim, 1998)



Nada mais verdadeiro – o êxito está em ter êxito e não em ter condições de ter êxito. Por isso, e já o escrevi mais do que uma vez, me considerei sempre um Salieri que nada fazia para ser Mozart. De que serviu a Salieri ser compositor da Corte, maestro da Orquestra Imperial, presidente da Tonkünstler-Societät e professor de Beethoven, Czerny, Liszt, Schubert e outros, se o êxito lhe passou ao lado? Não que o êxito importe por si, mas sim como referência da apreciação que o trabalho de alguém merece. O certo é que poucos têm êxito e muitos são os que poderiam tê-lo igualmente. Todos aqueles que têm a terra larga bastante para ter um palácio, mas que nunca ali o construíram. Que nunca o construíram ou que nunca disso se lembraram ou nunca com isso se preocuparam? E, no fundo, quem constrói o êxito? O próprio ou os outros? Se pensarmos nos tempos de hoje quem o constrói? Os lobbies, o marketing, ou o próprio?
O êxito é como as comendas. Será que quem as recebe as merece? Porquê aqueles e não outros? Quantas vezes concordámos que só aqueles as merecem?
Quando Cesário Verde reclama ser chamado de poeta Cesário Verde e não de Snr. Verde, foi apenas por vaidade? Ou terá sido por ter uma real consciência de si? Por se identificar mais com a sua condição de poeta, aquilo que sentia ser, do que com o snr. Verde que para ele era apenas um apelido, mas não ele-pessoa?
«Serei o que quiser, mas tenho que querer o que for». Agir, portanto. Querer.


CVR

3 comentários:

msg disse...

Muito boa noite,CARO DOUTOR

Que tema o de hoje!Será o objectivo
de todos ter Êxito,que ninguém quererá ficar para trás,na sombra,
na plateia. Mas uns nascem melhor preparados,ou estarão no melhor sítio,por uma ou outra razão,por sorte também. A propósito,estou-me a lembrar de Napoleão. A sorte que ele teve de a Córsega ter passado a ser francesa. Um caso muito diferente é o de Van Gogh,a quem o Êxito chegou depois de morto. Enfim,CARO DOUTOR,deve saber bem o Êxito, pois todos o procuram,e quando O agarram,não O querem largar. Faça-lhes bom proveito.

Muito boa saúde,CARO DOUTOR,e muito Êxito.

cvr disse...

Não seria agora que iria agir ...
cvr

msg disse...

Muito bom dia,CARO DOUTOR

Do que li,não tem que dar esse passo,pois já o deu,e de que maneira. Pode estar assim,agora,a
"gozar dos rendimentos". Há que dar oportunidade a outros.

Muito boa saúde,CARO DOUTOR