sexta-feira, outubro 29, 2010

a vida literária


Um artigo recente de António Guerreiro na sua coluna «Ao pé da letra» na Atual de 16 de Outubro p.p., recordou-me uma reflexão bastante recente quando deparei, uma vez mais, com a palavra escritor antecedendo o meu nome, numa encomenda postal enviada pela APE. Perguntei-me então quando se é escritor? O que é preciso para o ser? Apenas ser sócio da APE? Parece-me pouco ou nada. Ter livros publicados? Já será alguma coisa, mas continuará a ser pouco. Ser conhecido e admirado pelos leitores? Será bastante ou tudo, consoante a qualidade dos leitores. Ser aceite pela crítica? Será nada ou quase tudo, consoante quem sejam os críticos. Ser o próprio a considerar-se ou a julgar-se escritor? Será nada, pouco ou bastante consoante for o homem que escreve e agora se julga. Quem o pode julgar, em verdade? Com o tamanho de alguns egos que por aí andam, até se poderá pensar que será essa a medida para aferir a qualidade do escritor. Com o poder do marketing e dos lobbies, não sei se se poderá concluir que o escritor merece esse nome quando é publicitado e louvado aos quatro ventos, se apenas se pode ter a certeza de que vai vender muito, mas não podendo garantir-se que vai ser lido. O texto de António Guerreiro pareceu-me ser certeiro na análise que faz a partir da revista «Ler» e ao apontar a Etologia como ciência necessária para estudar e procurar entender a vida de muitos «contentinhos» que por aí andam, egos inchados, cheios de si, dando-se bem com a vida que alguns fazedores de opinião ou vendedores de produtos, lhes proporcionaram.
Leiam António Guerreiro e pensem.
CVR

A literatura, que na época do romantismo fez da crítica o seu conceito imanente e, com a sociedade de massas, se tornou objeto da sociologia, entrou na fase em que reclama uma etologia. Em rigor, a etologia nada tem a dizer sobre a literatura, mas é a ciência mais competente para falar sobre
aquilo em que esta se dissolve: a vida literária. Entende-se por vida literária o código de comportamentos que rodeiam a instituição literária. A utopia de uma vida literária plena, encontramo-la na revista "Ler". Até um etólogo de fraco saber percebe, mal começa a folheá-la, que entrou numa reserva de vida especial. Não é que esta vida não habite nas páginas literárias dos jornais. Mas na revista "Ler" todos os álibis foram abandonados e o resultado é uma concentração de vida literária, um encontro jubilante de escritores, editores, críticos, divulgadores, leitores: a grande entrevista que eleva o entrevistado ao Olimpo do Grande-Escritor; as rubricas de fait-divers e de brincadeiras inocentes; as notícias e as listas dos livros a sair (a vida literária tem, por definição, uma tensão prospetiva, declina-se sob a forma do que aí vem); o top dos livros mais vendidos nos países a que o leitor cosmopolita não pode deixar de estar atento; a prodigiosa proliferação (dez, ao todo) de crónicas - o bem mais partilhado neste mundo de sonho. Tudo alimentado por um fervoroso amor aos livros, até às suas entranhas materiais. A vida barroca e flamejante deste jardim, que é o melhor dos mundos possíveis, tem a sua expressão na eloquência patética de um Candide sem ironia: "O que faz falta na crítica literária portuguesa é a análise superficial (Jorge Reis-Sá). Só nesta coutada protegida de vida literária, onde reina uma harmonia pré-estabelecida, "um devorador de livros açoriano", anunciado na capa, não é uma séria ameaça a um escritor que, logo abaixo, ousa dizer em voz alta: "O Livro sou eu."

segunda-feira, outubro 25, 2010

um filósofo e comunicador

Mário Sérgio Cortella é um comunicador nato. É professor titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor-convidado da Fundação Dom Cabral. Antes de tudo um filósofo que sabe comunicar e dar a conhecer a beleza da filosofia. Autor de vários livros de que destaco «Não espere pelo epitáfio - provocações filosóficas» e «Nos Labirintos da Moral», autor do programa televisivo «Diálogos Impertinentes» e uma curta participação política como Secretário Municipal da Educação de S. Paulo na década de 90.
No vídeo que vos deixo ele fala sobre Ética, no programa de Jô Soares. Vale a pena ouvi-lo.

ética e moral, na perspectiva de um médico e aprendiz de filósofo


Código de Hamurabi (1690 AC)

Num mundo em que os princípios morais têm sido postos frequentemente em dúvida, sendo diferentes de sociedade para sociedade, de religião para religião, mesmo de indivíduo para indivíduo, a Moral, como um todo, acabou por deixar de governar ou orientar o cidadão.
Isso levou a que as sociedades procurassem, através de leis civis, colmatar essas alterações, porque continua a ser indispensável haver directrizes.
Mas há leis morais que não podem ser substituídas por leis civis. Então, grupos de várias naturezas (social, profissional, etária, ideológica), têm procurado encontrar uma via intermédia que dê solução ao vazio provocado pela perda de, e da, força da Moral. É assim que se refugiam na Ética.
Hoje em dia, é raro ouvir falar-se em Moral, a menos que seja para afirmar que cada vez há menos e, em contrapartida, raro é o dia em que não ouvimos nos media, umas dúzias de vezes, a Ética ser invocada.
Analisemos o que são uma e outra?
A palavra Moral vem do latim Mores e a palavra Ética vem do grego Etikon e ambas significam Costumes.
A palavra Deontologia (vem de Deontos – o Dever) constitui um ramo da Ética, podendo definir-se como a ética profissional.
Há quem afirme que a Ética é a ciência da Moral. Outros entendem que a Ética é a Moral aplicada.
A Moral vive da noção do bem e do mal que são noções de carácter moral, filosóficas.
Por isso os filósofos foram tratando destes assuntos ao longo dos tempos.
Sócrates atendia ao conteúdo do bem moral. Era uma Ética do bem.
Platão optou por uma Ética de fins. Se estes são bons, também o são a intenção, o saber e o poder.
Aristóteles colocou o bem moral, como actuação perfeita do homem, o que lhe permitirá, usando a inteligência prática ou prudência, situar a virtude em rigorosa equidistância.
Para os epicuristas a Ética não seria o estudo de um bem objectivo em si.
Os estóicos acentuaram uma Ética do dever e do ser.
O cristianismo deu lugar à Ética cristã, ontológica e teleológica, por isso o bem ético encontra-se inserido na consecução dos próprios fins da natureza e da sua obra, nas virtudes específicas e no valor de cada ser.
A partir de Kant, a Ética ficou independente das ideias religiosas e transformou-se numa ética do dever, da determinação da verdade.
A revolução industrial ou social teve reflexos importantes no relacionamento entre as pessoas e portanto na Ética. Criou-se a Ética da era industrial.
No que respeita à matéria médica, a ética do médico disponível, cheio de bondade, sempre pronto a sacrificar o seu descanso pelos doentes, muitas vezes sem qualquer paga, deu origem a uma nova Ética: a do profissional de saúde. Onde se apreciavam qualidades morais, avaliam-se agora também qualidades técnicas.
As correntes da Ética e da Moral evoluíram sempre paralelamente às escolas filosóficas.
A Moral é a ciência do comportamento espontâneo, porque estuda o comportamento adquirido durante a formação do indivíduo, nas fases mais precoces da sua vida, intrínseco, quase interiorizado, como tal espontâneo, constituindo a consciência de cada um.
A Ética é a ciência do comportamento elaborado, interessado no comportamento perante as novidades, as tecnologias avançadas; resulta de conceitos muito discutidos, constituindo por fim um Código.
Com a evolução científica acelerada, maior divulgação e absorção mais precoce dos conhecimentos, muitos dos conceitos éticos transformaram-se em conceitos morais.
Tanto no que se refere à Moral como à Ética, importa definir não só o que deve ser, mas também o que não deve ser, o moral e o imoral, o ético e o anti-ético.
Muitos dos princípios considerados éticos nos séculos passados, deixaram hoje de o ser, porque a evolução da ciência e da tecnologia assim o têm exigido.
O Código Ético fica situado entre a Moral e a Ética. E só existe porque os homens não cumprem ou não aceitam os princípios morais.
Um certo número de elementos de carácter social ou pessoal, os conceitos científicos, tecnológicos, as noções morais ou para-morais, a luta entre o saber e o sentir, a importância da emotividade, as modas filosóficas, constituem factores determinantes no sentido ético do comportamento das sociedades.
Existem outros factores, mais estáticos, que têm a ver com as características dos povos, o seu modo de ser e estar que, por exemplo, separam os povos nórdicos dos mediterrânicos.
Ao longo dos séculos, a noção de Ética tem sofrido uma evolução permanente, o mesmo não se passando, de modo tão marcado, com a noção de Moral, porque esta se apoia na existência do Bem e do Mal. Por isso, a Moral é teoria, elaboração mental.
À Ética não interessa o que deve ser ou não deve ser porque se baseia nos factos, na ocorrência. A Ética depende do que ocorre, do que acontece, da novidade.
Nas últimas décadas a Ética passou a ser preocupação dos profissionais de várias áreas, mais do que dos próprios filósofos.
Um pouco por todos os lados, formam-se comissões, integradas por indivíduos que se esforçam em criar princípios éticos relacionados com as suas profissões, que por vezes são princípios de natureza moral, não de natureza ética; porque na sua maioria apontam o que deve ser ou o que não deve ser que, como se sabe, são princípios morais.
A Moral é individual, decide-se no próprio indivíduo, na sua consciência; a Ética é recíproca ou colectiva, um contracto com aceitação das partes.
A Moral é resultado de preceitos, a Ética resultado de confrontos de ideias. Enquanto o médico e o doente estão de acordo, não é exigida a intervenção da Ética.
A Moral propõe, aconselha, mas cada um decide por si; a Ética impõe, e uma vez estabelecida, é entendida como lei que não permite incumprimento.
A Moral diz como deve ser, a Ética diz o que tem de se fazer.
A Moral é ampla, a Ética restrita, porque se refere apenas a campos determinados da actividade humana.
A Moral baseia-se em princípios, a Ética em consequências. Quais as consequências da interrupção voluntária de gravidez, por exemplo.
A Moral é independente, a Ética é condicionada, pela lei geral do país, pela moral, pela deontologia, pelos condicionalismos da profissão e da tecnologia.
A Moral é abstracta, a Ética concreta, tem em mira uma aplicação concreta. Depende de uma prática e desligada desta deixa de ter consistência.
A Moral realiza-se numa Doutrina, a Ética num Código.
¬
Há mais de dois milénios que o Corpo Médico se rege, ou procura orientar-se, por verdades e princípios essenciais que, sendo a base indiscutível da sua independência e liberdade profissionais, constituem a trama e a estrutura da própria independência e liberdade dos doentes que se lhe entregam.
Independência e liberdade do doente, fundamento da liberdade e independência do médico e seu limite.
São elas, precisamente, a Independência e Liberdade, que transparecem e ressaltam nos Juramentos ou nas Preces que ecoam desde há séculos até aos nossos dias, como compromissos do Corpo Médico perante o doente, perante a sociedade, perante a moral e perante Deus.
Se analisarmos todos estes Juramentos e Declarações -

Código de Hamurabi, 1690 AC,

Juramento de Hipócrates, 400 AC,
Juramento Grego (Século IV ou V), de autor desconhecido,
Juramento Médico de Assaph, médico judeu do século VII,
Prece de Moisés Maimonide, século XII,
Juramento de Amato Lusitano, feito em Salónica, no ano do Mundo 5.319 (1559 da nossa era),
A Prece dos Médicos ou «Thephilat Herofim», de Jacob Zahalou, médico e rabino em Itália (1630-1693),
Juramento Médico de Montpellier, redigido por Lallunaut,
Juramento do Conselho da Ordem dos Médicos de França,
Juramento ou Declaração de Genebra, adoptada pela Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Genebra, Suíça, em Setembro de 1948, Juramento do Médico Hebreu, redigido pelo Prof. Halpern, de Jerusalém e pronunciado pela primeira vez em 12 de Maio de 1952, quando da entrega de diplomas aos primeiros diplomados do Estado de Israel,
Oração do Médico, de Sua Santidade o Papa Pio XII,
1.° Código Internacional de Ética Médica, adoptado pela 3.ªAssembleia Geral da Associação Médica Mundial, Inglaterra, Outubro de 1949,
Declaração de Helsínquia, Recomendações para orientação dos médicos em investigação clínica (Adoptada pela 18.ª Assembleia Médica Mundial, Helsínquia, Finlândia, 1964),

veremos que, embora com o desajuste do tempo, não há grandes alterações nos princípios consignados. Muda a forma de os enunciar e a marca de cada período.
Hoje, com o desenvolvimento imparável da medicina, as alterações estão finalmente aí à espreita. Avanços científicos e tecnológicos, banalização das técnicas, modificação dos princípios sociais, influência de filósofos e pensadores, movimentos sociais, são base de fermentação de novos cozinhados éticos.
Ao longo dos últimos anos isso tem sido aparente com problemas como os transplantes, gravidez in vitro, interrupção voluntária de gravidez, eutanásia, doentes terminais, clonagem e por aí fora.
É de esperar que hoje em dia, com a evolução da medicina, nos apareça qualquer dia o dito «cuida de ti mesmo», integrando um código ético de saúde, dado que cuidar de si, será também responsabilidade de cada um.

Entretanto, a Ética deu lugar à Bioética e esta prepara-se para dar lugar à Saniética. Enquanto a primeira tem a ver com o relacionamento entre o homem e a vida, o relacionamento do homem com os elementos da biosfera, a Saniética aplica-se à ética da saúde.
E não será ainda aqui que as coisas vão parar ou abrandar, pois presumo que daqui em diante ainda iremos assistir à publicação anual dos Códigos Éticos e tal como na lei civil, o crime terá que ser analisado à luz do código do ano em que o crime foi cometido.
A menos que a Moral recupere do estado de doença em que caiu e termine o ciclo histórico da sua queda. Por aqui e por ali, começa a haver sinais de que se prepara um renascimento moral.
Assim seja.
CVR

sábado, outubro 23, 2010

o lucro

«The Corporation» é um longo documentário dirigido e produzido por Mark Achbar e Jennifer Abbott, baseado na adaptação do livro de Joel Bakan «The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power», onde o autor analisa a fundo o poder das grandes empresas, desde que em 1886, um juiz decidiu que as corporações poderiam considerar-se como indivíduos. Consequência deste despacho faz com que, apesar das posições individuais de seus fundadores e mesmo após a morte destes, uma corporação continue a sua existência, operando como um "organismo" autónomo em busca de um objectivo bastante específico - o lucro.
Apesar da sua extensão, necessária para bem documentar e defender a tese em discussão, este filme merece a nossa atenção, não porque nos traga algo que desconhecíamos, mas antes por nos mostrar claramente as várias ligações e a trama universal de tudo isto.


sexta-feira, outubro 15, 2010

quinta-feira, outubro 14, 2010

uma verdade difícil de engolir


Desde os últimos tempos do Expresso e depois no Sol, são inúmeras as vezes que não tenho concordado com as opiniões de José António Saraiva. Mas neste seu texto que intitulou Crise Nacional, concordo com tudo que ali escreveu. É um texto bastante realista, embora quase fúnebre, derrotista, mas verdadeiro. Sabemos que irá ser assim, mas recusa-mo-nos a acreditar. Talvez seja melhor que não deixemos de pensar nisso e acautelemos o nosso futuro e o do país. E por assim pensar aqui o transcrevo para conhecimento de quem o não tenha lido.

Crise nacional

Creio que a maioria das pessoas ainda não percebeu bem esta crise – e os economistas não estão a saber explicá-la com clareza. É verdade, como se tem dito, que há uma ‘crise nacional’ e uma ‘crise internacional’. Mas, depois desta evidência, a confusão que por aí vai é enorme.
Comecemos pela crise portuguesa.
Trata-se de uma crise profundíssima, potenciada por três factos capitais: o fim do Império, a passagem da ditadura à democracia e a entrada na União Europeia. Tudo isso, que se pensava vir a ter um efeito benéfico na economia, produziu de facto consequências devastadoras. O fim do Império limitou-nos o espaço vital, cerceou-nos matérias-primas e mercados, diminuiu-nos política e psicologicamente. A passagem da ditadura à democracia (com o seu rosário de greves, nacionalizações, perseguições, saneamentos, reivindicações laborais insustentáveis, etc.) destruiu boa parte do nosso tecido económico.
A entrada na União Europeia e a abolição das fronteiras pôs-nos em confronto com economias muito mais avançadas, acabando de liquidar o que restava da nossa débil capacidade produtiva.
A crise internacional é de outra natureza.
Ela decorre da globalização e tem duas vertentes. Por um lado, os produtos feitos no Ocidente começam a não ter condições para competir a nível global com outros produzidos em países (China, Índia, Coreia, etc.) onde os salários e as regalias laborais são muitíssimo inferiores. Por outro lado, as empresas tendem a transferir cada vez mais as suas fábricas e serviços de Ocidente para Oriente – o que significa que no Ocidente vai aumentar o desemprego e no Oriente vai acentuar-se a procura de mão-de-obra. E, em consequência disso, no Ocidente baixarão os salários, acabarão muitas regalias sociais, numa palavra, será posto radicalmente em causa o tipo de vida que se fez nos últimos 50 anos. No Oriente, pelo contrário, os salários tenderão a subir e o nível de vida crescerá.
Assim, a crise que hoje se vive no Ocidente é de natureza diferente das anteriores.
Antes, eram crises de crescimento do capitalismo dentro da sua área geográfica; agora, a crise tem a ver com a globalização do capitalismo. Repare-se que grande parte do planeta, que até pouco vivia fora do sistema capitalista, aderiu à sociedade de mercado: basta pensar nas adesões quase simultâneas da Rússia e da China para se ter uma ideia do abrupto alargamento da área do capitalismo nos últimos anos. Os grandes grupos multinacionais, que antes estavam limitados a um determinado espaço territorial, hoje têm o planeta inteiro para instalar os seus centros de produção – podendo procurar os salários mais baixos, as melhores ofertas de mão-de-obra, as menores regalias dos trabalhadores.
O planeta tornou-se um sistema de vasos comunicantes – onde, para uns viverem melhor, outros vão ter de viver pior. Para certas regiões subirem o nível de vida, outras vão necessariamente perder privilégios.
Perante isto, perguntará o leitor: o que poderemos fazer para inverter o estado das coisas?
Basicamente, não há nada a fazer.
Os factores que potenciaram a crise nacional são irreversíveis – e a globalização não vai andar para trás.
Assim, vamos ter de nos adaptar à nova situação, o que significa de uma maneira simples trabalhar mais e ganhar menos. Os salários vão baixar (lenta ou abruptamente) entre 10 e 30%, os horários de trabalho vão aumentar (com a abolição total das horas extraordinárias), o 13.º e 14.º meses vão ficar em causa, a idade da reforma também vai ser ampliada (para perto dos 70 anos), o rendimento mínimo garantido vai regredir drasticamente, o subsídio de desemprego também vai diminuir, a acumulação de reformas vai ser limitadíssima. Muitas ‘conquistas dos trabalhadores’ na Europa, obtidas no pós-guerra, vão regredir. As leis laborais vão ter de ser flexibilizadas. O sistema de saúde não vai poder continuar a gastar o que tem gasto.
Preparem-se, porque não vale a pena protestar.
O que não tem remédio, remediado está.
Dizia há dias, com graça, Ernâni Lopes, a propósito do subsídio de férias: «Se dissessem a um americano: ‘Para o mês que vem não trabalhas e ganhas dois ordenados’, ele não acreditava».
Pois há muitos anos é esta a situação: não trabalhamos nas férias e recebemos o dobro.

Isto vai acabar.

José António Saraiva

quarta-feira, outubro 13, 2010

quando os pássaros escrevem música

Jarbas Agnelli encantou-se com uma fotografia que mostrava pássaros poisados nos fios eléctricos em posições tais que configuravam uma autêntica partitura musical. Falando sobre isto com o fotógrafo Paulo Pinto do jornal Estado de S. Paulo, ou Estadão como todos lhe chamam, este enviou-lhe alguns dias depois a foto completa, o que permitiu juntar mais notas de um e outro lado. Então, passadas as posições dos pássaros a uma pauta musical, obteve-se uma música curta, mas surpreendente, melódica e profunda.
No vídeo que aqui deixo, Jarbas Agnelli conta esta história num dos Encontros TED de S. Paulo e uma orquestra interpreta a música obtida de forma tão natural e espontânea como deve ser o repouso dos pássaros.

segunda-feira, outubro 11, 2010

res publica

Nesta época de crise que atravessamos aquilo que, eventualmente, antes dela não nos chamaria a atenção, para além da verificação da diferença, faz agora tocar em nós uma campainha de alarme e, quer queiramos quer não, deixa-nos a pensar sobre isso. E, naturalmente, após o espanto verificamos ter a obrigação de dar a conhecer essa diferença a todos que não a saibam e se venham a espantar, como nós. Vejam atentamente este vídeo e espantem-se. Se é que ainda alguma coisa é capaz de o fazer.
Conheçam como funciona o Parlamento da Suécia e tenham pena desse país tão pobre da Europa ...



E, já agora, vejam o que se passa com os Deputados no Reino Unido e como tudo é tão diferente do caso português. Mas nós somos ricos ...
Os deputados no Reino Unido não têm lugar certo para sentar-se na Câmara dos Comuns; não têm escritórios, nem secretários, nem automóveis; não têm residência (pagam pela sua casa) e pagam por todas as suas despesas, normalmente,como todo e qualquer trabalhador; não têm passagens de avião gratuitas, salvo quando ao serviço do próprio Parlamento. E o seu salário equipara-se ao de um Chefe de Secção de qualquer repartição pública.
Em suma - são, realmente, servidores do povo.
Por cá é como se sabe e como alguns nem sabem. Não lhes parece estranho que os funcionários (não deputados) que trabalham na Assembleia tenham um subsídio equivalente a 80 % do seu vencimento? Porquê? Já viu os jornais falarem disto?

domingo, outubro 10, 2010

sangue novo, precisa-se


Enquanto sedimentam as memórias da minha estadia na Polónia, aproveito para vos deixar aqui um interessante e esclarecido artigo de José Cutileiro publicado na sua coluna «O Mundo dos Outros», que semanalmente assina no Expresso. Recomendo a sua leitura e a meditação devida.

Sangue Novo

Em sentido figurado é o que vai ser preciso em futuros homens de Estado europeus se se quiserem evitar grandes desastres económicos e sociais, incluindo porventura guerras onde há mais de meio século não as havia. Porque como se diz em histórias para crianças: "Acabou-se a papa doce".
Por outras palavras, o edifício de ajudas várias, pagas com impostos arrecadados pelo Estado, que levava os europeus do berço à cova num hovercraft de privilégio tomou-se caro demais. Hoje morre-se muito mais tarde do que se morria dantes, nasce-se muito menos e a assistência médica é custosíssima. O problema só tem uma de duas soluções: ou o Estado recebe muito mais em impostos ou passa a gastar muito menos.
Há anos que se sabia onde se iria chegar e o que se deveria fazer para evitar o pior mas os políticos europeus recusavam-se a tomar medidas que prevenissem o desastre. O primeiro-ministro do Luxemburgo Jean-Claude Junker sintetizou lapidarmente o dilema em 2007, falando pelos governantes da altura: "Sabemos todos o que há a fazer mas não sabemos como ser reeleitos se o fizermos".
As poucas medidas tentadas põem o povo em polvorosa: em França a proposta de passar a idade da reforma de 60 para 62 anos - indispensável para evitar a falência do sistema - aprovada na Assembleia Nacional e em discussão no Senado, está a provocar - com aprovação de 70% dos franceses - manifestações enormes convocadas pelos sindicatos apostados em ganhar mais uma vez um jogo clássico da V República: os eleitos do povo põem e a rua dispõe. Se desta vez Sarkozy conseguir quebrar os sindicatos, a França talvez fique governável.
O mal-estar expressa-se também em explosões de xenofobia: para ganhar votos à extrema-direita Sarkozy expulsa ciganos estrangeiros; na Suécia, até agora sogra moral do mundo, governo de direita minoritário terá de fazer malabarismos para sobreviver sem apoio parlamentar de um partido de extrema-direita hostil a imigrantes; na Holanda um partido também de extrema-direita, anti-islâmico, entra na coligação que vai passar a governar o país. Por toda a parte o Estado social, emblema da social-democracia europeia, que confortava anseios de igualdade e amaciava durezas do dia-a-dia, está a estalar pelas costuras. Um exemplo elucidativo: na Grã-Bretanha a despesa com saúde, educação e segurança social aumentou dez vezes (descontada a inflação) desde 1950 enquanto o rendimento nacional aumentou quatro vezes (também descontada a inflação).
Sangue novo político vai seguramente ser preciso. Em sentido figurado - porque se os que vierem quiserem exemplo a seguir encontram-no no primeiro-ministro da Grécia, Giorgios Papandreu, filho e neto de primeiros-ministros, que divulgou o estado das finanças do seu país e lutou lá dentro e cá fora para meter nos eixos muito mais do que as finanças. Recebeu na Alemanha o Prémio Quadriga, atribuído no dia da Reunificação a "pessoas exemplares e esclarecidas" - no seu caso "por poder de veracidade".

close to you

Mario Ranno nasceu em 28 de Janeiro de 1971 na Catânia, Itália, filho de um conhecido cantor. Naturalmente recebeu educação musical, pertenceu a vários coros e acompanhou artistas conhecidos nos seus tours de concertos. A sua magnífica voz de barítono veio a desenvolver-se e a ligá-lo para sempre à música. Adoptou o nome artístico de Mario Biondi. Embora o seu reconhecimento internacional tenha demorado, hoje é considerado uma das melhores vozes da actualidade em soul e blues. Ouçam a sua voz grave, doce e quente, numa canção que celebrizou o duo The Carpenters em 1970 - Close to You. É uma gravação ao vivo, acompanhado pela Duke Orkestra.

sexta-feira, outubro 01, 2010

a sensualidade e o erotismo nas doses certas

Chegado hoje da Polónia fui encontrar entre o correio recebido este magnífico vídeo, em que o chamado Duo MainTenanT, constituído por Nicolas Besnard e Ludivine Furnon, artistas do Cirque du Soleil, apresentam o seu número circense envolvido numa sensualidade e num erotismo fora do comum nestas exibições. Ludivine Furnon recebeu em Paris a medalha de prata conquistada no 31.º Festival Mundial do Cirque de Demain. Este vídeo foi gravado numa apresentação deste Duo no "Benissimo" Live TV show 2010. Vejam com atenção e não se arrependerão.