No Jornal de Barcelos de 27 de Outubro de 2010, o professor Luís Manuel Cunha publicou em Sinais dos Tempos, o artigo que a seguir vos deixo. É mais um retrato a preto e branco dos portugueses de agora e sempre. O tempo que vivemos é de carpir lágrimas e de revolta, mas é preciso que seja exactamente o contrário disso - não de lágrimas e revolta, mas de lutar, arregaçar as mangas e andar em frente, cabeça erguida, orgulhosos de ser portugueses. Em nome de quê? Daquilo que ao longo dos tempos temos sido - uma coisa e o seu contrário. E sempre fomos grandes quando houve necessidade de o sermos. Pena que então e agora só sejamos o que devemos ser, quando mais nada nos resta antes do desastre. Será que não podemos acabar com esta fatalidade(?) e inverter a regra?
«Acabava de entrar o ano de 1872. E o novo ano que chegava interrogava o ano velho. "- Fale-me agora do povo’’, pedia o novo ano. E o velho: "- É um boi que em Portugal se julga um animal muito livre, porque lhe não montam na anca; e o desgraçado não se lembra da canga!': " - Mas esse povo nunca se revolta?’’, insistia ano novo, espantado. E respondia o velho: "- O povo às vezes tem-se revoltado por conta alheia Por conta própria, nunca: E uma derradeira questão: "- Em resumo, qual é a sua opinião sobre Portugal?': E a resposta lapidar do ano velho: "- Um país geralmente corrompido, em que aqueles mesmos que sofrem não se indignam por sofrer''. Este diálogo deve-se a Eça de Queirós. O mesmo Eça que escreveu sobre o Portugal de então: "O povo paga e reza. Paga para ter ministros que não governam, deputados que não legislam (…) e padres que rezam contra ele. (…) Paga tudo, paga para tudo. E em recompensa, dão-lhe uma farsa:’' Estávamos, repito, em 1872. Estamos obviamente a falar do povo português. Esta "raça abjecta''congénitamente incapaz de que falava Oliveira Martins. Este povo cretinizado, obtuso, que se arrasta submisso, sem pouco de indignação e muito menos de revolta Um povo que se deixa conduzir passivamente por mentirosos compulsivos como Sócrates ou Passos Coelho ou por inutilidades ignorantes como Cavaco Silva, não merece mais que um gesto de comiseração e de desdém. É vê-los nas televisões, por exemplo. Filas e filas de gente acomodada, cabisbaixa, servil, absurdamente resignada, a pagar as estradas que a charlatanice dos políticos tinha jurado "que se pagavam a si mesmas"! Sem qualquer tipo de pejo e com indisfarçável escárnio, o Estado obriga-os a longas filas de espera para conseguirem comprar e pagar o aparelho que lhes vai possibilitar a única forma de pagar as portagens que essa corja de aldrabões agora no poder, se lembrou de inventar! E eles passam a noite inteira à espera, se preciso for. E lá vão depois, bovinamente, de chapéu na mão, a mendigar a senha redentora que lhes dará o "privilégio de serem esbulhados electrónica e quotidianamente pelo Estado': Um povo assim não presta, não passa de uma amálgama amorfa de cobardes. Porque, se esta gentinha "os tivesse no sítio’’, recusar-se-ia massivamente a pagar as portagens. E isso seria o suficiente para que os planos governamentais ruíssem como um castelo de cartas. Mas não. Esta gente come e cala Leva porrada e agradece. E a escumalha de medíocres que detém o poder, rejubila e escarnece desta populaça amodorrada e crassa que paga o que eles quiserem quando e como eles o definirem. Sem um espirro de protesto, sem um acto de revolta violenta, se preciso for. Pelo contrário. Paga tudo, paga para tudo. Sem rebuço, dóceis, de chapéu na mão, agradecidos e reverentes, como o poder tanto gosta. E demonstram-no publicamente, disso fazendo gala. Como eu vi, envergonhado, a imagem de um homenzinho ostentando um sorriso desdentado e exibindo perante as câmaras da TV o aparelhinho que acabara de pagar, como se tivesse ganho uma medalha olímpica. Esta multidão anestesiada espelha claramente o país que somos e que, irremediavelmente, continuaremos a ser - um país estúpido, pequeno e desgraçado. O "sítio" de que falava Eça, a "piolheira’’ a que se referia o rei D. Carlos. "Governado" pelas palavras "sábias" de Alípio Severo, o Conde de Abranhos, essa extraordinariamente actual criação queirosiana, que reflecte bem o segredo das democracias constitucionais. Dizia o Conde: "Eu, que sou governo, fraco mais hábil, dou aparentemente a soberania ao povo. Mas como a falta de educação o mantém na imbecilidade e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito ... " Nem mais. Eis aqui o segredo da governação. A ilustração perfeita com que o rei D. Carlos nos definia há mais de um século: "Um país de bananas governado por sacanas’’. Ontem como hoje. O verdadeiro esplendor de Portugal».
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