No Espaço público do Jornal Público do passado dia 10 de Agosto, publicou Arnaldo Saraiva (ensaísta, professor catedrático jubilado da Universidade do Porto), um magnífico artigo sobre a já habitual e esperada pontaria dos tiros decisórios do senhor presidente da República.
Porque entendo que se trata de um artigo que merece a atenção de todos, curto, incisivo e bem escrito, aqui o deixo para aqueles que visitem este blog.
Os tiros no pé não costumam ser mortais, mas são muito dolorosos e, quando frequentes, diminuem consideravelmente a base de sustentação do atirador.
Porque entendo que se trata de um artigo que merece a atenção de todos, curto, incisivo e bem escrito, aqui o deixo para aqueles que visitem este blog.
Os tiros no pé não costumam ser mortais, mas são muito dolorosos e, quando frequentes, diminuem consideravelmente a base de sustentação do atirador.
«Para que serve o Conselho de Estado? Trata-se do "órgão político de consulta do Presidente da República", mas podemos pôr em causa a sua necessidade, a sua utilidade e a sua constituição; podemos perguntar-nos se ele não serve apenas para aumentar o número de artigos ou de páginas da Constituição (parte III, título II, cap. III, art.os 141-146), de leis (31/84; de 6/9) ou a burocracia, regalias, despesas e algumas projecções balofas.
Será que sem o Conselho de Estado o Presidente da República não poderia consultar e convocar, individual ou colectivamente, os que por inerência fazem parte desse Conselho - os presidentes da Assembleia da República, do Tribunal Constitucional e dos governos regionais, os antigos presidentes da República, o provedor da Justiça - e 10 "cidadãos" escolhidos pelo próprio Presidente da República e pelos partidos?
Será que sem o Conselho de Estado não haverá "homens bons" ou boas mulheres para aconselhar o Presidente em tempos de paz e de guerra?
O que se sabe da história do Conselho de Estado, dá-o como uma desnecessária extensão da Assembleia da República, ou então como um ainda mais inútil poleiro dos partidos maioritários. Mas a constituição do actual Conselho de Estado, agora que Cavaco Silva indicou os 5 membros que por lei lhe competia indicar, pode suscitar reflexões expressivas.
Notemos por exemplo que ele só tem duas mulheres (Assunção Esteves e Leonor Beleza); que não tem ninguém à esquerda dos 5 socialistas (Mário Soares, Jorge Sampaio, Carlos César, Manuel Alegre e António José Seguro); que, com a excepção de Luís Filipe Menezes e dos presidentes das regiões autónomas, não tem ninguém de fora de Lisboa; que não tem ninguém que represente a Igreja Católica (cuja importância histórica os políticos, mesmo os ateus e os agnósticos, costumam assinalar, supostamente sem hipocrisia); que não tem ou só tem um representante genuíno da chamada "inteligentsia" sem política - das artes, das letras, da sociologia, da história, etc.
Se à partida havia o condicionamento legal e talvez discutível das inerências, se os partidos escolhem como regra gente dos partidos - como se um Conselho de Estado devesse reger-se por uma lógica partidária -, competiria sobretudo a Cavaco Silva tentar estabelecer um pouco mais de equilíbrio ou de representatividade simbólica na constituição do órgão que o deve aconselhar, e em que seria à primeira vista proveitosa ou fecunda a existência de vozes bem distintas.
Mas não: ele escolheu João Lobo Antunes, Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Vítor Bento, Bagão Félix. Quer dizer: escolheu só gente da sua área ideológica, engordou ainda mais a representatividade do PSD - que já tinha o poder de um Presidente, de um primeiro-mínistro e de uma maioria -, lisboetizou ainda mais um Conselho que ganharia em ter maior representatividade nacional, privilegiou ainda mais a política dos políticos (sem se dar conta de que a política é coisa demasiado séria para que possa ser confiada apenas aos políticos profissionais), mostrou-se desatento lá onde poderia ser clarividente - por exemplo, recuperando Gomes Canotilho, que, por conveniências partidárias, deixou de fazer parte do Conselho, ou escolhendo um homem como o que ao longo de décadas mais e melhor pensou sobre Portugal, Eduardo Lourenço.
O Conselho de Estado vale o que na realidade vale, mas vale também simbolicamente. Como presidente desse Conselho e Presidente de Portugal, Cavaco Silva, que outrora escolheu Dias Loureiro para o Conselho de Estado, acaba de dar mais um tiro no pé - dele e dos portugueses».
Será que sem o Conselho de Estado o Presidente da República não poderia consultar e convocar, individual ou colectivamente, os que por inerência fazem parte desse Conselho - os presidentes da Assembleia da República, do Tribunal Constitucional e dos governos regionais, os antigos presidentes da República, o provedor da Justiça - e 10 "cidadãos" escolhidos pelo próprio Presidente da República e pelos partidos?
Será que sem o Conselho de Estado não haverá "homens bons" ou boas mulheres para aconselhar o Presidente em tempos de paz e de guerra?
O que se sabe da história do Conselho de Estado, dá-o como uma desnecessária extensão da Assembleia da República, ou então como um ainda mais inútil poleiro dos partidos maioritários. Mas a constituição do actual Conselho de Estado, agora que Cavaco Silva indicou os 5 membros que por lei lhe competia indicar, pode suscitar reflexões expressivas.
Notemos por exemplo que ele só tem duas mulheres (Assunção Esteves e Leonor Beleza); que não tem ninguém à esquerda dos 5 socialistas (Mário Soares, Jorge Sampaio, Carlos César, Manuel Alegre e António José Seguro); que, com a excepção de Luís Filipe Menezes e dos presidentes das regiões autónomas, não tem ninguém de fora de Lisboa; que não tem ninguém que represente a Igreja Católica (cuja importância histórica os políticos, mesmo os ateus e os agnósticos, costumam assinalar, supostamente sem hipocrisia); que não tem ou só tem um representante genuíno da chamada "inteligentsia" sem política - das artes, das letras, da sociologia, da história, etc.
Se à partida havia o condicionamento legal e talvez discutível das inerências, se os partidos escolhem como regra gente dos partidos - como se um Conselho de Estado devesse reger-se por uma lógica partidária -, competiria sobretudo a Cavaco Silva tentar estabelecer um pouco mais de equilíbrio ou de representatividade simbólica na constituição do órgão que o deve aconselhar, e em que seria à primeira vista proveitosa ou fecunda a existência de vozes bem distintas.
Mas não: ele escolheu João Lobo Antunes, Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Vítor Bento, Bagão Félix. Quer dizer: escolheu só gente da sua área ideológica, engordou ainda mais a representatividade do PSD - que já tinha o poder de um Presidente, de um primeiro-mínistro e de uma maioria -, lisboetizou ainda mais um Conselho que ganharia em ter maior representatividade nacional, privilegiou ainda mais a política dos políticos (sem se dar conta de que a política é coisa demasiado séria para que possa ser confiada apenas aos políticos profissionais), mostrou-se desatento lá onde poderia ser clarividente - por exemplo, recuperando Gomes Canotilho, que, por conveniências partidárias, deixou de fazer parte do Conselho, ou escolhendo um homem como o que ao longo de décadas mais e melhor pensou sobre Portugal, Eduardo Lourenço.
O Conselho de Estado vale o que na realidade vale, mas vale também simbolicamente. Como presidente desse Conselho e Presidente de Portugal, Cavaco Silva, que outrora escolheu Dias Loureiro para o Conselho de Estado, acaba de dar mais um tiro no pé - dele e dos portugueses».
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