Na Visão do passado dia 9, Ricardo Araújo Pereira publicou na sua página Boca do Inferno, a crónica «Trocar os xailes negros pelas boinas negras» em que esclarece os portugueses menos esclarecidos do que realmente sucedeu nas últimas eleições legislativas, em que os eleitores votaram (os que votaram) nos partidos das suas escolhas, pensando que daí iriam eleger um novo primeiro-ministro. E, porque não foi isso o que realmente sucedeu, resolveu fazer esse esclarecimento, servindo-se daquela crónica.
A mesma necessidade senti eu, mas dado que RAP se antecipou e partindo do princípio que ele não se importará que eu me sirva das suas palavras, aqui deixo a transcrição daquela crónica, para esclarecimento de todos, sem excepção de qualquer eleitor, seja ele governo ou governado.
A mesma necessidade senti eu, mas dado que RAP se antecipou e partindo do princípio que ele não se importará que eu me sirva das suas palavras, aqui deixo a transcrição daquela crónica, para esclarecimento de todos, sem excepção de qualquer eleitor, seja ele governo ou governado.
«Todos os analistas inteligentes perceberam há muito que a nossa democracia sofreu uma pequena alteração nas últimas eleições. E eu começo a perceber agora: nas legislativas de 2011 os portugueses não elegeram um primeiro-ministro, elegeram um comandante do corpo de fuzileiros. O resultado foi este regime híbrido que combina a democracia com a ditadura militar. É uma democracia militar. Portugal fez um intervalo na sua existência como país e passou a ser uma caserna. Há dez milhões de recrutas que necessitam de formação e Pedro Passos Coelho berra-lhes aos ouvidos exactamente as mesmas palavras de incentivo que todos os soldados ouvem durante a recruta. A diferença é que o tratamento é mais bruto do que na tropa e as condições de vida são piores.
É difícil distinguir a linguagem político-militar da linguagem militar simples. Os recrutas, na tropa, ouvem que a boa vida que tinham antes acabou. Que quem acha que não aguenta deve sair. Que são preguiçosos. Que têm de fazer sacrifícios pela pátria. Que devem deixar de ser piegas. Os portugueses, na caserna, ouvem o mesmo: que viviam acima das suas possibilidades, e por isso a boa vida que tinham antes acabou. Que quem acha que não aguenta deve emigrar. Que são preguiçosos, e por isso têm de trabalhar mais, dispor de menos feriadós, deixar de festejar o Carnaval e ter férias menores. Que têm de fazer sacrifícios pela pátria, empobrecendo. E que devem deixar de ser piegas. Passos Coelho está a fazer de nós homens. Na impossibilidade de nos aplicar, como castigo, séries de 20 flexões de braços, cobra impostos. Flectimos o braço na mesma, mas é para ir buscar a carteira ao bolso. É duro, mas tem de ser. Porque Passos Coelho sabe melhor do que ninguém o que acontece àqueles portugueses menos esforçados, cuja capacidade de trabalho lhes permite arranjar emprego apenas nas empresas dos amigos, e que por opção, e não por necessidade, deixam a conclusão da licenciatura lá para os 37 anos: podem chegar a primeiro-ministro. E esse é um destino trágico que ele não deseja aos seus compatriotas.
A meio da recruta, o soldado faz o juramento de bandeira. O contribuinte português fará, suponho, o juramento de pin. Jura-se pela bandeira na mesma, mas é aquela bandeirinha de plástico que enfeita a lapela do primeiro-ministro».
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