152.
Pasmo sempre quando acabo qualquer coisa. Pasmo e desolo-me. O meu instinto de perfeição deveria inibir-me de acabar; deveria inibir-me até de dar começo. Mas distraio-me e faço. O que consigo é um produto, em mim, não de uma aplicação de vontade, mas de uma cedência dela. Começo porque não tenho força para pensar; acabo porque não tenho alma para suspender. Este livro é a minha cobardia. (...).
Por que escrevo, se não escrevo melhor? Mas que seria de mim se não escrevesse o que consigo escrever (…).
Para mim, escrever é desprezar-me; mas não posso deixar de escrever. (…).
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
Também eu pasmo quando acabo alguma coisa, mas por razões muito diversas. Pasmo porque não tendo o instinto da perfeição, nem a persistência, nem a capacidade, nunca sei porque começo. Começo por começar. E até pasmo. Pasmo porque sem saber como, não paro logo de escrever e continuo, e continuo, palavra a palavra, ideia a ideia, se estas, porventura, entram nesta escrita.
Não tenho força para pensar, não. Pensar é esforço e eu nunca me esforço e a preguiça sempre me comandou.
Os livros que não escrevo é que são a minha cobardia. Os que escrevo são a minha incapacidade, a minha ligeireza, a minha preguiça paralisante que não me deixa corrigir, emendar, pensar outra vez.
Mas eu penso alguma vez, por acaso?
Escrevo por escrever, como tudo que faço.
Sem sentido, sem fim, sem nada.
Eu e o vazio que sempre me envolve e me preenche.
Um vazio, cheio, cheio, cheio.
Que posso fazer de mim?
CVR
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