99.
Há momentos em que tudo cansa, até o que nos repousaria. O que nos cansa porque nos cansa; o que nos repousaria porque a ideia de o obter nos cansa. Há abatimentos da alma abaixo de toda a angústia e de toda a dor; creio que os não conhecem senão os que se furtam às angústias e às dores humanas, e têm diplomacia consigo mesmos para se esquivar ao próprio tédio. Reduzindo-se, assim, a seres couraçados contra o mundo, não admira que, em certa altura da sua consciência de si-mesmos, lhes pese de repente o vulto inteiro da couraça, e a vida lhes seja uma angústia às avessas, uma dor perdida. (…)
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
Posso dizer que são frequentes, em mim, momentos em que tudo me cansa – estar onde estou, pensar no que precisava pensar naquele momento, fazer um telefonema, assentar uma nota, buscar um papel ou um livro, colocar o CD com a música que me apetecia ouvir, vestir um casaco porque sinto frio. Cansa-me o esforço físico tanto quanto o psíquico. Nesses momentos tudo me cansaria ou seria um sacrifício, se por qualquer factor impensável eu resolvesse passar à acção.
Contudo, é tal o treino de sair desses momentos frequentes, que - não sei com que esforço ou origem da força – me vejo rapidamente envolvido pelo meu escudo invisível e protector deste cansaço letal, que altera toda a minha maneira de ser.
Diria, contudo, que essa força e essa acção, me vêm paradoxalmente da minha preguiça. E será esta que, impedindo-me de me entregar ao cansaço, me liberta do seu peso e do seu jugo. Cansaço, angústia, dores, passam a um estado aparentemente inactivo (já que continuam lá, mas em estado de quase ausência), porque a minha preguiça terá ditado que naquele momento, não estou para isso, sendo o isso tudo que exigiria esforço, cansaço, decisão.
O pior é ter a consciência que esta aparente vitória, não é mais do que o seu contrário. É certo que consegui que o cansaço não me estragasse o dia, mas foi mais uma pedra posta no muro do adiar de problemas, de resoluções, do sentir as emoções, do inadiável e com ela afastar-me cada vez mais da resolução de problemas e aproximar-me cada vez mais desse muro que, um dia destes vai cair sobre mim.
CVR
Contudo, é tal o treino de sair desses momentos frequentes, que - não sei com que esforço ou origem da força – me vejo rapidamente envolvido pelo meu escudo invisível e protector deste cansaço letal, que altera toda a minha maneira de ser.
Diria, contudo, que essa força e essa acção, me vêm paradoxalmente da minha preguiça. E será esta que, impedindo-me de me entregar ao cansaço, me liberta do seu peso e do seu jugo. Cansaço, angústia, dores, passam a um estado aparentemente inactivo (já que continuam lá, mas em estado de quase ausência), porque a minha preguiça terá ditado que naquele momento, não estou para isso, sendo o isso tudo que exigiria esforço, cansaço, decisão.
O pior é ter a consciência que esta aparente vitória, não é mais do que o seu contrário. É certo que consegui que o cansaço não me estragasse o dia, mas foi mais uma pedra posta no muro do adiar de problemas, de resoluções, do sentir as emoções, do inadiável e com ela afastar-me cada vez mais da resolução de problemas e aproximar-me cada vez mais desse muro que, um dia destes vai cair sobre mim.
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