segunda-feira, agosto 16, 2010

assim vai o mundo - sobre a lapidação


Publicado no livro Vestígios (Ed. Rocco) de Affonso Romano Sant'anna sob um caso de lapidação na Nigéria.

Lapidar uma Mulher

Há quem tente lapidar
uma mulher
como se lapida
jóia rara
e pedra bruta.

Com escalpelo
cinzel
buril
inscrevem nela uma figura, depois
a expõem nos salões
revistas e altares
apregoando quantos camelos
quantos colares
vale o dote
-da criatura.

Na Nigéria também
lapida-se mulher
mas de forma
inda mais dura.

Não bastassem
os muros em que viva
vive emparedada
é sob pedras
que a mulher viva
é pétrea e friamente
sepultada
quando não se conforma
com a forma
como desde sempre
é deformada.

Assim a mulher
que se nega a ser
por eles esculpida
deve morrer como viveu:
-petrificada.

Atiram-lhe
tantas pedras
até que não se veja
a forma e o sangue
da apedrejada,
até que a mulher-alvo
alvejada
desapareça numa maré de pedras
coaguladas.

Desta feita os escultores
foram mais perfeccionistas
deixaram a mãe
amamentar o filho
antes que o leite no seio
se petrificasse.

Assim o filho na fonte beberia
o pétreo ensinamento
antes
que a fonte secasse.

Ao amante não lapidaram.

Ali o homem já nasce feito
é obra de arte que dispensa
qualquer lapidação.
A mulher, sim, carece
de acabamento
posto que imperfeita figura
na ordem da criação.

Affonso Romano Sant’anna

Infelizmente a lapidação não é exclusiva da Nigéria e ocorre noutros países. Porque neste momento está em causa a punição do caso de adultério de Sakineh Mohammadi Ashtiani, em que as entidades responsáveis do Irão, querendo mostrar bom coração e clemência (!), se propõem transformar a pena de lapidação em enforcamento, penso ser minha obrigação relembrar a todos que isto existe e dar-lhes a conhecer o poema que aqui deixo.

1 comentário:

msg disse...

Muito boa tarde,CARO DOUTOR

"Ao amante não lapidaram". Era dos bons,dos sem mancha,dos nossos. E foi assim,e é assim,e com cara de continuar assim. Uma tristeza.

Muito boa saúde,CARO DOUTOR.