terça-feira, setembro 19, 2006

ano novo, vida velha

Dizia-se – ano novo, vida nova. Mas, hoje é tempo de vida velha. E que outra coisa podia ser?
Se o tempo passa continuamente, a vida não pode deixar de ser cada vez mais velha. Se as coisas correntes e necessárias à vida de cada um encarecem, o poder de compra é menor, não pode a vida deixar de ser velha, e cada português não pode deixar de pensar que a vida está difícil, velha, como já esteve noutros velhos tempos.
A revolta surda vai-se instalando, aumentando progressivamente, a rua começa a ser palco de manifestações, o descontentamento vai alastrando, os nababos enriquecendo cada vez mais, os negócios escondidos (sujos a maioria) são os únicos que compensam, as falências sucedem-se, o desemprego aumenta a um ritmo nunca visto, o país está à venda, compra quem pode e tem lucro garantido, os sem abrigo aumentam, a prostituição impera como fonte de rendimento de muita gente, a SIDA parece ser uma entidade desconhecida da maioria dos portugueses, e se não desconhecida, pelo menos ignorada, a droga circula quase livremente, a agressividade começa a ser manifestação de quase todos os portugueses, até agora suaves, tal como a marca de cigarros a quem mandaram cortar o apelido.
Mas, o governo diz que tudo está bem e controlado e, por isso, quem somos nós para contestar tal verdade?
A Europa, sarcástica e sobranceira, destina-nos um rosário de defeitos inenarráveis e sorri ao esforço perdido e inútil da barreira dos 3 por cento.
E enquanto isto, largas centenas (milhares?) de sortalhudos senhores, apregoados como respeitáveis e que se pensam respeitados, vivem no melhor dos mundos, onde tudo lhes é permitido e possível, com ganhos e proventos quase a nível de figurarem na «Forbes», com os seus cartões de empresa ou de representação, a desbravarem todos os caminhos, todas as ementas, todas as estrelas Michelin, passando por serem os gourmets que não são. A alguns, o charuto dá-lhes respeitável pose. Os carros topo de gama transpiram conforto e segurança, dão status e este dá-lhes a hipótese de circularem a 200 Km. por hora nas autoestradas, sem receio que a Brigada de Trânsito cometa a indelicadeza e a imprudência de os mandar parar e lhes dizer delicadamente para soprarem no balão. Compromissos de Estado (qual deles? ele há tantos...) justificam a velocidade, dirão eles, e o «nosso» motorista nunca bebe... (mesmo quando apanhado em fins de semana, conduzindo uma viatura oficial, para seu exclusivo proveito, ocasionando acidentes, é considerado culpado, porque o haveria de ser quando transporta suas excelências?)
O tráfico de influências campeia, beneficiando poucos, quase sempre os mesmos, sobrando migalhas para muitos. O privado é o sétimo céu. Só com privado há concorrência e esta, dizem os sábios (sempre os mesmos), é salutar, desenvolvimentista, e traz benefícios a toda a gente, depois da sétima geração de gestores ter adquirido pelo valor restante a sua magnífica e escolhida viatura de uso pessoal.
Antigamente, as siglas eram SARL, agora são SA. Até a responsabilidade, mesmo que limitada, se foi. Sociedade anónima chega, como anónimos são quase sempre os negócios por baixo da mesa. Responsabilidade? Que é isso? E para quê, meus senhores, se os gestores estão lá para zelarem pelo bem de todos? São pessoas competentes, esclarecidas, rodadas, senhores de todas as chaves dos segredos para resolverem as dificuldades, o mau funcionamento dos serviços, os problemas de secretaria e sobretudo de tesouraria. Porquê preocuparmo-nos, então?
Listas de espera, já não há. Os serviços estão equipados como nunca estiveram, certificados de qualidade estão a ser passados por idóneas entidades internacionais, que não se importam de receber em libras, euros ou dólares, atestando que aquele e aqueloutro hospital (penso que todos...), obedecem aos mais modernos e apertados critérios de qualidade. Mas, se estamos no céu, porquê chamarmos-lhe inferno?
Tenho pena do governo. Tão competente, tão coeso, tão disponível, tão preocupado com o bem estar dos portugueses, tão trabalhador, tão esclarecido, tão aberto a negociações, e aparecem uns energúmenos, uns sem classe, uns borrabotas sem diferenciação, nem atributos, a criticar e dizer mal de tão competente núcleo de senhores.
É por isso que a vida não é nova, mas é velha. Já há mais de 40 anos, houve um governo tão bom como este e logo uma minoria de vermelhos, vermelhuscos e afins passavam a vida a dizer mal, a dizer mal, a minar a ordem, o respeito e as instituições. E tanto fizeram, tanto destabilizaram, que conseguiram fazer a cabeça de um punhado de irresponsáveis capitães que um dia resolveram brincar às revoluções e fizeram aquilo que se viu! O fim de um império, o fim do respeito, a mistura de classes, o ensino para todos, um conjunto de erros e procedimentos inclassificáveis, que nunca teriam sido possíveis se os gestores e assessores daquele tempo fossem como deviam ser, quer dizer como os de agora.
Tenhamos tento, senhores. Deixemo-nos de dizer mal e façamos aquilo que devemos fazer – aplaudamos quem merece. Não dissemos já que nunca vivemos tão bem como hoje?Sem inflação, sem desemprego, sem aumentos do custo de vida, com garantia de trabalho, com vencimentos acima da média europeia, com chefias ocupadas por mérito, com todos os lugares ocupados em concursos imparciais, sem numerus clausus, sem corrupção, sem compadrios, sem lobbies, sem cartões partidários, sem crime organizado, em paz, com respeitáveis e esclarecidas chefias, inteiramente devotados ao bem público e colectivo, mas ainda assim liberais? Com um governo exemplar, que consegue dar-nos justiça, educação, saúde, e segurança social exemplares e que ainda por cima fez do Estado uma pessoa de bem, fiável e cumpridora de todos os compromissos, tal como exige ao cidadão comum, só podemos estar satisfeitos. Por isso, deixemo-nos de protestos, que nem sequer têm qualquer sentido. Tenham tento, senhores. Aplaudamos quem merece. E não se esqueçam de votar...
Publicado no n.º 166 da Revista do Auto Clube Médico Português (Janeiro/Março de 2004) e neste blog em NOV05, sem imagens.

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