Sentado nesta esplanada, ecologicamente errada, mas esteticamente perfeita, bem colocada sobre as dunas, o mar mesmo ali, ou mesmo aqui, dou-me conta de que estamos no Verão e que estamos de férias. Estamos, simplesmente. No Verão e de férias. Como eu, nesta esplanada. Estamos. Mas, somos?
Verão, férias, descanso. E também fuga à rotina, encontro de amigos, mudança de terra, hábitos, cor da pele e até de política, por vezes.
A cada um seu gosto, seu prazer. Para uns, o sol no lombo, para outros, a noite, banhados pela lua, que de tão bela não queima, que de tão bela, tantas queima. Lua do amor, dos sussurros, costas na areia, olhos apontados ao céu. Lua das voltas lentas, dos corpos rebolando, dos lábios que se encontram, das mãos que tocam, da roupa que se tira, do prazer que vem, dos riscos que se correm, das surpresas por vir, agora voltas, logo revoltas, nove meses passados.
É tempo de sol, de lua, de praia, mares e bares. Tempo de gelados e de shots, shorts e long drinks. De peixe e de mariscos. De lagostas, santolas e percebes, de cerveja, vinho e champagne. É tempo de gordos. É tempo de magras, de umbigos ao léu, de peitos e coxas oferecidas, de voluptuosos véus e sandálias leves, prontas a saltar fora, para início de strip de todas as horas, happys ou não. Tempo de bermudas, biquinis, topelesses e nus, que se faz tarde.
Tempo de cavalgar as ondas na proa dos barcos de amigos, de conhecidos de ocasião, ou simplesmente daqueles que convidam os que querem nas suas camas, no chão dos seus convés.Tempo de sorrisos e esgares, de perfumes, de bronzes e queimaduras. Tempo de passeio nocturno, nas passerelles das ruas, para o exercício diário de ser visto.
Caras ou máscaras? Pessoas ou actores? De uns e de outros se faz o Verão, todos num faz de conta, que só conta, para quem pensa que conta. A conta, sim, ou as contas, são também Verão, são também férias. São também problemas a dividir por doze, tantas as prestações acordadas com aquele tipo cinzento e engravatado que trabalha no Banco. Acerto de contas, que se fará mais tarde. Agora, é Verão, são férias. Depois se pensa nisso. E, se hoje fossemos comer uns percebes? Um dia não são dias, percebes?
Aqui sentado, nesta esplanada de calor, copos, corpos e cheiros de protectores solares, estou farto de olhar o mar, a dezasseis imagens por minuto, pois há sempre um peito de mulher, uma barriga de cerveja, um guarda sol de ocasião, a roubar-me a sua imagem. O mar, quando se olha é para nele nos perdermos, para deixar-nos ir na crista da onda, livres, soltos, navegando ao acaso e não para o ver assim, interceptado e roubado em cada instante por aqueles que dizem também gostar dele. Por isso desisti de o procurar e de deixar meu olhar cavalgá-lo. Por isso, mergulhei fundo nas águas revoltas das páginas do jornal diário, cheias de crimes, desgraças, burlas, corrupção e descrédito de pessoas e instituições. Por isso, salvei meu olhar da tormenta dessas páginas e lhe procurei dar sossego, repousando-o nas páginas brancas do meu caderno de notas, feito das pequenas manchas brancas dos finos e frágeis guardanapos enfiados em caixas plásticas de propaganda, daquelas que existem em todas as mesas de esplanadas.
Mas, pouco repousaram meus olhos, porque sem querer, me pus a dar corda ao neurónio e a escrever estas notas desconexas que até agora alinhei. Critiquei meio mundo e pus-me de lado, como se fosse intocável. Mas, sou? Alguém o é? Mesmo aqueles de quem dizemos que são? Será que alguns de nós se conseguiram realmente safar de serem contaminados por este mundo de infâmia, de preguiça, de falta de valores em que, a contra gosto, nos sentimos mergulhar e viver?
Que autoridade tenho para criticar aqueles que fazem das suas férias, feiras de exibição, compras de favores e vendas de tudo? Se os valores se perderam ou se têm perdido tanto, porque regras nos regemos, quais os fusos horários do relógio moral com que nos devemos orientar ou situar? O norte fica aonde? No cumprimento do dever, no trabalho honrado, no procedimento recto, no respeito da palavra dada ou, pelo contrário, no seu contrário, no sul de todas as satisfações? Ter e respeitar valores, parece ser coisa do passado, coisa de cotas, espartilhados em figurinos antigos e fora de moda.
Custa-me a acreditar que seja assim. E custa-me a acreditar, porque me custa a aceitar. E, se é apenas por isso que me custa a acreditar, é porque já fui contaminado, ou pelo contrário, porque estou ainda reagindo à contaminação? Ténue fronteira entre o reagir e o ceder.
E reagir, para quê? Porventura sou senhor da razão e senhor da verdade? Se a globalização nos empurra para situações ainda há pouco tempo impensáveis e inaceitáveis, quem sou eu ou quem como eu pense, para nos acharmos senhores da verdade? Aonde a verdade? Nos resistentes, como eu, ou na mole imensa daqueles que falam em novos valores que não mostram, mas dizem ter?
Que estranhos pensamentos e que estúpido filosofar, para um local como este em que me encontro, nesta manhã soalheira, em que centenas de pessoas se movimentam com grande à vontade e aparente felicidade, em que risos e gargalhadas são permanentes, se trocam cumprimentos e abraços, em que todos parecem viver no melhor dos mundos. Reforma-te, meu velho. Estás passado.
E, desliga o neurónio, não vá derreter...
Verão, férias, descanso. E também fuga à rotina, encontro de amigos, mudança de terra, hábitos, cor da pele e até de política, por vezes.
A cada um seu gosto, seu prazer. Para uns, o sol no lombo, para outros, a noite, banhados pela lua, que de tão bela não queima, que de tão bela, tantas queima. Lua do amor, dos sussurros, costas na areia, olhos apontados ao céu. Lua das voltas lentas, dos corpos rebolando, dos lábios que se encontram, das mãos que tocam, da roupa que se tira, do prazer que vem, dos riscos que se correm, das surpresas por vir, agora voltas, logo revoltas, nove meses passados.
É tempo de sol, de lua, de praia, mares e bares. Tempo de gelados e de shots, shorts e long drinks. De peixe e de mariscos. De lagostas, santolas e percebes, de cerveja, vinho e champagne. É tempo de gordos. É tempo de magras, de umbigos ao léu, de peitos e coxas oferecidas, de voluptuosos véus e sandálias leves, prontas a saltar fora, para início de strip de todas as horas, happys ou não. Tempo de bermudas, biquinis, topelesses e nus, que se faz tarde.
Tempo de cavalgar as ondas na proa dos barcos de amigos, de conhecidos de ocasião, ou simplesmente daqueles que convidam os que querem nas suas camas, no chão dos seus convés.Tempo de sorrisos e esgares, de perfumes, de bronzes e queimaduras. Tempo de passeio nocturno, nas passerelles das ruas, para o exercício diário de ser visto.
Caras ou máscaras? Pessoas ou actores? De uns e de outros se faz o Verão, todos num faz de conta, que só conta, para quem pensa que conta. A conta, sim, ou as contas, são também Verão, são também férias. São também problemas a dividir por doze, tantas as prestações acordadas com aquele tipo cinzento e engravatado que trabalha no Banco. Acerto de contas, que se fará mais tarde. Agora, é Verão, são férias. Depois se pensa nisso. E, se hoje fossemos comer uns percebes? Um dia não são dias, percebes?
Aqui sentado, nesta esplanada de calor, copos, corpos e cheiros de protectores solares, estou farto de olhar o mar, a dezasseis imagens por minuto, pois há sempre um peito de mulher, uma barriga de cerveja, um guarda sol de ocasião, a roubar-me a sua imagem. O mar, quando se olha é para nele nos perdermos, para deixar-nos ir na crista da onda, livres, soltos, navegando ao acaso e não para o ver assim, interceptado e roubado em cada instante por aqueles que dizem também gostar dele. Por isso desisti de o procurar e de deixar meu olhar cavalgá-lo. Por isso, mergulhei fundo nas águas revoltas das páginas do jornal diário, cheias de crimes, desgraças, burlas, corrupção e descrédito de pessoas e instituições. Por isso, salvei meu olhar da tormenta dessas páginas e lhe procurei dar sossego, repousando-o nas páginas brancas do meu caderno de notas, feito das pequenas manchas brancas dos finos e frágeis guardanapos enfiados em caixas plásticas de propaganda, daquelas que existem em todas as mesas de esplanadas.
Mas, pouco repousaram meus olhos, porque sem querer, me pus a dar corda ao neurónio e a escrever estas notas desconexas que até agora alinhei. Critiquei meio mundo e pus-me de lado, como se fosse intocável. Mas, sou? Alguém o é? Mesmo aqueles de quem dizemos que são? Será que alguns de nós se conseguiram realmente safar de serem contaminados por este mundo de infâmia, de preguiça, de falta de valores em que, a contra gosto, nos sentimos mergulhar e viver?
Que autoridade tenho para criticar aqueles que fazem das suas férias, feiras de exibição, compras de favores e vendas de tudo? Se os valores se perderam ou se têm perdido tanto, porque regras nos regemos, quais os fusos horários do relógio moral com que nos devemos orientar ou situar? O norte fica aonde? No cumprimento do dever, no trabalho honrado, no procedimento recto, no respeito da palavra dada ou, pelo contrário, no seu contrário, no sul de todas as satisfações? Ter e respeitar valores, parece ser coisa do passado, coisa de cotas, espartilhados em figurinos antigos e fora de moda.
Custa-me a acreditar que seja assim. E custa-me a acreditar, porque me custa a aceitar. E, se é apenas por isso que me custa a acreditar, é porque já fui contaminado, ou pelo contrário, porque estou ainda reagindo à contaminação? Ténue fronteira entre o reagir e o ceder.
E reagir, para quê? Porventura sou senhor da razão e senhor da verdade? Se a globalização nos empurra para situações ainda há pouco tempo impensáveis e inaceitáveis, quem sou eu ou quem como eu pense, para nos acharmos senhores da verdade? Aonde a verdade? Nos resistentes, como eu, ou na mole imensa daqueles que falam em novos valores que não mostram, mas dizem ter?
Que estranhos pensamentos e que estúpido filosofar, para um local como este em que me encontro, nesta manhã soalheira, em que centenas de pessoas se movimentam com grande à vontade e aparente felicidade, em que risos e gargalhadas são permanentes, se trocam cumprimentos e abraços, em que todos parecem viver no melhor dos mundos. Reforma-te, meu velho. Estás passado.
E, desliga o neurónio, não vá derreter...
Publicado no n.º 156 da Revista do Auto Clube Médico Português (Julho/Setembro de 2001) e neste blog em NOV05, sem imagens.
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