segunda-feira, junho 27, 2011

é tudo um teatro

Na sua coluna no Expresso último, sob o título Cinismo e Piqueniques, publicou Daniel de Oliveira uma crónica em que desmascara o enorme teatro da mentira e do marketing. Sob a pseudo-capa de actos louváveis, genuinamente patriotas, ditados pelos melhores sentimentos de amor à Pátria e aos portugueses, numa ajuda solidária, como seria de esperar de tão honestas empresas e fundações, monta-se um teatro, cozinha-se uma peça à medida, enche-se uma plateia imensa de espectadores, fazem-se uns truques de ilusionismo, cria-se uma aura de ajuda voluntária, oferecem-se bens que não são deles mas dos produtores e no fim da festa, por favor, não se esqueçam de ter para comnosco, vossos benfeitores, a delicadeza de frequentar os nossos estabelecimentos e depositarem nas nossas caixas quanto puderem e não puderem. O que é que ainda hoje não nos revolta? Haverá alguma coisa? Valerá a pena eu estar para aqui a escrever, agitar ideias, lançar dúvidas, espicaçar as consciências? E saberei eu fazer tão nobre acção? Penso que não. Se quiserem saltem o meu texto e leiam apenas a crónica que vos deixo a seguir.


«A avenida da Liberdade fechou e o Continente fez a festa. O circo tinha uma benemérita função: alertar para a importância da produção nacional. Simpático, vindo da parte de uma grande distribuidora. Mas, já com o palco desmontado, seria bom começar uma conversa franca com estes senhores. O Pingo Doce teve em 2010, um aumento dos seus lucros em 40%. Depois de puxar as orelhas aos governantes, que "gostam de truques", Alexandre Soares dos Santos explicou que o segredo do seu sucesso "assenta em trabalho". Quais oráculos da nação, Belmiro de Azevedo e Soares dos Santos explicam, aconselham, apoiam candidatos, debitam soluções.
Mas o 'trabalho' da Jerónimo Martins e da Sonae, que dominam cerca de metade do mercado de retalho alimentar (se juntarmos as restantes grandes distribuidoras, chega quase aos 90%) resume-se a isto: uma relação de abuso com quem produz. "Se tivermos de morrer, morremos hoje. Não vamos estar a sobreviver aos soluços". Foi assim que a gestora da Laticínios das Marinhas - empresa que produz a 13ª melhor manteiga do mundo - explicou o fim das relações comerciais com a Jerónimo Martins.
Sim, a culpa é dos políticos. Foram eles que permitiram que o território fosse coberto de grandes superfícies, deixando que estes eucaliptos comerciais destruíssem o comércio local e, mais grave, a agricultura. Foram eles que, depois de Maastricht, ancoraram o escudo ao marco, para cumprir as metas de inflação, e penalizaram de forma irreversível as empresas exportadoras, que migraram para os produtos não transacionáveis. A Sonae é um bom exemplo desta trágica migração empresarial: de líder mundial em contraplacados passou a líder nacional de distribuição. De exportador de sucesso, passou a importador que sufoca a produção nacional, tendo hoje a sua área de negócio original uma importância marginal. E assim se garantiu um crescimento económico à custa do défice externo. Estamos agora a pagar a fatura destas escolhas.
Cada vez mais portugueses estão preocupados com o facto de importarmos tanto e tentam comprar produtos nacionais. Sensíveis a estas preocupações, as grandes superfícies fazem campanhas e piqueniques patrióticos. O que é nacional é bom. A coisa deve provocar um sorriso amarelo nos produtores. Com que lata pode a Jerónimo Martins, o quinto maior importador nacional, dizer que ajuda a economia portuguesa? Com que lata pode o Continente, que baixa os preços aos pequenos fornecedores quando quer e fica com a parte de leão dos lucros, fazer campanhas pela produção nacional? É legítimo que os empresários procurem os negócios que lhes garantem maior rendibilidade. Só é bom percebermos que nem sempre os interesses de todos empresários são iguais aos interesses do país. Não se trata de decidir quem são os 'bons' e os 'maus'. Trata-se de saber se os negócios a que cada um se dedica são os que mais nos interessam a cada momento. Nas circunstâncias em que estamos, as grandes distribuidoras prejudicam a economia. Porque sufocam os produtores e aumentam as importações. É claro que vamos aos hipers para poupar. Mas não vale a penas pensar que, naqueles longos corredores, podemos ajudar o país. As campanhas pela produção nacional são apenas isso: campanhas. A realidade é, como sabem os produtores, bem diferente».

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