Contar-vos a história dos óculos, obriga desde logo a contar-vos a história da óptica e do vidro, melhor dizendo, do vidro e da óptica, já que se devem colocar as coisas segundo a sua ordem. Poucas pessoas se terão interrogado algum dia sobre a data e o modo como apareceu o vidro. Quase apostava que a maioria delas, seria capaz de nos dizer que se trata de uma matéria de aparecimento recente. Muito dificilmente alguém poderá avançar com uma data correcta sobre esse aparecimento, mas já se poderá avançar com datas muito recuadas em que se sabe que ele já existia. Por exemplo, no século XV A C., já os egípcios conheciam o vidro havia muito tempo e até o usavam já em formas complementares, como os esmaltes. Os romanos sabe-se que usaram o vidro para iluminação das suas casas de banho. Entre os achados vários da antiguidade, têm aparecido lentes encontradas em Pompeia e Knós e também moedas com inscrições de tal forma microscópicas que teriam que ter sido feitas com o auxílio de poderosas lentes. Se neste último caso elas terão servido como auxiliares da visão, pensa-se hoje que as lentes daquele tempo tinham mais funções sagradas ou para acender o lume, do que auxiliares de visão. Confúcio já falava de um sapateiro que usava uns vidros nos olhos, mas também neste caso se pensa que a razão do seu uso seria ornamental ou mágico. Sabe-se também que gregos, romanos e árabes, indus e chineses usaram lentes como cautérios, no tratamento de feridas. Foi Aristóteles quem pela primeira vez se referiu ao facto de haver uma visão para perto e outra para longe. Foram vários os usos das lentes feitas de vidro. Já disse que as usavam para acender o lume, e curiosamente, Arquimedes diz-se ter inutilizado os navios romanos, queimando-lhe as velas e mastros usando espelhos e a luz do sol. Significa que a reflexão era também já conhecida. Nesse tempo usava-se para a fabricação do vidro, madeira seca e leve junta com cobre e posteriormente a areia. Há quem pense que o primeiro vidro terá aparecido, como produto residual das escórias, após a fundição dos metais. Galeno, conhecido nosso de outros programas, escreveu mais de cem trabalhos sobre os olhos e Ptolomeu escreveu um livro sobre óptica, em que já fala de refracção. Sabe-se que com a queda do Império Romano, quase desapareceu a fabricação do vidro, sendo necessário chegar ao século XI D. C., para se assistir ao renascimento da sua fabricação, sobretudo em Veneza e Murano. Parece que a razão da instalação da fabricação do vidro na ilha de Murano, terá sido devida ou a um evitar os riscos de incêndio que os fornos representariam dentro de Veneza, a um controlo mais apertado dos trabalhadores da fábrica no espaço de uma ilha ou ainda a um especial cuidado em preservar os segredos da fabricação, mostrando que já naquele tempo havia a preocupação da espionagem industrial... Tal como sucedeu na medicina, deve-se aos árabes a preservação dos conhecimentos greco-romanos, muito especialmente na Península Ibérica, por feliz confluência de 3 culturas, cristã, árabe e judaica. Também Averróis e Avicena se preocuparam com a visão e as leis da óptica. No século XI, num livro chinês fala-se pela primeira vez em cataratas e diz-se que a causa tem que ver com as radiações térmicas dos fornos. E vai ser no século XIII que aparecem os antolhos como auxiliares da visão. Deve-se a Roberto Grosseteste e ao seu discípulo Roger Bacon (o conhecido doutor Mirabilis ou Admirabilis),
ambos frades franciscanos, também no século XIII, a descrição das lentes convexas e a ajuda que dão à visão dos idosos. Na sua obra «Opus Majus», fala ainda das lentes negativas.
Petrarca, na sua «Carta à posteridade», diz que aos 60 anos precisava de lentes para poder ler. Parece não haver dúvidas sobre o facto de o aparecimento dos antolhos ter sucedido no século XIII, mas também parece não haver dúvidas, que só quatro séculos depois se generalizou o seu uso. O aparecimento das lentes planoconvexas, terá sido um acaso, em Murano. Esta demora na sua generalização deve-se ao chamado período da «Conspiração do silêncio», que vai de 1285 a 1589 e se deverá ao facto de se terem estabelecido duas correntes ópticas, uma que representava o saber oficial e outra artesanal, que se combatiam e não se ajudavam, o que levou a haver uma sentença que dizia que a visão se tinha colocado sob a batuta do tacto.. Mas, não são apenas descrições em livros que nos garantem que os óculos apareceram no século XIII. Há um tapete espanhol com o motivo da criação de Eva, em que aparece um velho usando óculos e, muito recentemente foram encontrados uns óculos ou antolhos, em escavações na Alemanha num convento do século XIII. Também a pintura nos mostra representações de óculos, mas a primeira que se conhece e que está na Igreja de São Nicolau, em Treviso e mostra o Cardeal Hugo, usando óculos. E também na Basílica de Santo António de Pádua existe a representação de um Bispo usando antolhos. Mas, há quem diga que já havia óculos no século XII, uma vez que um monge dominicano num dos seus sermões em 1305, teria dito e isso está registado, que os óculos tinham sido inventados 20 anos antes. Os primeiros óculos terão sido feitos em madeira, couro e corno. Sabe-se que eram peças caras e há um registo que fala do seu valor, dizendo que valiam tanto como um magnífico cavalo branco. Devo salientar que no Livro de Ofícios de Veneza do ano 1300, consta a profissão de fabricantes de antolhos. Com o aparecimento da impressão trazida por Gutemberg, alarga-se o número de leitores e também a necessidade de ajuda de visão e consequente fabricação de óculos, levando à criação em Nuremberga do primeiro Grémio dos Fabricantes de Óculos. Com a Imprensa, nasce também o Renascimento. O primeiro retrato de óculos com lentes correctivas negativas é o do Papa Leão X, um Medici, pintado por Rafael. As lentes só deixaram de ser mágicas e misteriosas, depois de Galileu Galilei as tornar ciência, no seu livro «Dioptrias». Kepler discorda de Galileu quanto ao uso das lentes negativas e propõe as positivas e Copérnico considera a retina o orgão receptor, acabando com a ideia antiga de que era o cristalino. Diz-se que foi Nero o primeiro a usar antolhos de sol, mas foi no século XVI e XVII que foram dadas várias ideias sobre eles, como aqueles que defendiam que a cor das lentes devia ser verde, porque era essa a cor da natureza e assim não faria sentido serem amarelos ou vermelhos. No Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Benfica, existem azulejos num dos tanques, que representam crianças atrás de corais e de pérolas, protegidas por óculos de mergulho, isto num palácio seiscentista. Foi ainda no século XVI que apareceu um livro sobre a refracção e inteiramente dedicado à óptica. Leuwenhoech descobre o microscópio o século XVII. O astigmatismo é descrito pela primeira vez no século XVIII, por Thomas Young. É também neste século que os óculos começam a ter hastes, primeiro curtas e depois compridas. E aparece o monóculo. E aparece o primeiro vidro com chumbo. No século XIX, Helmholtz apresenta a sua teoria da visão cromática e introduz as lentes cilíndricas no astigmatismo, tendo desenhado o primeiro oftalmómetro.
Em 1823, Purkinje, descreve o primeiro oftalmoscópio. Depois da Revolução Francesa assiste-se à transformação dos óculos em verdadeiras jóias e desenvolve-se a fabricação e o uso das lunetas e dos monóculos. Pode dizer-se que o fundador da moderna oftalmologia foi Von Graefe, que em meados do século XIX, curiosamente, publicou um anúncio em todos os jornais de Berlim, em que oferecia os seus serviços gratuitos. No princípio do século XX, em 1905 mais exactamente, Max Planck apresenta a sua teoria quântica que permite no campo da luz, justificar fenómenos como a emissão e a absorção. E tal como Newton dissera muito tempo antes, ficou assente de vez que a luz se propaga corpúsculo a corpúsculo, fotão a fotão, quanta a quanta. Louis de Broglie, reabilita a teoria ondulatória
Não posso deixar de falar sobre os óculos e os portugueses. Fomos um povo que cedo os usou. Mas o período talvez mais significativo tenha coincidido com os descobrimentos portugueses e com a espantação que chineses e japoneses tiveram com a quantidade de portugueses que usavam óculos. Parece ter sido Francisco Xavier o introdutor dos óculos no Japão, embora o grande sucesso pelo seu uso se tenha ficado a dever ao padre Francisco Cabral que quando desembarcou em 1571 em Guifu, levou ao ajuntamento de uma pequena multidão de 4 a 5 mil pessoas para verem o homem dos quatro olhos.
Nos biombos Nanbam existentes no Museu de Arte Antiga de Lisboa, em que a chegada dos portugueses ao Japão está registada como que em banda desenhada, são vários os casos de portugueses com óculos. Os mais idosos e respeitáveis usando óculos para a presbiopia, outros com óculos de sol e outros para a miopia, com os seus óculos parecendo fundos de garrafas, chegando primeiro que os proprietários... No século XIX, imperava a luneta e qualquer dandy que se tivesse em boa conta, tinha que usar uma, ou então um monóculo. A maioria destas lunetas ou monóculos nem lentes graduadas tinham e eram só por puro exibicionismo e petulância. Foi uma altura em que se passaram a usar materiais nobres e caros na confecção das armações, bem como nas caixas para os guardar e proteger, algumas delas de grande beleza. Era de tal modo que o jornal Diário de Notícias, no seu Folhetim, publicava um dia um extenso artigo intitulado o «Elogio dos óculos, em prejuízo da luneta, feito por um cegueta que não vê dois palmos adiante do nariz», em que entre outros preciosismos se lia que «ter luneta é o mesmo que deixar os olhos da cara na algibeira do colete que ficou em casa», ou então «estou vendo isto por um óculo. Jamais se disse: por uma luneta!». Em 1828, imprime-se em Lisboa um livro intitulado «Arte de conservar a vista em bom estado até à extrema velhice....Sobre os inconvenientes e perigos que resultam do uso dos óculos ordinários....». E são ordinários aqueles em que os dois vidros são irregulares, com um foco diferente cada um deles, que não tem grossura igual, que não são bem polidos, que as lentes têm manchas e em que a convexidade não é regular..... Eça de Queirós parodia os cuidados a ter com a limpeza das lentes, contando o caso daquele lord inglês que espantado com uma notícia do Times, que lhe parece inaceitável, tira os óculos e os limpa cuidadosamente, por imaginar que leu mal. Ao longo dos tempos, o formato e tamanho dos óculos sofreu grandes alterações, como se pode ver nestas belíssimas imagens. A primeira mulher representada usando óculos encontra-se na tela existente no Museu de Aveiro, «A Princesa Santa Joana toma hábito no Convento de Jesus. Cerimónia do corte dos cabelos», em que uma das freiras que assiste à cerimónia foi pintada com óculos.
Também na gravura em madeira, «Retrato de Clara Lopes, cristaleira» esta é representada usando óculos. Para além daqueles que usavam lunetas, monóculos ou mesmo óculos por pura vaidade e adorno, há que ter em conta aqueles que usavam os óculos por necessidade e porque aquilo que faziam exigia uma boa visão, o mais correcta possível, para que não comprometesse uma acertada execução da tarefa que tinham em mãos. É o caso, por exemplo desta magnífica tela do Museu de Arte Antiga de Lisboa que mostra um Bispo, de óculos, executando uma circuncisão a uma criança. Os pintores, na maior parte dos casos, procuraram dar as características dos óculos, através da luz que atravessava as lentes e das imagens que através delas se viam, o que mostra um certo domínio das teorias da luz da reflexão e da refracção. Atente-se neste magnífico exemplo do retrato de São Tomás de Aquino existente no Museu Nacional de Arte Antiga, em que parte de uma lente está fora da mesa, permitindo com a passagem da luz uma ideia da lente que está em causa. Porque são muitos os casos de pintura portuguesa que retrata pessoas com óculos, deixo-os agora com algumas dessas belíssimas obras que penso não precisarem de palavras para que produzam o efeito desejado de se tornarem objectos visuais de grande beleza.

ambos frades franciscanos, também no século XIII, a descrição das lentes convexas e a ajuda que dão à visão dos idosos. Na sua obra «Opus Majus», fala ainda das lentes negativas.
Petrarca, na sua «Carta à posteridade», diz que aos 60 anos precisava de lentes para poder ler. Parece não haver dúvidas sobre o facto de o aparecimento dos antolhos ter sucedido no século XIII, mas também parece não haver dúvidas, que só quatro séculos depois se generalizou o seu uso. O aparecimento das lentes planoconvexas, terá sido um acaso, em Murano. Esta demora na sua generalização deve-se ao chamado período da «Conspiração do silêncio», que vai de 1285 a 1589 e se deverá ao facto de se terem estabelecido duas correntes ópticas, uma que representava o saber oficial e outra artesanal, que se combatiam e não se ajudavam, o que levou a haver uma sentença que dizia que a visão se tinha colocado sob a batuta do tacto.. Mas, não são apenas descrições em livros que nos garantem que os óculos apareceram no século XIII. Há um tapete espanhol com o motivo da criação de Eva, em que aparece um velho usando óculos e, muito recentemente foram encontrados uns óculos ou antolhos, em escavações na Alemanha num convento do século XIII. Também a pintura nos mostra representações de óculos, mas a primeira que se conhece e que está na Igreja de São Nicolau, em Treviso e mostra o Cardeal Hugo, usando óculos. E também na Basílica de Santo António de Pádua existe a representação de um Bispo usando antolhos. Mas, há quem diga que já havia óculos no século XII, uma vez que um monge dominicano num dos seus sermões em 1305, teria dito e isso está registado, que os óculos tinham sido inventados 20 anos antes. Os primeiros óculos terão sido feitos em madeira, couro e corno. Sabe-se que eram peças caras e há um registo que fala do seu valor, dizendo que valiam tanto como um magnífico cavalo branco. Devo salientar que no Livro de Ofícios de Veneza do ano 1300, consta a profissão de fabricantes de antolhos. Com o aparecimento da impressão trazida por Gutemberg, alarga-se o número de leitores e também a necessidade de ajuda de visão e consequente fabricação de óculos, levando à criação em Nuremberga do primeiro Grémio dos Fabricantes de Óculos. Com a Imprensa, nasce também o Renascimento. O primeiro retrato de óculos com lentes correctivas negativas é o do Papa Leão X, um Medici, pintado por Rafael. As lentes só deixaram de ser mágicas e misteriosas, depois de Galileu Galilei as tornar ciência, no seu livro «Dioptrias». Kepler discorda de Galileu quanto ao uso das lentes negativas e propõe as positivas e Copérnico considera a retina o orgão receptor, acabando com a ideia antiga de que era o cristalino. Diz-se que foi Nero o primeiro a usar antolhos de sol, mas foi no século XVI e XVII que foram dadas várias ideias sobre eles, como aqueles que defendiam que a cor das lentes devia ser verde, porque era essa a cor da natureza e assim não faria sentido serem amarelos ou vermelhos. No Palácio dos Marqueses de Fronteira, em Benfica, existem azulejos num dos tanques, que representam crianças atrás de corais e de pérolas, protegidas por óculos de mergulho, isto num palácio seiscentista. Foi ainda no século XVI que apareceu um livro sobre a refracção e inteiramente dedicado à óptica. Leuwenhoech descobre o microscópio o século XVII. O astigmatismo é descrito pela primeira vez no século XVIII, por Thomas Young. É também neste século que os óculos começam a ter hastes, primeiro curtas e depois compridas. E aparece o monóculo. E aparece o primeiro vidro com chumbo. No século XIX, Helmholtz apresenta a sua teoria da visão cromática e introduz as lentes cilíndricas no astigmatismo, tendo desenhado o primeiro oftalmómetro.
Em 1823, Purkinje, descreve o primeiro oftalmoscópio. Depois da Revolução Francesa assiste-se à transformação dos óculos em verdadeiras jóias e desenvolve-se a fabricação e o uso das lunetas e dos monóculos. Pode dizer-se que o fundador da moderna oftalmologia foi Von Graefe, que em meados do século XIX, curiosamente, publicou um anúncio em todos os jornais de Berlim, em que oferecia os seus serviços gratuitos. No princípio do século XX, em 1905 mais exactamente, Max Planck apresenta a sua teoria quântica que permite no campo da luz, justificar fenómenos como a emissão e a absorção. E tal como Newton dissera muito tempo antes, ficou assente de vez que a luz se propaga corpúsculo a corpúsculo, fotão a fotão, quanta a quanta. Louis de Broglie, reabilita a teoria ondulatóriaNão posso deixar de falar sobre os óculos e os portugueses. Fomos um povo que cedo os usou. Mas o período talvez mais significativo tenha coincidido com os descobrimentos portugueses e com a espantação que chineses e japoneses tiveram com a quantidade de portugueses que usavam óculos. Parece ter sido Francisco Xavier o introdutor dos óculos no Japão, embora o grande sucesso pelo seu uso se tenha ficado a dever ao padre Francisco Cabral que quando desembarcou em 1571 em Guifu, levou ao ajuntamento de uma pequena multidão de 4 a 5 mil pessoas para verem o homem dos quatro olhos.
Nos biombos Nanbam existentes no Museu de Arte Antiga de Lisboa, em que a chegada dos portugueses ao Japão está registada como que em banda desenhada, são vários os casos de portugueses com óculos. Os mais idosos e respeitáveis usando óculos para a presbiopia, outros com óculos de sol e outros para a miopia, com os seus óculos parecendo fundos de garrafas, chegando primeiro que os proprietários... No século XIX, imperava a luneta e qualquer dandy que se tivesse em boa conta, tinha que usar uma, ou então um monóculo. A maioria destas lunetas ou monóculos nem lentes graduadas tinham e eram só por puro exibicionismo e petulância. Foi uma altura em que se passaram a usar materiais nobres e caros na confecção das armações, bem como nas caixas para os guardar e proteger, algumas delas de grande beleza. Era de tal modo que o jornal Diário de Notícias, no seu Folhetim, publicava um dia um extenso artigo intitulado o «Elogio dos óculos, em prejuízo da luneta, feito por um cegueta que não vê dois palmos adiante do nariz», em que entre outros preciosismos se lia que «ter luneta é o mesmo que deixar os olhos da cara na algibeira do colete que ficou em casa», ou então «estou vendo isto por um óculo. Jamais se disse: por uma luneta!». Em 1828, imprime-se em Lisboa um livro intitulado «Arte de conservar a vista em bom estado até à extrema velhice....Sobre os inconvenientes e perigos que resultam do uso dos óculos ordinários....». E são ordinários aqueles em que os dois vidros são irregulares, com um foco diferente cada um deles, que não tem grossura igual, que não são bem polidos, que as lentes têm manchas e em que a convexidade não é regular..... Eça de Queirós parodia os cuidados a ter com a limpeza das lentes, contando o caso daquele lord inglês que espantado com uma notícia do Times, que lhe parece inaceitável, tira os óculos e os limpa cuidadosamente, por imaginar que leu mal. Ao longo dos tempos, o formato e tamanho dos óculos sofreu grandes alterações, como se pode ver nestas belíssimas imagens. A primeira mulher representada usando óculos encontra-se na tela existente no Museu de Aveiro, «A Princesa Santa Joana toma hábito no Convento de Jesus. Cerimónia do corte dos cabelos», em que uma das freiras que assiste à cerimónia foi pintada com óculos.
Também na gravura em madeira, «Retrato de Clara Lopes, cristaleira» esta é representada usando óculos. Para além daqueles que usavam lunetas, monóculos ou mesmo óculos por pura vaidade e adorno, há que ter em conta aqueles que usavam os óculos por necessidade e porque aquilo que faziam exigia uma boa visão, o mais correcta possível, para que não comprometesse uma acertada execução da tarefa que tinham em mãos. É o caso, por exemplo desta magnífica tela do Museu de Arte Antiga de Lisboa que mostra um Bispo, de óculos, executando uma circuncisão a uma criança. Os pintores, na maior parte dos casos, procuraram dar as características dos óculos, através da luz que atravessava as lentes e das imagens que através delas se viam, o que mostra um certo domínio das teorias da luz da reflexão e da refracção. Atente-se neste magnífico exemplo do retrato de São Tomás de Aquino existente no Museu Nacional de Arte Antiga, em que parte de uma lente está fora da mesa, permitindo com a passagem da luz uma ideia da lente que está em causa. Porque são muitos os casos de pintura portuguesa que retrata pessoas com óculos, deixo-os agora com algumas dessas belíssimas obras que penso não precisarem de palavras para que produzam o efeito desejado de se tornarem objectos visuais de grande beleza.
O shaker está vazio e o primeiro ingrediente que para lá atiramos, é uma mão cheia de cifrões. Ingrediente base, base de tudo, respeitado deus desta nossa triste época. Convém agitar levemente o shaker, para que os cifrões se instalem bem, ocupem por completo a base e não permitam que outro ingrediente passe através deles, senão quando eles o determinarem e lhes abrirem caminho. Para os mais religiosos, e devotos ferrenhos deste novo deus, recomenda-se colocar um pouco mais que uma mão cheia deles. Começa aqui a dificuldade de fabricação deste cocktail. Porque se é verdade que, na maioria dos casos, cada um de nós sabe exactamente a dose que deve por no seu cocktail, é também verdade que quando este se destina a terceiras pessoas, clientes ou amigos e convidados, a dúvida se coloca, e nos perguntamos se a dose deve ou não ser reforçada, deve ou não ser diminuída. Deitamos depois uma medida de hipocrisia, meia medida de sacanice e uma colher média de mentira. Agita-se suavemente, como o agente 007, gostava. Deixa-se descansar um pouco.
Está pronto a servir.Deve beber-se com cuidado e em pequenos golos, embora haja quem goste de o beber como um shot, de um só trago.Por mim, aconselho que se deite fora, com copo e tudo. Após o que se deve encher o peito de ar, respirar calma e sossegadamente, agarrar num bom livro, escutar uma boa música e viver assim o resto da vida, mesmo que seja sozinho.


Os carros topo de gama transpiram conforto e segurança, dão status e este dá-lhes a hipótese de circularem a 200 Km. por hora nas autoestradas, sem receio que a Brigada de Trânsito cometa a indelicadeza e a imprudência de os mandar parar e lhes dizer delicadamente para soprarem no balão. Compromissos de Estado (qual deles? ele há tantos...) justificam a velocidade, dirão eles, e o «nosso» motorista nunca bebe... (mesmo quando apanhado em fins de semana, conduzindo uma viatura oficial, para seu exclusivo proveito, ocasionando acidentes, é considerado culpado, porque o haveria de ser quando transporta suas excelências?)
Sem inflação, sem desemprego, sem aumentos do custo de vida, com garantia de trabalho, com vencimentos acima da média europeia, com chefias ocupadas por mérito, com todos os lugares ocupados em concursos imparciais, sem numerus clausus, sem corrupção, sem compadrios, sem lobbies, sem cartões partidários, sem crime organizado, em paz, com respeitáveis e esclarecidas chefias, inteiramente devotados ao bem público e colectivo, mas ainda assim liberais? Com um governo exemplar, que consegue dar-nos justiça, educação, saúde, e segurança social exemplares e que ainda por cima fez do Estado uma pessoa de bem, fiável e cumpridora de todos os compromissos, tal como exige ao cidadão comum, só podemos estar satisfeitos. Por isso, deixemo-nos de protestos, que nem sequer têm qualquer sentido. Tenham tento, senhores. Aplaudamos quem merece. E não se esqueçam de votar...
Tempo de sorrisos e esgares, de perfumes, de bronzes e queimaduras. Tempo de passeio nocturno, nas passerelles das ruas, para o exercício diário de ser visto.




A Agência bancária a que hoje tive de ir não pertencia, de facto, ao «meu» Banco, razão porque não tinha o «meu» gestor de conta e me vi obrigado a recorrer ao balcão de atendimento público. Uma funcionária a atender e vários clientes em espera. Pensei – vou primeiro tomar uma bica e volto depois. Repensei – para quê, se a cena se vai repetir? Fiquei. E ainda bem que fiquei pois se o não tivesse feito não tinha seguramente assunto para esta crónica, tal o vazio que ultimamente se instalou na minha cabeça, numa tentativa subconsciente de não pensar, como quem faz que esquece, para não sofrer. Logo a seguir à parte do balcão de atendimento onde eu me estacionei o meu corpo para uma longa espera anunciada, existem duas pequenas secretárias, mal resguardadas por dois biombos, onde numa delas, um antipático, frio e soberbo funcionário bancário fingia exercer o seu papel, atendendo, ou não atendendo, um cliente sentado à sua frente.
Este pequeno espaço onde a cena se vai passar, era encimado por uma tabuleta que dizia – Crédito Pessoal. O cliente aparentava uma idade próxima dos 70 anos, era aparentemente calmo, um ar quase domesticado. Apesar disso e talvez porque tenha sentido uma vez mais o aguilhão da injustiça e da discriminação, falava num tom um pouco acima daquele que seria de esperar do seu ar comportado. Foi por isso que eu pude ouvir parte da conversa que entre os dois se estabeleceu, a parte bastante para me permitir agora escrever sobre ela. Da troca de palavras que consegui ouvir, deu para perceber, claramente, que a «política» bancária impõe um limite temporal à concessão de crédito pessoal e impõe que este não possa ser concedido a quem tenha 70 anos ou mais, evidentemente. O cliente argumentava que a necessidade daquele crédito que reclamava era transitória, por muito pouco tempo e que, felizmente, tinha bens materiais suficientes para poder encarar o seu futuro com tranquilidade e ainda uma pensão de reforma que mais de 80% dos portugueses gostariam de ter. E afirmava ainda que podia, tranquilamente vender um dos seus vários apartamentos e realizar com essa venda uma importância quase obscena, absolutamente escandalosa e desajustada ao real valor, dada a especulação imobiliária da zona onde eles se situavam.De nada lhe serviu argumentar. De nada serviu tentar explicar que se estava ali a tentar um crédito pessoal de uma verba verdadeiramente modesta e insignificante, era apenas para não ter que optar por outras soluções mais drásticas, quando se tratava apenas de resolver um pequeno problema monetário ocasional. Toda a sua argumentação embatia contra a rocha firme e gélida do burocrata bancário que desconhecia totalmente o que era ser afável, atencioso, delicado, compreensivo e muito menos conhecia o valor das palavras quando elas podem ser salvadoras e tranquilizadoras de pessoas em crise. O cliente falou ainda na hipótese última de dar um dos seus imóveis como garantia bancária. O estúpido e inapto funcionário, que qualquer patrão atento desligaria rapidamente daquele tipo de trabalho, se não de todo, teve um instantâneo impulso humano e disse que essa solução poderia ser, mas que a sua concretização iria demorar pelo menos dois meses e seria concedido o crédito por escasso tempo, os meses que faltavam ao cliente para completar os 70 anos. Mas o cliente precisava de ajuda imediata e não passados dois meses. E como última esperança invocou ainda a sua condição de cliente antigo daquele banco e a excelente pensão de reforma que mensalmente era ali depositada na sua conta. O rochedo continuou imperturbável, ainda com maior enfado. Nem um sorriso, mas exibindo uma máscara afivelada que lhe dava uma expressão desagradável de soberba, de senhor de reinos inatingíveis por comuns mortais. Senhor do mundo, com todas as chaves na mão. Mas, curiosamente, um senhor do mundo que tinha sido ferido pela inveja, quando o cliente aflito lhe tinha atirado com o valor de um só dos seus apartamentos. Quando tal ouviu, o senhor do mundo baqueou um pouco, pensando que senhor era afinal ele, que nunca viria a ter tal importância?Não interessa o resto da conversa. Interessa apenas que o cliente já não tinha idade para ter direito a um crédito pessoal por parte do «seu» banco de toda a vida e que sendo assim, nem direito tinha, em boa verdade, a estar sentado naquela cadeira, daquele modesto espaço por cima do qual se lia numa tabuleta – crédito pessoal. Foi assim que tendo entrado eu a contra gosto naquela instituição bancária, me vi contra vontade a dar corda aos meus neurónios, subconscientemente parados por algum tempo, em tempo de defesa, para não sofrerem demasiado com os factos que todos os dias sem excepção tinha de encarar e tentar compreender.A última frase que eu ouvira ao aflito e desprotegido cliente e que agora dá título a esta crónica, trouxe-me rapidamente à memória outras situações igualmente indignas da espécie humana e do sentido da vida. Que dizer ou como classificar a política inglesa, da polida e fria Albion, que proíbe, ou não aconselha (o que é o mesmo), que se façam determinadas intervenções cirúrgicas em pessoas de idade por ser o mesmo que «deitar dinheiro à rua»? Que dificulta o acesso dos velhos a drogas dispendiosas, a tratamentos prolongados, até à fisioterapia? Já não se internam idosos com determinadas patologias nos Hospitais, pois estes devem estar reservados para as forças produtivas! Os velhos porque não morrem em casa? Ou nos Lares de Idosos, que é para isso que servem? perguntam muitas esclarecidas mentes, não muito esclarecidas contudo, ou tão tão esclarecidas, que ainda não perceberam que se estão a condenar, por antecipação, a si próprios. Maldito cifrão, maldito dinheiro, maldita economia, malditos senhores poderosos deste pobre mundo, tão tão pobre, que até se deixa governar por vós e à vossa ordem. Por mim, que me sinto jovem e por isso sou realmente jovem, associo-me com revolta ao sentir do aflito cliente desta crónica e grito como ele – desculpem se ainda estou vivo!

Os políticos dos cinco continentes (penso que continuam a ser cinco), politicam bem, mal e assim assim, à medida do que sabem e do que é politicamente correcto em cada momento. Mas, sempre felizes, sorridentes, contentinhos consigo mesmos e com os proveitos que, mesmo nos menos afortunados, não são de desprezar. E também nos cinco continentes a legião de aprendizes, os jotas, só pensam na maneira mais rápida de passarem a perna aos cotas. E é vê-los, ainda de cueiros, a mandar vir nas televisões, nos comícios, nos congressos dos partidos, nas assembleias, a desfazerem-se em chuveiros de palavras luminosas, quando falam dos seus confrades e a lançarem vários morteiros quando se referem à concorrência, que me parece melhor palavra que oposição. E é um verdadeiro espectáculo de fogo de artifício. Mas, as lágrimas ficam para nós, os que assistimos todos os dias aos seus espectáculos de falsos conhecimentos, de falsa cultura, de nula experiência, de nula vivência e todavia, todos empertigados, qual periquitos engravatados, quase acreditando no que dizem e só pensando na hora em que alguém desprevenido os convide para secretários de estado ou chefes de gabinete, porque é preciso acenar com estas coisas à juventude, detentora de muitos votos.Também nos cinco continentes, as pessoas se interrogam, aquelas que se interrogam, tentando perceber por que estranha razão aquela pata gigantesca, toda em azul, vermelho e branco, cheia de riscas e estrelas, se sente autorizada, como o mundo sente cada vez mais, a fazer sombra nas nossas cabeças, nas nossas vidas, sufocando o que ainda há para sufocar, vendendo-nos tudo que já se não pode comprar, dando abraços e apertos de mão sem significado real e que apenas contam para a fotografia que obriga os participantes a fazerem aquele sorriso apatetado, antinatural, que todos fazem, balouçando as mãos, como se as apertassem (nisso o inglês é uma língua maravilhosa, pois chama a esse apertar, shake!).O túnel do Marquês continua parado, sem se saber até quando, em homenagem diária ao seu ideólogo, o túnel do Rossio encerrou por um ano, em emergência, antes de qualquer catástrofe, mas podemos estar todos tranquilos (umas dezenas de metros de terra os separa), porque isso nada tem a ver com as escavações do túnel do Marquês, mesmo que as reparações urgentes a fazer sejam exactamente nos pontos de contacto de um com outro. E, se eles dizem que assim é, quem somos nós para afirmar o contrário? O caneiro de Alcântara ameaça criar problemas se o sol nos abandonar e vier a chuva devida a esta estação do ano; esperemos que não haja tragédias, para além daquelas a que assistiremos em directo, em todos os canais, de uns e outros se acusarem mutuamente, tentando demonstrar que se há incúria e culpa, ela não é de agora e é da responsabilidade de outros, no ping pong habitual que já ninguém suporta. Uma parte de Lisboa ficou hoje sem água, por abatimento de terras em Santa Apolónia, o que também nada tem a ver com as obras do metro que ali vai terminar. Sim, claro que da chuva não foi, porque está um sol radioso, mas das obras também não. E mais dois trabalhadores ficaram soterrados, quando faziam escavações. Claro, que estavam executadas todas as medidas devidas à segurança do pessoal. Os bombeiros não viram que as terras estavam escoradas? Então, o amigo não vê essas tábuas que para aí estão espalhadas? Foram os bombeiros que as tiraram, durante as manobras para salvar os soterrados!Entretanto um dos «gatos fedorentos» vai conquistando todo o povo e fazendo da sua fala, a fala de todos, conquistados que estão por aquele magnífico «eles falam, falam, mas eu não os vejo fazer nada, e fico chateado, com certeza que fico chateado».Haja esperança! 
Mas, há que separar ainda a corrupção inteligente, da corrupção estúpida, do chico esperto em país de atrasados mentais. Se os gnr’s não tivessem mostrado sinais exteriores de riqueza teriam sido descobertos?Mas, diz-se mais – diz-se que, se os ordenados fossem maiores, não haveria corrupção. Será isto verdade ou é apenas um embuste, um doce engano? Quem põe as mãos no cepo em defesa desta afirmação?Mas, se este princípio não é verdadeiro, significará isto que aceitamos o determinismo, género, é corrupto quem é corrupto, pronto?E, logo a seguir, vem a comparação com as ovelhas ranhosas das famílias. Vários irmãos na mesma casa, os mesmos pais, as mesmas escolas, a mesma educação e entre os vários irmãos lá está a ovelha negra.Será que há condições especiais para ser corrupto? A ambição desmedida, a falta de qualidade e aptidão para ser, lutar e vencer? A inveja, a falta de valores, a subjugação total ao deus cifrão?Mas a ser assim, deveria haver classes sociais, profissões, tendências políticas, visões do mundo, que fossem mais imunes à corrupção activa e passiva, mas o que se vê neste triste mundo, neste cada vez mais desgraçado país, é uma corrupção em crescendo, desenvolvendo-se como cogumelos, envolvendo como um líquen, classes sociais, profissões, políticos, pessoal e quadros responsáveis ou que o deviam ser.O facilitismo, a vida fácil e prazenteira, a inveja do vizinho e de tudo que lhe pertence, casa, carro, dinheiro, até mulher, são fulminantes, que picados, percutidos pelo corruptor activo, vão explodir causando uma erosão da moral, uma destruição dos princípios, num salve-se quem puder.Sorrateiramente, as teorias de mercado foram instituindo aquele pequeno líquen das comissões, normais e quase legais, nas compras, o pagamento de favores de pressão lobística, o pagamento de notícias laudatórias ou difamatórias, consoante o interesse do pagante, a flutuação bolsista inflacionada por notícias que de verdadeiras nada tiveram, o pagamento em acções douradas, o pagamento subterrâneo de outro ordenado através de cartões de empresa, a compra pelo valor restante dos automóveis em leasing, um sem número de pequenos e grandes truques que só conduzem à habituação, como a bebida social, como uma droga pesada.Hoje foi a fotocópia que se vendeu com o fax comprometedor, amanhã será a informação privilegiada, depois de amanhã os passaportes ainda virgens e autênticos que vão servir todos os fins, para a semana um transporte de droga, amanhã noutro local a declaração de IRS mal preenchida, para a semana o prédio que vai a leilão só para aquele que foi informado e para o outro, ou outros, com ele combinados.E onde eram vales, já são montanhas de actos corruptos, começando a não chegar os off-shores deste mundo para tanta vigarice, tanta corrupção.Corrupção. O que corrompe o que é corruptível.E se não fecharem os ouvidos, caros leitores, ouvirão sempre o canto da sereia que, com aquela sua voz maviosa, vos dirá que todo o homem tem um preço.O mundo está perigoso, como diz Vasco Pulido Valente. Tão perigoso que, qualquer dia, todos começarão a pensar qual será o seu justo preço e a dizer que, pensando melhor, é uma verdade, que ninguém aceita valores morais em pagamento seja do que for.É a isto que se chama progresso? Que se chama evolução?Sinto-me cada vez mais um homem de outro tempo.
Agora e para sempre, o 11 de Setembro passará a ser a data que o mundo inteiro fixou, como sendo a data em que o mundo mudou.Primeira reflexão – E, mudou mesmo? Ou apenas acelerou o processo de mudança em curso? Ou tornou apenas mais visível essa mudança? E, mudou para sempre ou só por algum tempo ainda indeterminado?Segunda reflexão – Se mudou, o que mudou? A forma de encarar o futuro? A consciencialização do medo? A noção da nossa pequenez? A inevitabilidade das coisas? O caminhar acelerado para um qualquer abismo? A generalização da desconfiança? Os limites da confiança? O racismo? O fim da democracia? O renascer da ditadura, da mão de ferro?Terceira reflexão – A eterna luta entre o bem e o mal. Onde está um e onde está outro? E, definido o lado de cada um, poderemos dizer que eles estão sempre no lado que lhes compete, ou só às vezes? O bem e o mal têm pátrias ou são universais e, umas vezes estão num lado e logo depois noutro?Quarta reflexão – Se não estivéssemos tão acelerados no processo aparentemente imparável da globalização, teria tido esta dimensão o hediondo atentado de 11 de Setembro? Estariam as companhias aéreas, a indústria do turismo, a economia global a sofrer esses efeitos? Estaria a bolsa numa dança constante entre a vida e o crash? (mais bonito do que morte, concordem). O exemplo recente do salvadorenho Salomon Vides, que viveu 32 anos na selva, fugido de uma guerra que tinha durado apenas quatro dias, servirá de exemplo para contrapor à globalização, ou é apenas um fait-divers? (hoje estou imparável)Quinta reflexão – Entrámos mesmo numa guerra sem fim? Ou já andávamos nela desde que nos conhecemos? Quem se lembra de haver algum ano em que não tenha havido um conflito armado, forma subtil de escrever guerra, em qualquer parte do mundo? Há quantos anos vivemos paredes meias com o terrorismo, venha ele vestido com as roupagens várias com que se pode disfarçar? E, a guerra santa, é só de agora?Sexta reflexão – O efeito que todos estamos a sentir, de uma forma global, universal, afecta mais os estados, as organizações, as famílias ou os indivíduos? Sofrem todos igualmente ou, aqui como em tudo, há sempre uns que são sempre mais qualquer coisa do que outros, para o bem ou para o mal?Sétima reflexão – Chegaremos ao ponto de num casal, um dos seus elementos, ou cada um por sua vez, ou os dois igualmente, verem no outro um possível terrorista? Vamos ter a desconfiança instalada, a dúvida possível e constituída em realidade comum? Do terrorismo mental, ao psicológico, ao verbal e por último ao físico. Será esse o caminho? E, as crianças? Vão ser os novos desalojados? Do coração dos pais? A intifada verbal pode instalar-se, antes de atiradas as pedras, antes das Kalashnikoves dispararem?Oitava e última reflexão – Será que temos de voltar aos tempos e templos antigos dos gregos, deitarmo-nos no «abaton» disponível, deixar que os deuses nos visitem e nos aconselhem e também a quem de nós tratar, se houver quem, e pensando e sonhando tentarmos sobreviver e endireitar este triste e torto mundo? Ou muito simples e pragmaticamente, devemos deixar crescer as barbas, comprar uma burqua para a nossa mulher, desligar ou destruir rádio e televisão, queimar os livros, e deixar de rir e de sonhar?

