terça-feira, junho 12, 2007

passeio ao passado


Esta semana fui a Olivença, melhor dizendo, a Olivenza, que é o que se lê à entrada da cidade.
Uma visita que tudo indicava ser um passeio turístico de descontracção, regalo de olho e ambiente despoluído, redundou depois em tudo isso e mais alguma coisa, que, de aparentemente secundária, se transformou em primária, pelo menos para mim.
Explico-me. O que seria turismo, transformou-se em reflexão histórica e filosófica.
Reflexão histórica que é absolutamente natural, já que Olivença faz parte da História de Portugal durante longos séculos e de que agora apenas se pode dizer que fez parte dessa História.
Reflexão filosófica que envolve temas como poder, contingência, relatividade, valor dos valores, efemeridade e permanência, patriotismo e egoísmo, favores, influências.
Se recordarmos brevemente a História de Olivença e não a sua breve História, porque essa é longa, teremos de recordar que Olivença é terra de fundação lusitana que, no século XII, foi conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques e que, pelo Tratado de Alcanizes, assinado em 1297, se tornou definitivamente portuguesa.
O rei D. Dinis com a sua grande visão, mandou-a povoar por portugueses e concedeu-lhe Carta de Foral, com privilégios iguais aos de Évora.
O Brasão de Armas foi-lhe concedido por D. João II, que também ordenou a construção da Torre de Menagem que ainda hoje ali se vê, com os seus 36 metros de altura e 18 de largura, as suas pedras de armas e o seu acesso em rampa até ao topo, para que os soldados a ele pudessem aceder, montados em cavalos.
Foi D. Manuel quem mandou fortificar e ampliar as suas muralhas – tal a importância que lhe reconhecia como praça fronteiriça – chegando a haver quatro linhas de muralhas, aumentando assim a sua defesa. Tornou-a por outro lado mais acessível, tendo mandado construir uma ponte sobre o rio Guadiana, a ponte da Ajuda, que se encontra semidestruída há dois séculos. Entendeu também conceder-lhe um novo Foral.
Com a chegada do século XVII, a ocupação espanhola e a Guerra da Restauração, começou um período conturbado para Olivença, entrando numa situação de instabilidade que a trouxe até à situação em que agora se encontra.
Olivença só capitulou em 1657, mas logo em 1668 o Tratado de Paz então assinado, restituiu a Portugal a sua posse e domínio.
Parece, contudo, que o destino de Olivença era trocar o «ç» por um «z».
Com as Invasões Francesas, os espanhóis (pressionados pelos franceses), entraram em Portugal e conquistaram Olivença em 1801, sob o comando de Manuel Godoy.
Dez anos depois, o Exército Anglo-Luso comandado por Beresford reconquistou Olivença. E, então, Beresford, à frente das tropas anglo-lusas, em nome da mais velha aliança conhecida – a de Inglaterra e Portugal – numa decisão incompreensível, pelo menos para mim, em vez de colocar a Olivença reconquistada sob o domínio português, entregou-a inexplicavelmente às autoridades espanholas.
O que terá levado aquele homem, acabado de recuperar Olivença para a Coroa Portuguesa, a entregá-la aos espanhóis que apenas a tinham dominado por escassos 10 anos? Nem a lógica das guerras, nem a Velha Aliança, nem a amante portuguesa, nem os sinais bem visíveis e fortemente presentes de posse e presença portuguesa, o impediram de tamanha loucura. O quê, então? Que negócios políticos, troca de favores, exercício de influências o terá levado a esta inexplicável decisão?
Escassos anos depois, nos Congresso de Paris e de Viena, em 1814 e1815 – que tinham como finalidade desenhar a Carta da Europa, estabelecer fronteiras, decidir de domínio e posse – foi discutida a estranha questão de Olivença e reconhecidos os direitos de Portugal. Discutida, foi. Mas resolvida, não. A realidade foi diferente. A Espanha recusou assinar, de imediato, o Tratado e, dessa forma, a situação perpetuou-se, passando Olivença a ser Olivenza, até hoje.
Esta é a História, nua e crua. Há, contudo, a outra história. A dos homens que ali têm vivido de então até hoje.
A presença portuguesa tem-se mantido, nos monumentos e no seu maior património – a sua língua.
Só que tudo aponta para que dentro de 20 a 30 anos, ninguém mais fale português. Os que hoje ainda o falam, e já não são muitos, têm entre os 40 e os 50 anos de idade e é de prever que quando a morte destes vier, a língua portuguesa se cale.
Não se calarão, é certo, as pedras que por ali continuam perpetuando a presença e posse portuguesa. Torre de Menagem, muralhas, igrejas, nomes de ruas, casas senhoriais, como a de Cadaval, doces conventuais como a «tecula mecula» (receita do Alentejo), os escudos portugueses, as esferas armilares…
Sempre se ouvirá dizer aos guias (espero que sim) que a Igreja da Madalena é manuelina, que aquele altar de talha dourada lindíssima da Igreja de Santa Maria do Castelo é portuguesa, que os azulejos do sec. XVIII da Igreja da Misericórdia foram feitos em Lisboa, por um Manuel dos Santos, etc… etc… Sempre se ouvirá dizer que o retábulo da mesma igreja é o maior da Europa, com os seus vinte metros de altura e é obra portuguesa …
Mas a realidade é outra. Os dez mil habitantes nunca foram perguntados em referendo se queriam ser espanhóis ou portugueses. Mas sondagens feitas apontam para que uma grande maioria queira continuar espanhola. São dez mil que renegam a História? Ou são antes dez mil que sabem analisar as diferenças?
Não basta ter a posse de algo, seja do que for. Mais do que ter, é preciso merecer e ser desejado.
Hoje, ano 2007, Olivença seria o que é hoje Olivenza? Dói, perguntar isto. Mas dói ainda mais, nada se poder fazer contra esta realidade.

CVR