Dizem os dicionários e a memória de quem estudou, que, mito, é a narração dos tempos fabulosos ou heróicos ou qualquer fábula aplicada a uma religião politeísta e, em sentido figurativo, coisa rara ou totalmente fabulosa. Se ao sentido figurativo, juntarmos o sentido familiar, mito pode significar aquilo que apenas existe na imaginação das pessoas crédulas, coisa inacreditável, que não tem realidade, enigma. E, mitismo, significa abuso das explicações míticas. Por sua vez, fábula, significa narração em que é quase impossível discernir o verdadeiro ou o falso, mito, lenda, narrativa imaginária, facto histórico inventado, pessoa ou coisa em que se fala, de que se faz falatório. E, fabular, significa também, inventar, imaginar, mentir.Juntos que estão estes ingredientes culturais, podemos fazer uma papa de significantes, para receita base deste cocktail de mitos, bebida padrão, marca universal de todas as happy hours, de todos os bares, de porta aberta ou fechada, deste tresloucado mundo em que vivemos, hoje, ano 2001, a iniciarmos este século XXI, a que todos queríamos chegar, não se sabe porquê, nem se sabe para quê, mas que podemos desconfiar ser por uma ideação suicida colectiva, um mitismo interiorizado, que nos prometia, com o selo de garantia da fábula escrita por Nostradamus, um fim de mundo apocalíptico, com chuva de estrelas em queda feérica.
Agarremos agora no shaker e comecemos a fabricação, é este o verdadeiro nome, do cocktail de mitos que andamos a servir uns aos outros, que andamos a beber com uma frequência que muitos não desejariam tão grande, com um grau de satisfação e amargura, um sabor agridoce não esperado, mas constante.
O shaker está vazio e o primeiro ingrediente que para lá atiramos, é uma mão cheia de cifrões. Ingrediente base, base de tudo, respeitado deus desta nossa triste época. Convém agitar levemente o shaker, para que os cifrões se instalem bem, ocupem por completo a base e não permitam que outro ingrediente passe através deles, senão quando eles o determinarem e lhes abrirem caminho. Para os mais religiosos, e devotos ferrenhos deste novo deus, recomenda-se colocar um pouco mais que uma mão cheia deles. Começa aqui a dificuldade de fabricação deste cocktail. Porque se é verdade que, na maioria dos casos, cada um de nós sabe exactamente a dose que deve por no seu cocktail, é também verdade que quando este se destina a terceiras pessoas, clientes ou amigos e convidados, a dúvida se coloca, e nos perguntamos se a dose deve ou não ser reforçada, deve ou não ser diminuída. Deitamos depois uma medida de hipocrisia, meia medida de sacanice e uma colher média de mentira. Agita-se suavemente, como o agente 007, gostava. Deixa-se descansar um pouco.
O shaker está vazio e o primeiro ingrediente que para lá atiramos, é uma mão cheia de cifrões. Ingrediente base, base de tudo, respeitado deus desta nossa triste época. Convém agitar levemente o shaker, para que os cifrões se instalem bem, ocupem por completo a base e não permitam que outro ingrediente passe através deles, senão quando eles o determinarem e lhes abrirem caminho. Para os mais religiosos, e devotos ferrenhos deste novo deus, recomenda-se colocar um pouco mais que uma mão cheia deles. Começa aqui a dificuldade de fabricação deste cocktail. Porque se é verdade que, na maioria dos casos, cada um de nós sabe exactamente a dose que deve por no seu cocktail, é também verdade que quando este se destina a terceiras pessoas, clientes ou amigos e convidados, a dúvida se coloca, e nos perguntamos se a dose deve ou não ser reforçada, deve ou não ser diminuída. Deitamos depois uma medida de hipocrisia, meia medida de sacanice e uma colher média de mentira. Agita-se suavemente, como o agente 007, gostava. Deixa-se descansar um pouco.Quando os últimos ingredientes acrescentados, deixarem de se ver e for apenas aparente o fundo de cifrões, vamos juntar meia dúzia de palavrões obscenos, tornando-se indispensável usar a palavra fuck, em quantidade, podendo substituir-se pela palavra hooker, sem a mesma garantia de sucesso. Agita-se novamente e, logo de seguida, acrescenta-se meio shaker de palavras mal ditas ou mal escritas, misturadas em molho de gramática desprezada, passando a bebida a ter corpo e a ver-se menos a base de cifrões. Descansa, pouco tempo.
De seguida, juntam-se vários golpes de karaté, de preferência mortais, devendo a introdução no shaker ser acompanhado de urros. O shaker deve então ser agitado violentamente.
É aconselhável introduzir um pouco de difamação, duas doses de heroína, uma dose de corrupção e, se possível, algumas violações ou, em substituição, um pouco de pedofilia.
Dependendo do destinatário, poderá também juntar-se uma AK47 ou um pouco de trinitroglicerina com ajuda de um lança rockets. Há quem junte alguns diamantes. Deixar assentar novamente. Não juntar gelo.
Já na parte final, acrescentar uma dose de squash ou um pouco de jogging ou fitness, em substituição, ou consoante o gosto de cada um. Agitar suavemente.
Para gostos mais refinados, convém juntar um pouco de especulação bolsista ou, se possível, uns pós de inside information.
Agita-se novamente, agora mais fortemente, para garantir total mistura dos componentes e, após isso, verifica-se com toda a atenção a espuma da superfície, para ver se há qualquer impureza. É fundamental retirar qualquer resquício de cultura, qualquer livro, momento de teatro, andamento de sinfonia, versos de poema, frases de um qualquer ensaio, qualquer pitada de honestidade, que tenham sido introduzidos por acaso e contaminação e ter particular atenção para não deixar qualquer porção, por mínima que seja, de princípios morais e regras de conduta. Feita esta limpeza, passa-se à decoração e arte final.
Decora-se com uma cereja de Madona, chocolate com chip de Schoemaker, uma sombrinha chinesa com imagens de Figo ou Zidane, uma framboesa de Cláudia Schiffer, um pouco de compota de Navratilova e polvilha-se depois com notícias da CNN e algumas top models e aplica-se uma palhinha MacDonnald’s.
Está pronto a servir.Deve beber-se com cuidado e em pequenos golos, embora haja quem goste de o beber como um shot, de um só trago.Por mim, aconselho que se deite fora, com copo e tudo. Após o que se deve encher o peito de ar, respirar calma e sossegadamente, agarrar num bom livro, escutar uma boa música e viver assim o resto da vida, mesmo que seja sozinho.
Post colocado já em 05DEZ05, sem imagens
Está pronto a servir.Deve beber-se com cuidado e em pequenos golos, embora haja quem goste de o beber como um shot, de um só trago.Por mim, aconselho que se deite fora, com copo e tudo. Após o que se deve encher o peito de ar, respirar calma e sossegadamente, agarrar num bom livro, escutar uma boa música e viver assim o resto da vida, mesmo que seja sozinho.


Os carros topo de gama transpiram conforto e segurança, dão status e este dá-lhes a hipótese de circularem a 200 Km. por hora nas autoestradas, sem receio que a Brigada de Trânsito cometa a indelicadeza e a imprudência de os mandar parar e lhes dizer delicadamente para soprarem no balão. Compromissos de Estado (qual deles? ele há tantos...) justificam a velocidade, dirão eles, e o «nosso» motorista nunca bebe... (mesmo quando apanhado em fins de semana, conduzindo uma viatura oficial, para seu exclusivo proveito, ocasionando acidentes, é considerado culpado, porque o haveria de ser quando transporta suas excelências?)
Sem inflação, sem desemprego, sem aumentos do custo de vida, com garantia de trabalho, com vencimentos acima da média europeia, com chefias ocupadas por mérito, com todos os lugares ocupados em concursos imparciais, sem numerus clausus, sem corrupção, sem compadrios, sem lobbies, sem cartões partidários, sem crime organizado, em paz, com respeitáveis e esclarecidas chefias, inteiramente devotados ao bem público e colectivo, mas ainda assim liberais? Com um governo exemplar, que consegue dar-nos justiça, educação, saúde, e segurança social exemplares e que ainda por cima fez do Estado uma pessoa de bem, fiável e cumpridora de todos os compromissos, tal como exige ao cidadão comum, só podemos estar satisfeitos. Por isso, deixemo-nos de protestos, que nem sequer têm qualquer sentido. Tenham tento, senhores. Aplaudamos quem merece. E não se esqueçam de votar...
Tempo de sorrisos e esgares, de perfumes, de bronzes e queimaduras. Tempo de passeio nocturno, nas passerelles das ruas, para o exercício diário de ser visto.




A Agência bancária a que hoje tive de ir não pertencia, de facto, ao «meu» Banco, razão porque não tinha o «meu» gestor de conta e me vi obrigado a recorrer ao balcão de atendimento público. Uma funcionária a atender e vários clientes em espera. Pensei – vou primeiro tomar uma bica e volto depois. Repensei – para quê, se a cena se vai repetir? Fiquei. E ainda bem que fiquei pois se o não tivesse feito não tinha seguramente assunto para esta crónica, tal o vazio que ultimamente se instalou na minha cabeça, numa tentativa subconsciente de não pensar, como quem faz que esquece, para não sofrer. Logo a seguir à parte do balcão de atendimento onde eu me estacionei o meu corpo para uma longa espera anunciada, existem duas pequenas secretárias, mal resguardadas por dois biombos, onde numa delas, um antipático, frio e soberbo funcionário bancário fingia exercer o seu papel, atendendo, ou não atendendo, um cliente sentado à sua frente.
Este pequeno espaço onde a cena se vai passar, era encimado por uma tabuleta que dizia – Crédito Pessoal. O cliente aparentava uma idade próxima dos 70 anos, era aparentemente calmo, um ar quase domesticado. Apesar disso e talvez porque tenha sentido uma vez mais o aguilhão da injustiça e da discriminação, falava num tom um pouco acima daquele que seria de esperar do seu ar comportado. Foi por isso que eu pude ouvir parte da conversa que entre os dois se estabeleceu, a parte bastante para me permitir agora escrever sobre ela. Da troca de palavras que consegui ouvir, deu para perceber, claramente, que a «política» bancária impõe um limite temporal à concessão de crédito pessoal e impõe que este não possa ser concedido a quem tenha 70 anos ou mais, evidentemente. O cliente argumentava que a necessidade daquele crédito que reclamava era transitória, por muito pouco tempo e que, felizmente, tinha bens materiais suficientes para poder encarar o seu futuro com tranquilidade e ainda uma pensão de reforma que mais de 80% dos portugueses gostariam de ter. E afirmava ainda que podia, tranquilamente vender um dos seus vários apartamentos e realizar com essa venda uma importância quase obscena, absolutamente escandalosa e desajustada ao real valor, dada a especulação imobiliária da zona onde eles se situavam.De nada lhe serviu argumentar. De nada serviu tentar explicar que se estava ali a tentar um crédito pessoal de uma verba verdadeiramente modesta e insignificante, era apenas para não ter que optar por outras soluções mais drásticas, quando se tratava apenas de resolver um pequeno problema monetário ocasional. Toda a sua argumentação embatia contra a rocha firme e gélida do burocrata bancário que desconhecia totalmente o que era ser afável, atencioso, delicado, compreensivo e muito menos conhecia o valor das palavras quando elas podem ser salvadoras e tranquilizadoras de pessoas em crise. O cliente falou ainda na hipótese última de dar um dos seus imóveis como garantia bancária. O estúpido e inapto funcionário, que qualquer patrão atento desligaria rapidamente daquele tipo de trabalho, se não de todo, teve um instantâneo impulso humano e disse que essa solução poderia ser, mas que a sua concretização iria demorar pelo menos dois meses e seria concedido o crédito por escasso tempo, os meses que faltavam ao cliente para completar os 70 anos. Mas o cliente precisava de ajuda imediata e não passados dois meses. E como última esperança invocou ainda a sua condição de cliente antigo daquele banco e a excelente pensão de reforma que mensalmente era ali depositada na sua conta. O rochedo continuou imperturbável, ainda com maior enfado. Nem um sorriso, mas exibindo uma máscara afivelada que lhe dava uma expressão desagradável de soberba, de senhor de reinos inatingíveis por comuns mortais. Senhor do mundo, com todas as chaves na mão. Mas, curiosamente, um senhor do mundo que tinha sido ferido pela inveja, quando o cliente aflito lhe tinha atirado com o valor de um só dos seus apartamentos. Quando tal ouviu, o senhor do mundo baqueou um pouco, pensando que senhor era afinal ele, que nunca viria a ter tal importância?Não interessa o resto da conversa. Interessa apenas que o cliente já não tinha idade para ter direito a um crédito pessoal por parte do «seu» banco de toda a vida e que sendo assim, nem direito tinha, em boa verdade, a estar sentado naquela cadeira, daquele modesto espaço por cima do qual se lia numa tabuleta – crédito pessoal. Foi assim que tendo entrado eu a contra gosto naquela instituição bancária, me vi contra vontade a dar corda aos meus neurónios, subconscientemente parados por algum tempo, em tempo de defesa, para não sofrerem demasiado com os factos que todos os dias sem excepção tinha de encarar e tentar compreender.A última frase que eu ouvira ao aflito e desprotegido cliente e que agora dá título a esta crónica, trouxe-me rapidamente à memória outras situações igualmente indignas da espécie humana e do sentido da vida. Que dizer ou como classificar a política inglesa, da polida e fria Albion, que proíbe, ou não aconselha (o que é o mesmo), que se façam determinadas intervenções cirúrgicas em pessoas de idade por ser o mesmo que «deitar dinheiro à rua»? Que dificulta o acesso dos velhos a drogas dispendiosas, a tratamentos prolongados, até à fisioterapia? Já não se internam idosos com determinadas patologias nos Hospitais, pois estes devem estar reservados para as forças produtivas! Os velhos porque não morrem em casa? Ou nos Lares de Idosos, que é para isso que servem? perguntam muitas esclarecidas mentes, não muito esclarecidas contudo, ou tão tão esclarecidas, que ainda não perceberam que se estão a condenar, por antecipação, a si próprios. Maldito cifrão, maldito dinheiro, maldita economia, malditos senhores poderosos deste pobre mundo, tão tão pobre, que até se deixa governar por vós e à vossa ordem. Por mim, que me sinto jovem e por isso sou realmente jovem, associo-me com revolta ao sentir do aflito cliente desta crónica e grito como ele – desculpem se ainda estou vivo!

Os políticos dos cinco continentes (penso que continuam a ser cinco), politicam bem, mal e assim assim, à medida do que sabem e do que é politicamente correcto em cada momento. Mas, sempre felizes, sorridentes, contentinhos consigo mesmos e com os proveitos que, mesmo nos menos afortunados, não são de desprezar. E também nos cinco continentes a legião de aprendizes, os jotas, só pensam na maneira mais rápida de passarem a perna aos cotas. E é vê-los, ainda de cueiros, a mandar vir nas televisões, nos comícios, nos congressos dos partidos, nas assembleias, a desfazerem-se em chuveiros de palavras luminosas, quando falam dos seus confrades e a lançarem vários morteiros quando se referem à concorrência, que me parece melhor palavra que oposição. E é um verdadeiro espectáculo de fogo de artifício. Mas, as lágrimas ficam para nós, os que assistimos todos os dias aos seus espectáculos de falsos conhecimentos, de falsa cultura, de nula experiência, de nula vivência e todavia, todos empertigados, qual periquitos engravatados, quase acreditando no que dizem e só pensando na hora em que alguém desprevenido os convide para secretários de estado ou chefes de gabinete, porque é preciso acenar com estas coisas à juventude, detentora de muitos votos.Também nos cinco continentes, as pessoas se interrogam, aquelas que se interrogam, tentando perceber por que estranha razão aquela pata gigantesca, toda em azul, vermelho e branco, cheia de riscas e estrelas, se sente autorizada, como o mundo sente cada vez mais, a fazer sombra nas nossas cabeças, nas nossas vidas, sufocando o que ainda há para sufocar, vendendo-nos tudo que já se não pode comprar, dando abraços e apertos de mão sem significado real e que apenas contam para a fotografia que obriga os participantes a fazerem aquele sorriso apatetado, antinatural, que todos fazem, balouçando as mãos, como se as apertassem (nisso o inglês é uma língua maravilhosa, pois chama a esse apertar, shake!).O túnel do Marquês continua parado, sem se saber até quando, em homenagem diária ao seu ideólogo, o túnel do Rossio encerrou por um ano, em emergência, antes de qualquer catástrofe, mas podemos estar todos tranquilos (umas dezenas de metros de terra os separa), porque isso nada tem a ver com as escavações do túnel do Marquês, mesmo que as reparações urgentes a fazer sejam exactamente nos pontos de contacto de um com outro. E, se eles dizem que assim é, quem somos nós para afirmar o contrário? O caneiro de Alcântara ameaça criar problemas se o sol nos abandonar e vier a chuva devida a esta estação do ano; esperemos que não haja tragédias, para além daquelas a que assistiremos em directo, em todos os canais, de uns e outros se acusarem mutuamente, tentando demonstrar que se há incúria e culpa, ela não é de agora e é da responsabilidade de outros, no ping pong habitual que já ninguém suporta. Uma parte de Lisboa ficou hoje sem água, por abatimento de terras em Santa Apolónia, o que também nada tem a ver com as obras do metro que ali vai terminar. Sim, claro que da chuva não foi, porque está um sol radioso, mas das obras também não. E mais dois trabalhadores ficaram soterrados, quando faziam escavações. Claro, que estavam executadas todas as medidas devidas à segurança do pessoal. Os bombeiros não viram que as terras estavam escoradas? Então, o amigo não vê essas tábuas que para aí estão espalhadas? Foram os bombeiros que as tiraram, durante as manobras para salvar os soterrados!Entretanto um dos «gatos fedorentos» vai conquistando todo o povo e fazendo da sua fala, a fala de todos, conquistados que estão por aquele magnífico «eles falam, falam, mas eu não os vejo fazer nada, e fico chateado, com certeza que fico chateado».Haja esperança! 
Mas, há que separar ainda a corrupção inteligente, da corrupção estúpida, do chico esperto em país de atrasados mentais. Se os gnr’s não tivessem mostrado sinais exteriores de riqueza teriam sido descobertos?Mas, diz-se mais – diz-se que, se os ordenados fossem maiores, não haveria corrupção. Será isto verdade ou é apenas um embuste, um doce engano? Quem põe as mãos no cepo em defesa desta afirmação?Mas, se este princípio não é verdadeiro, significará isto que aceitamos o determinismo, género, é corrupto quem é corrupto, pronto?E, logo a seguir, vem a comparação com as ovelhas ranhosas das famílias. Vários irmãos na mesma casa, os mesmos pais, as mesmas escolas, a mesma educação e entre os vários irmãos lá está a ovelha negra.Será que há condições especiais para ser corrupto? A ambição desmedida, a falta de qualidade e aptidão para ser, lutar e vencer? A inveja, a falta de valores, a subjugação total ao deus cifrão?Mas a ser assim, deveria haver classes sociais, profissões, tendências políticas, visões do mundo, que fossem mais imunes à corrupção activa e passiva, mas o que se vê neste triste mundo, neste cada vez mais desgraçado país, é uma corrupção em crescendo, desenvolvendo-se como cogumelos, envolvendo como um líquen, classes sociais, profissões, políticos, pessoal e quadros responsáveis ou que o deviam ser.O facilitismo, a vida fácil e prazenteira, a inveja do vizinho e de tudo que lhe pertence, casa, carro, dinheiro, até mulher, são fulminantes, que picados, percutidos pelo corruptor activo, vão explodir causando uma erosão da moral, uma destruição dos princípios, num salve-se quem puder.Sorrateiramente, as teorias de mercado foram instituindo aquele pequeno líquen das comissões, normais e quase legais, nas compras, o pagamento de favores de pressão lobística, o pagamento de notícias laudatórias ou difamatórias, consoante o interesse do pagante, a flutuação bolsista inflacionada por notícias que de verdadeiras nada tiveram, o pagamento em acções douradas, o pagamento subterrâneo de outro ordenado através de cartões de empresa, a compra pelo valor restante dos automóveis em leasing, um sem número de pequenos e grandes truques que só conduzem à habituação, como a bebida social, como uma droga pesada.Hoje foi a fotocópia que se vendeu com o fax comprometedor, amanhã será a informação privilegiada, depois de amanhã os passaportes ainda virgens e autênticos que vão servir todos os fins, para a semana um transporte de droga, amanhã noutro local a declaração de IRS mal preenchida, para a semana o prédio que vai a leilão só para aquele que foi informado e para o outro, ou outros, com ele combinados.E onde eram vales, já são montanhas de actos corruptos, começando a não chegar os off-shores deste mundo para tanta vigarice, tanta corrupção.Corrupção. O que corrompe o que é corruptível.E se não fecharem os ouvidos, caros leitores, ouvirão sempre o canto da sereia que, com aquela sua voz maviosa, vos dirá que todo o homem tem um preço.O mundo está perigoso, como diz Vasco Pulido Valente. Tão perigoso que, qualquer dia, todos começarão a pensar qual será o seu justo preço e a dizer que, pensando melhor, é uma verdade, que ninguém aceita valores morais em pagamento seja do que for.É a isto que se chama progresso? Que se chama evolução?Sinto-me cada vez mais um homem de outro tempo.
