quinta-feira, novembro 27, 2008

ainda a propósito de dresden


Não sou daqueles que pensam que há raças superiores e inferiores (sei que agora não se deve dizer raças, mas neste caso, parece-me ser palavra mais definidora).
Mas penso e creio que sei, que há povos que se distinguem bem dos outros no seu aspecto ou na sua afirmação enquanto tal.
O que determina fundamentalmente a diferença entre uns e outros é a sua determinação, a cultura, a capacidade de trabalho, o sentir social, a noção do bem comum, o respeito pelo outro, o orgulho na sua pátria.
Faço estas considerações recém chegado da Alemanha e, especialmente, de uma das suas cidades que ainda não conhecia – Dresden.
De Dresden conhecia apenas aquilo que a História me ensinou e o que li e ouvi acerca da sua destruição massiva durante a 2.ª Guerra Mundial, mesmo no seu fim, mais exactamente doze semanas antes da rendição da Alemanha (9 de Maio, em Berlim).
Entre 13 e 15 de Fevereiro de 1945, 1300 bombardeiros da Royal Air Force (em 13 e 14) e da United States Air Force (a 15), despejaram sobre aquela cidade (conhecida como a Florença alemã), 3900 toneladas de bombas explosivas e incendiárias que destruíram 13 Km2 da cidade. Tudo se passou dois dias depois de ter terminado a Conferência de Yalta, onde Churchill e Roosevelt discordaram de Stalin sobre a partilha da Europa.
As baixas rondaram os 35.000, embora exista grande controvérsia sobre este número (de 8.500 a 300.000).
Este bombardeamento ficou para a História como um das causas morais mais célebres da 2.ª Guerra Mundial, já que não havia razão, nem táctica nem estratégica, que moralmente o suportasse. Todos sabemos que «guerra é guerra», mas mesmo nela tem de haver algum sentido.
Há quem defenda que o justificativo terá sido destruir um centro ferroviário e algumas fábricas que davam apoio ao esforço de guerra alemão. Mas a maioria refere que não havia qualquer razão para tais bombardeamentos, já que não havia objectivos militares de capital importância, a guerra já estava ganha e à beira do fim e na cidade só viviam velhos e crianças, muitos tendo vindo de outras partes, uns e outras ali vivendo por Dresden ser tida como cidade segura, já que não era objectivo militar.
Muitos apontam o dedo a Winston Churchill, esse grande patriota, político e cabo de guerra, que através deste bombardeamento queria mostrar força perante Stalin, antes da definitiva divisão da Europa (conferência de Potsdam entre 17 de Julho e 2 de Agosto de 1945).
Na partilha efectuada, Dresden ficou integrada na chamada RDA, República Democrata Alemã ou DDR, Deutsch Demokratische Republik, na esfera de dominação soviética.
Só a 3 de Outubro de 1990, com a reunificação da Alemanha, a chamada Queda do Muro de Berlim, Dresden recuperou a sua antiga posição de capital da Saxónia.
Passados que são 63 anos sobre o fim da guerra e 18 após a reunificação, fui encontrar uma Dresden totalmente reconstruída (pode dizer-se) e guardando a memória da sua destruição.
Como exemplo emblemático da reconstrução, a Frauenkirche (Igreja de Nossa Senhora). Podemos dizer que tudo que hoje vemos foi reconstruído em menor ou maior escala, mas a Frauenkirche foi totalmente reconstruída (entre 1993 e 2004), com dinheiro do estado, do povo, de ingleses (a Rainha, o filho de um piloto que bombardeou Dresden, entre outros), de americanos (Kissinger, Rockefeller e outros) e, sobretudo com a doação mais que simbólica de amor à sua Terra e ao seu País, do médico Gunter Blobel, Prémio Nobel da Medicina em 1999, que ofereceu todo o valor do prémio para a reconstrução desta igreja.
Olhando esta Igreja ou vendo o filme que documenta todas as fases da sua reconstrução total, podemos apreciar como ela integra apenas algumas pedras da antiga igreja. Mas deve dizer-se que os materiais que restaram após o bombardeamento foram todos separados, guardados e posteriormente aproveitados e reciclados e incorporam muito do material novo que agora foi usado.
Dresden tem hoje uma população de cerca de 500.000 habitantes e recuperou o seu título de Florença à beira do Elba.
Quem olha para a majestosa Semperopera (assim chamada para honrar o nome do arquitecto Semper, que foi também o responsável pelo Teatro do Rio de Janeiro), é bom que saiba que demorou 40 anos a ser reconstruída.
Quem conhece o seu interior, assiste a um concerto, vê a sala completamente cheia, olha o programa anual e verifica que na quase totalidade dos meses há espectáculos diários, alternando os concertos, com a dança e a ópera, tem pena ou mesmo inveja de não ter na sua terra esta permanente oferta cultural e dói-lhe que os seus compatriotas não tenham poder de compra suficiente para encherem de forma continuada aquela imensa sala em que, de forma inteligente, o interior das várias categorias de camarotes foram transformados em lugares de balcão, para maior comodidade, visibilidade e aumento de lugares.
Quem no intervalo vê os foyers cheios de gente bem vestida, bem cuidada, dignificando o espectáculo (mas não em mostra de vaidades), bebendo água ou champagne francês, mordiscando qualquer coisa que conforte, tem pena que na nossa cidade com mais do dobro dos habitantes os espectáculos sejam uma raridade, as casas não estejam cheias ou raramente o estejam e que alguns por lá se passeiem como se estivessem na rua, atropelando-se uns aos outros, mostrando-se apenas.
Dresden é uma cidade bonita, espaçosa, cuidada, com um sistema de transportes públicos eficaz, com pouca circulação automóvel, com muitas zonas verdes, com sábio aproveitamento de espaços de lazer.
Não faltam monumentos belos e cuidados, museus, animação de rua, tradições, que afirmam bem o seu direito de ser cidade europeia de qualidade.
Um passeio de barco no Elba entre as duas margens desta cidade é reconfortante e enche-nos os olhos de beleza.
Na margem contrária àquela que é considerada a cidade histórica ou o centro, encontram-se vários edifícios de qualidade como o Palácio Japonês ou a Leitaria de Pfund, considerada a mais bela do mundo.
E volto ao princípio. Tudo se pode fazer se para isso houver determinação e capacidade. Mesmo uma cidade destruída se pode reconstruir, respeitando a memória e a traça. No fundo, uma afirmação de marca, de vontade de um povo unido em volta dos seus valores.
Mas é preciso acreditar e saber do que se é capaz. Ter a medida exacta do que se quer e do que é necessário para o conseguir. É preciso não chorar sobre o leite derramado, mas saber o que fazer para se encher novamente a leiteira.
É preciso acreditar no bem comum, na entreajuda, na solidariedade, no povo que connosco faz uma Nação. É preciso ter fé e não nos deixarmos derrotar pelas contrariedades, mas antes fazer-lhes frente e continuar. Há muito se diz que o caminho se faz caminhando, mas há situações em que é preciso que todos sigam o mesmo caminho, para que juntos conquistemos o que nos parece possível e justo.


1 comentário:

ARG disse...

Caro Doutor

Esta sua longa ausência não caiu em saco roto,desculpe a expressão. Para além da sua presença,com uma comunicação,no Congresso da União Mundial dos Escritores Médicos,não andou por lá só a passear e a beber cerveja,se é que gosta dela. Andou por lá com olhos de ver,talvez confirmando coisas que já sabia. Por mim,aproveitei do que disse,o que muito lhe agradeço. Nunca fui a Dresden,como não fui à quase totalidade dos muitos e variadísimos cantos deste pequeno-vasto mundo. Mas já sobrevoei Dresden,uma e mais vezes,pelo "bird's eye" do Live Search Maps. Não é como ir lá,está visto,mas dempre é melhor do que nada.E o que se vê,dá para se ficar admirado com a capacidade desse povo. Talvez nos tivessem deixado alguma coisinha,quando por cá passaram celtas,godos e outros povos da Germânia.
Desculpe o arrasoado. Os meus sinceros desejos de muita saúde.