quarta-feira, abril 14, 2010

o vinho e o mosto - um exercício de intertextualidade 29


«Nuvens … Interrogo-me e desconheço-me. Nada tenho feito de útil nem farei de justificável. Tenho gasto parte da vida que não perdi em interpretar confusamente coisa nenhuma, fazendo versos em prosa às sensações intransmissíveis com que torno o universo incógnito. Estou farto de mim objectiva e subjectivamente. Estou farto de tudo e do tudo de tudo o resto. Nuvens …»
Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Porquê não me revendo eu no que agora li, fico com a dúvida se fui eu quem o escreveu? Vejamos, por partes. «Interrogo-me e desconheço-me»? Não é verdade minha. Primeiro porque costumo repetir à exaustão (penso que para me convencer) que não sou homem de me interrogar. Segundo – porque sendo verdade que me desconheço, conheço-me bem de mais para me aceitar assim e por isso, só tenho que desconhecer-me para não atentar contra mim.
Sim, isso é verdade, tenho gasto toda a vida que não perdi e não só parte dela, a fazer tudo que é coisa nenhuma, como depois se vê.
Mas, sobretudo, estou farto de mim objectiva e subjectivamente. Objectivamente, desde sempre, subjectivamente há não muito tempo, mas de tal forma que o que parece pouco é quase tudo.
Estou farto de tudo e só agora começo a perceber que o que me fazia correr, não merecia nem valia um chavo. Talvez por isso, e só por isso, passei a vida a pensar que não era homem de me interrogar.
CVR

2 comentários:

msg disse...

Muito boa tarde,CARO DOUTOR

Li "Nuvens... Nuvens...".Li o seu texto. Por onde pegar? Olhe,DOUTOR,
pelo Vinho e pelo Mosto. Sem interrogações. Para o mosto,
concorrem uvas e leveduras,quer dizer,matéria prima e obreiras. Tudo,aparentemente,muito simples,
sem interrogações. È claro que podia não ter havido uvas,por o ano ter corrido muito mal. È claro que o mosto podia ter amuado, por álcool a mais. Enfim,coisas que
acontecem,por isto,por aquilo,com
reflexos nos resultados.
Tal como com as pessoas.
E pronto,CARO DOUTOR,foi o que me ocorreu,pelo que peço muitas desulpas.
Muito boa saúde.

msg disse...

Muito boa noite,CARO DOUTOR

Um quase nada à semelhança de Pessoa,aqui me tem,mais uma vez,
num outro registo,determinado pelo seu existencial texto.
É sabido que o desenrolar da nossa vida,a sua qualidade,depende de muito factor,depende dessa coisa complexa e vária chamada circunstância. Fizemos o que pudemos,a mais não devemos ser obrigados. Podia ter sido melhor? Podia,se a circunstância tivesse sido mais favorável. Que marota é a SENHORA CIRCUNSTÂNCIA!
Muito boa saúde,CARO DOUTOR.