segunda-feira, março 21, 2011

o que faz um tango


São precisos dois para dançar o tango. Neste momento crucial que atravessamos, parece não haver parceiros, mesmo para o dançarem virtualmente, sem chama, sem desejo, como muitos o têm dançado - a fingir que o fazem.
Lembrei-me do que Mário Sabino escreveu sobre o tango e aqui o deixo para quem o queira ler.


O que faz de um tango um tango não são as letras lamechas. O que faz de um tango um tango não é o Gardel, morto, que canta cada vez melhor. O que faz de um tango um tango não são os passos ensaiados na tradição. O que faz de um tango um tango não é a orquestra, com o ar cansado de quem já viu tudo. O que faz de um tango um tango não são as pernas altas da dançarina, vestidas de meias pretas com ligas. Nem o seu cabelo preso, ora com uma flor, ora com uma fita.

O que faz de um tango um tango não é o chapéu antigo do dançarino. Não são os seus sapatos lustrosos. Não é o seu fato às riscas. Não é o lenço vermelho, dobrado no bolso da lapela. O que faz de um tango um tango não é Buenos Aires. Não é qualquer geografia.

O tango não está no mundo das latitudes, das longitudes, das cartografias, dos guias turísticos.

O que faz de um tango um tango é a atração e a repulsa. É a tentação e o medo. É o afecto e a raiva. O que faz de um tango um tango é ela, seguindo na mesma direção dele, e ele, seguindo na mesma direção dela - até que um tenta fugir e o outro tenta impedir, numa alternância de fugas que se querem e que não se querem. O que faz de um tango um tango é a dor de um e do outro transformada em coreografia simétrica. O que faz de um tango um tango é o encontro que se desencontra e se reencontra. O que faz de um tango um tango são os volteios do amor dos poemas clássicos, das canções dos trovadores. Os volteios do amor que bebe no prazer e na fúria. Os volteios do amor que amorna para logo depois torna a incandescer. O que faz de um tango um tango é o amor que, na iminência de um final que se prenuncia infeliz, acha o final feliz. Porque nunca, num tango que é tango, os dançarinos terminam separados, descolados, deslocados.

O que faz de um tango um tango sou eu dentro de ti na carne e tu dentro de mim na alma, depois do último acorde, depois do último aplauso, depois da última lágrima, depois do último gozo.
O que faz de um tango um tango é a música que se quer silêncio.
O silêncio dos amantes.

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